Plinio Corrêa de Oliveira

 

Ainda os Dirigentes

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 14 de agosto de 1938, N. 309, pag. 2

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Podemos retomar, hoje, o fio já tantas vezes interrompido de nossas reflexões sobre lacunas do apostolado leigo em São Paulo.

Conquanto possamos parecer maçantes, não nos furtaremos ao dever de insistir sobre a questão da formação dos dirigentes. Em rigor, o assunto é tão complexo que nem sequer poderia ser tratado em artigos de jornal, a não ser que esses artigos servissem simplesmente de indicações sumárias para estudos ulteriores. Infelizmente, porém, tenho certeza de que os “estudos ulteriores” ficarão, na maior parte dos leitores, congelados no estado de mera veleidade. Tanto quanto possível, portanto, procurarei abordar no próprio “Legionário” os pontos principais.

Entremos diretamente no assunto.

Em meu artigo anterior, disse que o principal dever de um dirigente consiste em conhecer os fins de sua associação. É uma verdade evidente. São Tomás de Aquino disse que as coisas são perfeitas na medida em que realizam seu fim. Assim, por exemplo, um relógio será tanto mais perfeito quanto maior for sua pontualidade no marcar as horas, uma arma de guerra será tanto mais perfeita quanto mais mortífera, e um remédio tanto mais perfeito quanto mais salutar.

Como conseqüência, uma associação religiosa será tanto mais perfeita quanto melhor preencher seus fins. E os dirigentes da associação deverão ter, desses fins, uma idéia clara, positiva, meticulosa.

*  *  *

O  primeiro fim de toda e qualquer associação religiosa é a santificação de seus membros. O segundo, deve ser a santificação do próximo.

Uma sociedade que não realiza seus fins é uma sociedade cujo funcionamento é anormal e imperfeito.

Um dirigente que não conheça os fins da sociedade não é capaz de reconduzí-la à normalidade. Ele é, pois, um dirigente incapaz de dirigir, um piloto que não conhece o mar, um capitão que não sabe guerrear.

E quando, em virtude disto, a associação se esfarelar e se esboroar nas suas mãos, ele ainda clamará contra a corrupção do século, como se fosse esta a única causa de seu fracasso!

Certamente o século é corrupto. Mas a Igreja é santificadora e não há quem lhe possa resistir!

 

Aparentemente, há associações que fogem a esta regra, como certos sodalícios destinados diretamente à beneficência, à distribuição de víveres a indigentes, à confecção de roupas para pobres, etc. Há, também, associações que se destinam a uma finalidade tão especial que parecem também estar fora da regra geral que enunciamos. Há, por exemplo, associações destinadas a angariar fundos para certas despesas do culto, como azeite, velas, etc. Outras se destinam a prover as Igrejas de paramentos adequados. Outras, finalmente, cuidam especialmente do provimento de flores.

É um erro supor que mesmo essas associações não tem como finalidade a santificação de seus membros. Em breve, veremos a razão disto.

Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Santa Igreja Católica para que esta pregasse a Verdade e distribuísse os Sacramentos pelo mundo inteiro para a santificação dos fiéis e a conversão dos infiéis. Certamente, como adverte Leão XIII, a Igreja, na exuberância de sua ação benfazeja, pode, freqüentemente, proporcionar à humanidade até mesmo as vantagens temporais as mais apreciáveis. Não é esta, no entanto, a razão de ser da Igreja. Ela foi instituída para dar glória a Deus por meio da santificação de seus membros e da conversão dos infiéis, chamados por sua vez, dentro de seu grêmio bendito, a galgar os degraus luminosos da santidade.

O que se entende aí por “santificação”? Sem entrar no domínio das altas cogitações teológicas, digamos simplesmente que a pessoa atinge a santidade quando chega à plenitude do amor de Deus de que é capaz, e implicitamente do amor do próximo. Este amor se traduz na ordem dos fatos pelo cumprimento pleno dos preceitos e conselhos do Santo Evangelho.

Se, portanto, todos nós fomos chamados por Deus à Santa Igreja Católica, foi para nos santificarmos. Mas como nossa santificação implica no amor do próximo por amor de Deus, devemos fazer bem ao próximo. E como o maior bem que lhe possamos fazer é concorrer para a sua santificação, devemos antes de tudo cuidar de cooperar com nosso próximo, a fim de que ele se santifique.

Se o fim da Igreja e de nossa participação em sua vida sobrenatural é esse, é óbvio que as associações religiosas, que existem para facilitar a obra da Igreja, tem o mesmo fim.

Uma associação religiosa só pode, pois, ter por fim a santificação de seus membros, e a procura de novos membros para santificar.

*  *  *

E uma associação de mera beneficência? Uma associação, por exemplo, na paróquia X, que só cuide, por exemplo, da obtenção de remédios para crianças indigentes?

A resposta é simples. Tais associações estão perfeitamente dentro do espírito da Igreja, mas é preciso que elas sejam vividas e compreendidas como a Igreja quer.

O amor ao próximo nos leva a desejar principalmente sua santificação. Mas “principalmente” não significa “exclusivamente”. É muitíssimo louvável e justo que se procure também confortar o próximo em seus padecimentos ou dificuldades materiais, ainda mesmo que o resultado concreto de nossa ação seja exclusivamente o de aliviar suas dores. As associações beneficentes são, pois, muitíssimo conformes ao espírito da Igreja.

No entanto, como o católico deve amar o seu próximo por amor de Deus, cada ato de amor ao próximo, feito em tais associações, para ter seu pleno mérito, deve ser também um ato de amor de Deus. É precisamente aí que o ato de beneficência encontra a inteireza de seu valor sobrenatural.

Por outro lado, todas as ações do católico devem tender à sua santificação. Não se compreende, pois, que um católico desperdice uma ação tão santa como seja a beneficência, e que não coloque na sua raiz o amor de Deus, que o santifica a ele próprio, e santifica também seus semelhantes.

Um católico que, fazendo bem ao seu próximo, o faz como faria um ateu, isto é, o faz como se Deus não existisse, é uma perfeita aberração.

Por outro lado, cumpre acrescentar que, sempre que possível, as associações de mera beneficência material devem estender seus proveitos à beneficência espiritual. Em outros termos, distribuindo remédio e alimento para o corpo, não devem perder uma única oportunidade para distribuir remédio e alimento para a alma.

Abordaremos ainda, mais de perto, esta última questão. De passagem, digamos agora somente o seguinte: se a alma vale mais do que o corpo (e qual o católico que possa não estar profundamente convicto disto?), mais vale curar a moléstia da alma, que é o pecado, do que a moléstia do corpo, que é a doença. Portanto seria absurdo levar-se um benefício material a alguém, deixando passar a oportunidade de um socorro espiritual.

Entenda-se bem o que dizemos aqui. Não queremos afirmar que todas as associações de beneficência devem ter obrigatoriamente o caráter de associações de apostolado direto sobre a pessoa beneficiada. Muitas vezes, é a própria prudência que impõe o contrário.

Não há, porém, um único católico ou uma única associação que, podendo promover a salvação de uma alma, não deva fazê-lo.

*  *  *

Preenchido o espaço de que dispúnhamos, verificamos que nem sequer chegamos às aplicações práticas. Os princípios, entretanto, aí ficam. Vejamos mais tarde, de que modo são aplicados.

 


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