Publicaram nossos jornais do dia 2 pp. que “foi
assinado o decreto-lei instituindo no Ministério da Educação, como um de seus
órgãos de cooperação, o Conselho Nacional de Cultura, que será o órgão de
coordenação de todas as atividades concernentes ao desenvolvimento cultural,
abrangendo, entre outras, as seguintes finalidades:
a) produção filosófica, científica e literária;
b) o cultivo das artes;
c) a difusão cultural entre as massas através dos
diferentes processos de penetração espiritual, isto é o livro, o rádio, o
cinema, o teatro, etc.;
d) a propaganda e a campanha em favor das causas
patrióticas e humanitárias;
e) a educação física através de toda sorte de
demonstrações coletivas;
f) o esporte coletivo.”
Esperemos porém, que o Estado Novo
se oriente de modo conveniente. Para tanto, não lhe faltam as luzes de muitos
dos auxiliares de que, com alto critério, se cercou.
Como se vê, a enumeração é formidável. Manda o
respeito devido às autoridades constituídas que se suponha que este decreto
será cumprido, e que não está fadado a ficar como letra morta, ao lado de
numerosas outras resoluções legislativas de todos os períodos de nossa vida
política, que dormitam placidamente nos arquivos ministeriais, sem nunca ter entrado em vias de realização. O que, portanto,
devemos supor, é que temos diante de nós o Estado Brasileiro assumindo a
responsabilidade onerosa da formação e da educação do País.
Não vai o menor exagero nesta afirmação. O Estado
Novo, por meio do referido decreto, assumiu nitidamente papel de Estado-pedagogo. Realmente, regulamentando a produção
filosófica, literária e científica, o Estado Novo chama a si uma função que
poderá ser preponderante na elaboração do pensamento brasileiro. Por outro
lado, regulamentado o exercício de todos os meios de difusão do pensamento
elaborado sob seu controle, o Estado Novo, depois de ter intervindo nos meios
onde o pensamento se elabora, ainda chama a si a tarefa de difundir este
pensamento. É o Estado, pois, que dirigirá os que ensinam e os que aprendem, os
escritores e os leitores, os professores e os alunos, as elites e as massas. E,
para isto, ele mobiliza os meios mais assombrosos e eficientes que a
civilização põe ao seu alcance, a imprensa, o rádio, o cinema e o esporte.
* * *
Consideradas as coisas com serenidade, ninguém pode
negar que, sob o ponto de vista rigorosamente teórico, a atitude que o Estado
Novo assume em virtude
de sua orientação atual é mais inteligente do que a do “État
gendarme” [Estado policial]. A Igreja sempre
protestou contra a aberração dos liberais, que consideravam que o Estado tem
como única função policiar a sociedade. Cifrar-se o Estado à função simplesmente
repressiva do policiamento é um disparate. Ou o Estado trata de preservar a
mentalidade pública dos erros que a podem conduzir à rebelião e ao crime, ou
ele será fatalmente esmagado pelas ondas crescentes das revoluções e das
imoralidades que ele não poderá simplesmente coibir por via de repressão policial.
Só um cego não pode ver isto. E um cego que não queira ver.
Com o referido decreto, o Estado Novo se aparelha,
pois, a cumprir seu dever, intervindo em uma esfera legislativa até hoje
deixada quase inculta, e na qual ele tem deveres dos mais graves, de que não
poderia descurar sem incorrer em alta traição.
Vê-se, pois que não temos a tendência de corroer
com restrições excessivas a esfera de ação de Estado. Muito pelo contrário,
censurá-lo-íamos asperamente se ele não exercesse seus direitos em sua
plenitude. O Estado deve interessar-se pela formação da mentalidade dos
cidadãos. Esta verdade foi sempre proclamada pela Igreja, e só um espírito
envenenado pela mais perniciosa peçonha de liberalismo poderia levantar contra
isto qualquer contestação.
* * *
No entanto, o que até aqui dissemos corresponde
apenas a uma parte da verdade. Agora, vejamos a outra parte.
O Estado-pedagogo deve
interessar-se pela formação da mentalidade de seus cidadãos, dizíamos. Mas que
mentalidade? Evidentemente, uma mentalidade iluminada pelo conhecimento da
Verdade e dirigida para a prática do Bem. É lógico. Desde que o Estado se
queira erigir em guia intelectual, ele deve, evidentemente, orientar os
cidadãos para a Verdade e o Bem. Porque um guia que orientasse para o Erro e o
Mal não seria um guia, mas um traidor.
