Legionário, No 316, 2 de outubro de 1938

De Godesberg a Munich

Após a entrevista realizada em Londres a 18 do mês findo entre os Srs. Chamberlain que acabava de regressar de Berchtesgaden e os Srs. Daladier e Bonnet, representantes do governo francês, decidiu-se, como já demos notícia em nosso último número, recomendar ao governo tcheco que se submetesse às exigências do “Füehrer”. Concordou o governo do Sr. Hodza, declarando aliás que o fazia “sob a pressão irresistível dos governos da França e da Inglaterra” e que aceitava “em meio da maior aflição as propostas elaboradas em Londres”. A agitação popular que se seguiu em toda a Checoslováquia a essa aceitação determinou a queda do gabinete Hodza, o qual foi substituído por um governo presidido pelo general Strovy, herói da Grande Guerra.

Dos esforços desenvolvidos pelo Sr. Hodza para manter a paz diz melhor que qualquer outro o comentário do “Osservatore Romano”: “Deve-se reconhecer, escreve aquele jornal, que o governo de Praga manifestou as intenções mais conciliatórias e envidou os mais meritórios esforços em negociações sempre difíceis e até às vezes penosas. Não se pode duvidar de que a solução pacífica tenha sempre sido o seu desejo e que os esforços nesse sentido constituem o princípio supremo de sua atitude”.

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Aceito pela Checoslováquia o plano apresentado pelos governos de Londres e Paris, partiu novamente o Sr. Chamberlain para a Alemanha, a fim de entender-se com o Sr. Adolf Hitler. Realizaram-se as entrevistas em Godesberg, pequena aldeia próxima à cidade de Colônia, nos dias 22 e 23 do mês findo. A 24, o Sr. Chamberlain regressava a Londres, inteiramente decepcionado e trazendo um “memorandum” do Sr. Hitler, no qual se continham as últimas aspirações do “Füehrer”. Ultrapassando todos os pedidos feitos em Berchtesgaden, ele exigia a cessão imediata do território sudeto, com suas fortificações, suas culturas, seu gado, etc., e exigia um plebiscito em quase todo o resto do território tcheco. O “memorandum” alemão foi imediatamente transmitido ao governo tcheco pelo governo de Londres, que deixava à Praga plena liberdade de ação.

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Na noite de 23 para 24, quando fracassava a entrevista de Godesberg e o Sr. Hitler entregava o seu “memorandum” ao estadista britânico, o governo de Praga ordenava a mobilização geral, que foi feita com todo o entusiasmo, no prazo de 6 horas. O regresso do Sr. Chamberlain a Londres, coincidiu imediatamente com providências militares inglesas, consistentes na instalação rápida de baterias anti-aéreas em Londres e na chamada de reservistas da esquadra. A França chamou às armas numerosas reservas concentrando-as na linha Maginot. A Bélgica e a Holanda reforçaram a defesa de suas fronteiras convocando também diversas classes de reservistas. Os países bálticos, a Lituânia, a Finlândia suspenderam o licenciamento dos conscritos atualmente em serviço. A Polônia e a Hungria avisavam ao mesmo tempo o governo de Praga de que desejavam solucionar também o problema das minorias polonesa e húngara, tendo a Polônia informado que contava com 1.600.000 homens para invadir a Checoslováquia. De outro lado a Rússia, segundo certas informações, estaria reunindo tropas e material de guerra na fronteira da Rumânia, para poder atravessar este país a fim de auxiliar a Checoslováquia. Finalmente, a 25 de setembro, domingo último, reuniam-se em Londres os Srs. Daladier e Bonnet, com a presença do general Gamelin, chefe do Estado Maior do Exército Francês e o visconde de Gran que ocupa cargo correspondente no exército britânico. Como resultado desta entrevista foi publicado um comunicado do “Foreign Office“, declarando que um ataque alemão à Checoslováquia provocaria a intervenção da França, a qual contaria com o apoio da Inglaterra e da Rússia. No mesmo dia chegava a Londres a resposta de Praga ao “memorandum” alemão, declarando o governo theco que considerava inaceitáveis as propostas do Sr. Hitler. Esta resposta e o comunicado do “Foreign Office” foram levadas pessoalmente a Berlim na manhã de 26 de setembro pelo Sr. Horace Wilson, enviado especial do Sr. Chamberlain.

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Durante todo esse tempo, o Sr. Mussolini excursionava pelo território italiano, pronunciando discursos sobre a situação européia. O “Duce” falou em Udine, Gorizia, em Treviso, Pádua, em Belluno e em Verona. Insistiu sempre sobre o poder militar da Itália, afirmando que ela é forte no ar, em terra e no mar; declarou-se sempre ao lado da Alemanha, exaltou os esforços do Sr. Chamberlain para salvar a paz, atacou a Checoslováquia e principalmente o Sr. Benes que presidiu à reunião da Sociedade das Nações, durante a qual foram aplicadas as sanções contra a Itália na guerra ítalo-etíope e defendeu sistematicamente os direitos das outras minorias húngara e polonesa a reivindicarem a sua autonomia nos moldes dos sudetos.

