Após a entrevista realizada em Londres a 18 do mês
findo entre os Srs. Chamberlain que acabava de
regressar de Berchtesgaden e os Srs. Daladier e Bonnet, representantes do governo francês, decidiu-se, como já
demos notícia em nosso último número, recomendar ao governo tcheco
que se submetesse às exigências do “Füehrer”.
Concordou o governo do Sr. Hodza, declarando aliás que o fazia “sob a pressão irresistível
dos governos da França e da Inglaterra” e que aceitava “em meio da maior
aflição as propostas elaboradas em Londres”. A agitação popular que se seguiu
em toda a Checoslováquia a essa aceitação determinou a queda do gabinete Hodza, o qual foi substituído por um governo presidido pelo
general Strovy, herói da Grande Guerra.
Dos esforços desenvolvidos pelo Sr. Hodza para manter a paz diz melhor que qualquer outro o
comentário do “Osservatore Romano”: “Deve-se reconhecer, escreve aquele jornal,
que o governo de Praga manifestou as intenções mais conciliatórias e envidou os
mais meritórios esforços em negociações sempre difíceis e até às vezes penosas.
Não se pode duvidar de que a solução pacífica tenha sempre sido o seu desejo e
que os esforços nesse sentido constituem o princípio supremo de sua atitude”.
* * *
Aceito pela Checoslováquia o plano apresentado
pelos governos de Londres e Paris, partiu novamente o Sr. Chamberlain
para a Alemanha, a fim de entender-se com o Sr. Adolf
Hitler. Realizaram-se as entrevistas em Godesberg, pequena aldeia próxima à cidade de Colônia, nos dias 22 e 23 do mês findo. A 24, o Sr. Chamberlain regressava a Londres, inteiramente decepcionado
e trazendo um “memorandum” do Sr. Hitler, no qual se
continham as últimas aspirações do “Füehrer”.
Ultrapassando todos os pedidos feitos em Berchtesgaden,
ele exigia a cessão imediata do território sudeto,
com suas fortificações, suas culturas, seu gado, etc., e exigia um plebiscito
em quase todo o resto do território tcheco. O “memorandum” alemão foi imediatamente transmitido ao governo
tcheco pelo governo de Londres, que deixava à Praga
plena liberdade de ação.
* * *
Na noite de 23 para 24, quando fracassava a
entrevista de Godesberg e o Sr. Hitler entregava o
seu “memorandum” ao estadista britânico, o governo de
Praga ordenava a mobilização geral, que foi feita com todo o entusiasmo, no
prazo de 6 horas. O regresso do Sr. Chamberlain a
Londres, coincidiu imediatamente com providências militares inglesas,
consistentes na instalação rápida de baterias anti-aéreas
em Londres e na chamada de reservistas da esquadra. A
França chamou às armas numerosas reservas concentrando-as
na linha Maginot. A Bélgica e a Holanda reforçaram a defesa
de suas fronteiras convocando também diversas classes de reservistas. Os países
bálticos, a Lituânia, a Finlândia suspenderam o
licenciamento dos conscritos atualmente em serviço. A Polônia e a Hungria avisavam ao mesmo
tempo o governo de Praga de que desejavam solucionar também o problema das
minorias polonesa e húngara, tendo a Polônia informado que contava com
1.600.000 homens para invadir a Checoslováquia. De outro lado a Rússia, segundo certas informações, estaria reunindo tropas e
material de guerra na fronteira da Rumânia, para poder atravessar este país a fim de auxiliar a
Checoslováquia. Finalmente, a 25 de setembro, domingo último, reuniam-se em
Londres os Srs. Daladier e Bonnet,
com a presença do general Gamelin, chefe do Estado Maior do Exército Francês e o visconde
de Gran que ocupa cargo
correspondente no exército britânico. Como resultado desta entrevista foi
publicado um comunicado do “Foreign Office“, declarando que um ataque alemão à Checoslováquia provocaria
a intervenção da França, a qual contaria com o apoio da Inglaterra e da Rússia.
No mesmo dia chegava a Londres a resposta de Praga ao “memorandum”
alemão, declarando o governo theco que considerava
inaceitáveis as propostas do Sr. Hitler. Esta resposta e o comunicado do “Foreign Office” foram levadas
pessoalmente a Berlim na manhã de 26 de setembro pelo Sr. Horace
Wilson, enviado especial do Sr. Chamberlain.
* * *
Durante todo esse tempo, o Sr. Mussolini excursionava
pelo território italiano, pronunciando discursos sobre a situação européia. O “Duce” falou em Udine, Gorizia, em Treviso, Pádua, em Belluno e em Verona. Insistiu sempre sobre o poder militar da Itália, afirmando
que ela é forte no ar, em terra e no mar; declarou-se sempre ao lado da
Alemanha, exaltou os esforços do Sr. Chamberlain para
salvar a paz, atacou a Checoslováquia e principalmente o Sr. Benes que presidiu à
reunião da Sociedade das Nações, durante a qual foram aplicadas as sanções contra a
Itália na guerra ítalo-etíope e defendeu
sistematicamente os direitos das outras minorias húngara e polonesa a
reivindicarem a sua autonomia nos moldes dos sudetos.