Assim, pois, o Estado-pedagogo não pode ser um
Estado laico. Ele precisa ter um conceito oficial sobre o que seja a Verdade e
o Bem. Não lhe basta, ao Estado Novo, alfabetizar. Ele quer educar. O Estado
Novo deve estar a mil léguas de distância das campanhas simplesmente alfabetisadoras do
Sr. Mário Pinto Serva ou da Sra. Chiquinha Rodrigues. O que estes insignes “leaders”
liberais quereriam é que se ensinasse a ler, simplesmente a ler. Depois, cada
qual que fizesse dessa aptidão o uso que quisesse. Não é assim o Estado Novo.
Ele não tem o mito da pura instrução informativa. Ele quer educar, formar,
guiar. E, para educar, ele precisa ter uma posição oficialmente tomada a
respeito de Religião, de Filosofia, etc., etc. Um pedagogo sem um ideal de
Verdade e de Beleza a realizar no educando é o mesmo que um guia ou um
viandante que caminha sem rumo, ou um artista que pinta ou esculpe sem ter a
intenção de representar qualquer figura.
Tome-se o primeiro “item” do decreto que citamos.
Refere-se ele à “coordenação” das atividades filosóficas, científicas e
literárias. O que quer dizer isto? “Coordenação”, evidentemente, não significa
que cada qual poderá impingir ao próximo os sistemas filosóficos que preferir.
Isto é descoordenação. Descoordenação e nada mais, acrescentaria um “speaker” famoso... Se o Estado precisa “coordenar”, ele
precisa ter uma posição filosófica e religiosa própria. Não se trata aí de uma
coisa facultativa. Coordenar é assim. E o que não for assim será simplesmente
descoordenar.
* * *
No dia 5 de julho último, o
Governo promulgou um decreto que poderá
ter conseqüências infinitamente maiores do que as do 5 de julho revolucionário.
- Que devem pensar a este respeito os católicos, diretamente interessados no
assunto?
Chegamos, agora, finalmente, ao caso. Segundo a
doutrina católica expressa pela Santa Igreja de modo tão solene que os fiéis
não a podem recusar, cabe à Igreja, em coordenação com o Estado, mas com
direitos que tem primazia incomensurável sobre os deste, fazer a educação de um
povo.
Um católico não pode deixar de reconhecer que a
Santa Igreja é a depositária infalível da Verdade e a mestra indefectível do Bem.
Se a função do Estado é de construir uma civilização alicerçada sobre o
conhecimento da Verdade e a prática do Bem, seu dever fundamental consiste em
dar todas as facilidades à difusão da doutrina católica, em colocar nas mãos da
Santa Igreja de Deus todos os meios para desenvolver seu Apostolado, em
professar oficialmente a doutrina católica, e, finalmente, em não se prestar à
propagação de doutrinas contrárias à da Igreja, principalmente nos
estabelecimentos públicos do ensino.
Em outros termos, em um país de católicos, a função
educadora do Estado consiste, antes de tudo, em abrir campo para a função
educadora da Igreja e em criar barreiras às doutrinas que se oponham a esta
função. O que não for isto, ou o que for contra isto, é erro, e erro palmar.
Chegamos agora ao “ponto nevrálgico”.
O Estado brasileiro, oficialmente, é laico. Quer
isto dizer que ele não tem Religião oficial, nem doutrina filosófica oficial.
Como, pois, se fará esta “coordenação”, esta “educação” que ora o Estado
empreende? Que doutrinas presidirão a essa coordenação?
O problema aí está. Devemos confiar em que ele seja
resolvido com espírito prático, e em estreita harmonia de vistas com o
Episcopado Nacional. O Episcopado é o primeiro a desejar que não se cuide
atualmente de estabelecimento de uma Religião de Estado, e parece-nos que ele
tem para isto razões das mais ponderáveis e dignas de atenção. No entanto,
convém que a ação educacional do Estado Novo se faça sempre em conformidade com
a doutrina católica e só com ela. Porque, para os católicos, é sem dúvida
preferível, e muitíssimo preferível, que o Estado em lugar de ser um simples gendarme
[policial], exerça sua função educadora de modo a proporcionar ao povo o
conhecimento do Bem e da Verdade de que a Igreja é a única depositária.
Entretanto, se em lugar disto o Estado ensinasse ou erro ou o mal, melhor ainda
seria o “État gendarme”.
Porque é melhor não dizer nada, do que dizer ou fazer o mal. Calar é ouro,
diziam nossos maiores...
Esperemos, porém, que o Estado Novo se oriente de
modo conveniente. Para tanto, não lhe faltam as luzes de muitos dos auxiliares
de que, com alto critério, se cercou.