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Preocupado com a situação européia, o Sr. Roosevelt enviou um apelo no domingo, 25 de setembro, aos Srs. Hitler, Benês, Mussolini, Chamberlain e Daladier. Declarando falar em nome de 130 milhões de norte-americanos, o Presidente dos Estados Unidos apontava os males inúmeros de uma conflagração, lembrava o pacto Briand-Kellog e insistiu em que se continuassem as conversações para uma solução pacífica. As respostas dos vários chefes europeus às propostas do Sr. Roosevelt, que mereceram também o apoio dos Presidentes dos países sul-americanos, foram uniformes em acentuar os “desejos de paz que os animam”.

Apenas o Sr. Adolf Hitler se referiu à injustiça dos tratados e aos seus ideais de reunir sob uma só bandeira todo o povo alemão, motivo por que teria que defender os alemães em qualquer terreno. Rejeitava assim toda a responsabilidade na hipótese de uma guerra. Voltou então o Sr. Roosevelt em uma nova mensagem, esta dirigida apenas ao “Füehrer”, e na qual depois de declarar que o recurso à força nada resolve, acrescentava: “não se trata de saber se no passado foram cometidos erros e injustiças. O que agora está em jogo é a sorte do mundo, do mundo de hoje como do mundo de amanhã. A lição da Grande Guerra deveria ter servido para ensinar o mundo”.

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A 26 de setembro à noite, o Sr. Hitler pronunciou no Palácio dos Esportes  o seu mais sensacional discurso sobre a questão tcheca. Embora tivesse recebido na manhã desse dia a visita do Sr. Horace Wilson, transmitindo-lhe a decisão da França, da Inglaterra e da Rússia de auxiliarem a Checoslováquia, o Sr. Hitler, depois de historiar o problema, marcou a data de 1º de outubro para que o Sr. Benês lhe entregasse a região sudeta, sem o que iria tomá-la pela força.

No mesmo dia, o Sr. Chamberlain pronunciava um discurso que foi irradiado, declarando textualmente: “Acho inteiramente desarrazoada a atitude do Sr. Hitler”.

Precipitando-se os acontecimentos, foi convocado o Parlamento inglês e a 28 de setembro o Sr. Chamberlain fazia a exposição de todos os fatos ocorridos. Acrescentou que todos os membros da S.D.N. tinham sua culpa por não se terem interessado pela revisão pacífica do Tratado de Versalhes; mostrou que a Inglaterra preferira a solução pacífica, enviando à Checoslováquia a missão Ruciman; referiu as várias medidas militares tomadas pela Alemanha, em julho e agosto, lembrou o discurso do Sr. John Simon a 22 de agosto, em Lanark, para finalmente narrar sua viagem a Berchtesgaden. Nesta, o Sr. Hitler lhe afirmou que “estava preparado para o risco de uma guerra mundial”. Tendo observado que a invasão da Checoslováquia estava iminente, de acordo com o governo francês, sugeriu ao de Praga que se submetesse, o que foi conseguido. Voltando à Alemanha, encontrou-se em Godesberg com o “Füehrer”, que recusou as conceções tchecas, lhe declarou que era preciso satisfazer as outras minorias, recusava concordar com a garantia das novas fronteiras e lhe dera um “memorandum” com um mapa anexo contendo as reivindicações alemãs. Ainda uma última tentativa resolvera fazer: comunicara ao Sr. Hitler que estava disposto a ir a Berlim com o Sr. Daladier, convidando-se também a Itália, para resolver-se a questão. Este convite fora aceito e a conferência quádrupla ia reunir-se.

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A 29 de setembro o Santo Padre Pio XI fez ao rádio uma emocionante alocução pela paz, cujo texto publicamos em outro lugar.

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Como anunciara em seu discurso o Sr. Chamberlain, reuniram-se a 29 de setembro em Munich os chefes de governo da Alemanha, da Itália, da França e da Inglaterra. Atendendo a um pedido de lord Perth, representante inglês em Londres, o Sr. Mussolini entendeu-se com o “Füehrer” combinando-se a entrevista. Nela se concluiu um acordo que representa a satisfação de todos os desejos do “Reich” e a perda pela Checoslováquia de todo o território sudeto e das construções nele existentes. Até o próximo dia 10, todo o território onde os alemães predominam deverá ter sido evacuado pelos tchecos, “sem que nenhuma das instalações nele existentes seja destruída”. Os territórios onde sudetos e tchecos são em número sensivelmente igual, serão ocupados por tropas neutras, francesas, inglesas e italianas e submetidos a plebiscito até 10 de novembro. O problema das outras minorias deverá ser solucionado no prazo de três meses, sem o que será objeto de nova reunião dos chefes de governos que agora se encontram em Munich.

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Termina dessa maneira, pelo menos aparentemente, o drama tcheco-alemão. De Godesberg a Munich, a vitória do “Füehrer” é absoluta e a Checoslováquia, se não desaparece inteiramente do mapa europeu, passa entretanto a ser a menos importante de todas as suas nações. Uma pergunta, entretanto, deve ainda ser feita. Qual será a repercussão do acordo de Munich e conseqüente vitória das potências totalitárias na política interna da França e da Inglaterra?