* * *
Preocupado com a situação européia, o Sr. Roosevelt enviou um apelo no
domingo, 25 de setembro, aos Srs. Hitler, Benês, Mussolini, Chamberlain e Daladier. Declarando falar em nome de 130 milhões de
norte-americanos, o Presidente dos Estados Unidos apontava os males
inúmeros de uma conflagração, lembrava o pacto Briand-Kellog e insistiu em que
se continuassem as conversações para uma solução pacífica. As respostas dos vários
chefes europeus às propostas do Sr. Roosevelt, que
mereceram também o apoio dos Presidentes dos países sul-americanos, foram
uniformes em acentuar os “desejos de paz que os animam”.
Apenas o Sr. Adolf Hitler
se referiu à injustiça dos tratados e aos seus ideais de reunir sob uma só
bandeira todo o povo alemão, motivo por que teria que defender os alemães em
qualquer terreno. Rejeitava assim toda a responsabilidade na hipótese de uma
guerra. Voltou então o Sr. Roosevelt em uma nova mensagem,
esta dirigida apenas ao “Füehrer”, e na qual depois
de declarar que o recurso à força nada resolve, acrescentava: “não se trata de
saber se no passado foram cometidos erros e injustiças. O que agora está em
jogo é a sorte do mundo, do mundo de hoje como do mundo de amanhã. A lição da
Grande Guerra deveria ter servido para ensinar o mundo”.
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A 26 de setembro à noite, o Sr. Hitler pronunciou
no Palácio dos Esportes o seu mais
sensacional discurso sobre a questão tcheca. Embora
tivesse recebido na manhã desse dia a visita do Sr. Horace
Wilson, transmitindo-lhe a decisão da França, da Inglaterra e da Rússia de
auxiliarem a Checoslováquia, o Sr. Hitler, depois de historiar o problema,
marcou a data de 1º de outubro para que o Sr. Benês
lhe entregasse a região sudeta, sem o que iria tomá-la pela força.
No mesmo dia, o Sr. Chamberlain
pronunciava um discurso que foi irradiado, declarando textualmente: “Acho
inteiramente desarrazoada a atitude do Sr. Hitler”.
Precipitando-se os acontecimentos, foi convocado o
Parlamento inglês e a 28 de setembro o Sr. Chamberlain
fazia a exposição de todos os fatos ocorridos. Acrescentou que todos os membros
da S.D.N. tinham sua culpa por não se terem interessado pela revisão pacífica
do Tratado de Versalhes; mostrou que a Inglaterra preferira a solução pacífica,
enviando à Checoslováquia a missão Ruciman; referiu as várias medidas militares tomadas pela
Alemanha, em julho e agosto, lembrou o discurso do Sr. John
Simon a 22 de agosto, em Lanark, para finalmente narrar sua viagem a Berchtesgaden. Nesta, o Sr. Hitler lhe afirmou que “estava preparado
para o risco de uma guerra mundial”. Tendo observado que a invasão da
Checoslováquia estava iminente, de
acordo com o governo francês, sugeriu ao de Praga que se submetesse, o que foi
conseguido. Voltando à Alemanha, encontrou-se em Godesberg
com o “Füehrer”, que recusou as conceções
tchecas, lhe declarou que era preciso satisfazer as outras
minorias, recusava concordar com a garantia das novas fronteiras e lhe dera um
“memorandum” com um mapa anexo contendo as
reivindicações alemãs. Ainda uma última tentativa resolvera fazer: comunicara
ao Sr. Hitler que estava disposto a ir a Berlim com o Sr. Daladier,
convidando-se também a Itália, para resolver-se a questão. Este convite fora
aceito e a conferência quádrupla ia reunir-se.
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A 29 de setembro o Santo Padre Pio XI fez ao rádio uma
emocionante alocução pela paz, cujo texto publicamos em outro lugar.
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Como anunciara em seu discurso o Sr. Chamberlain, reuniram-se a 29 de setembro em Munich os chefes de governo da Alemanha, da Itália, da
França e da Inglaterra. Atendendo a um pedido de lord
Perth, representante inglês em Londres, o Sr. Mussolini entendeu-se com o “Füehrer” combinando-se a entrevista. Nela se concluiu um
acordo que representa a satisfação de todos os desejos do “Reich” e a perda
pela Checoslováquia de todo o território sudeto e das
construções nele existentes. Até o próximo dia 10, todo o território onde os
alemães predominam deverá ter sido evacuado pelos tchecos,
“sem que nenhuma das instalações nele existentes seja destruída”. Os
territórios onde sudetos e tchecos
são em número sensivelmente igual, serão ocupados por tropas neutras,
francesas, inglesas e italianas e submetidos a plebiscito até 10 de novembro. O
problema das outras minorias deverá ser solucionado no prazo de três meses, sem
o que será objeto de nova reunião dos chefes de governos que agora se encontram
em Munich.
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Termina dessa maneira, pelo menos aparentemente, o
drama tcheco-alemão. De Godesberg
a Munich, a vitória do “Füehrer”
é absoluta e a Checoslováquia, se não desaparece inteiramente do mapa europeu,
passa entretanto a ser a menos importante de todas as suas nações. Uma
pergunta, entretanto, deve ainda ser feita. Qual será a repercussão do acordo
de Munich e conseqüente vitória das potências
totalitárias na política interna da França e da Inglaterra?