Repousando em Itanhaém nestas chuvosas férias
de Julho, é bem de se ver que não sinto o menor desejo de tratar de política.
De per si, nos dias que correm, o assunto é... como dizer? Mal cheiroso. Em
dias de férias e de repouso, ele passa a ser inabordável. E por isto ponho-o
positivamente de lado. Tratemos, pois, de outro tema. Qual? Não será fácil
decidir. Chove, o tempo está escuro, a praia hostil, e o ambiente
desinteressante. O melhor seria dormir. Mas o jornalismo impõe obrigações
inelutáveis. Terei, pois, de escrever. Então, para me vingar do mau tempo, que
dá um ambiente crepuscular prematuro à sala em que escrevo, vou tratar de uma
coisa exatamente oposta a este crepúsculo cinzento e desinteressante. Vou
escrever sobre “aurora”. E a aurora que resolvi tomar por tema é tão
esplêndida, que não haverá crepúsculo que consiga ensombreá-la
com suas trevas.
* * *
Dois mundos lutam no caos da
sociedade contemporânea. Um é o mundo crepuscular de uma sociedade que caminha
para o aniquilamento inexorável.
Vivemos em um período de penumbra. Dois mundos
inteiramente opostos lutam um contra o outro, no caos da sociedade
contemporânea. Um é o mundo crepuscular de uma sociedade que
se finda. O outro é a aurora ainda tímida de um mundo que começa. A junção da
aurora e do crepúsculo cria a penumbra em que vivemos. Mas o crepúsculo é uma
penumbra que caminha para a escuridão total, a morte, o aniquilamento
inexorável. E a aurora é a penumbra que caminha incoercivelmente
para o esplendor triunfal do meio-dia. Deixemos a penumbra crepuscular na qual
se afundam hoje as sociedades pagãs que vivem longe de Cristo. Tratemos apenas
da aurora da nova sociedade católica que está nascendo.
Há, na Liturgia Sagrada, uma invocação que deveria
ser a prece constante de todos os católicos: emitte Spiritum tuum et creabuntuur, et renovabis faciem terrae: enviai, Senhor, o vosso Espírito, e todas
as coisas serão criadas, e renovareis a face da terra.
Enquanto os nazistas e congêneres se atolam no
paganismo porque pecaram contra o Espírito; enquanto os comunistas se revolvem
no charco do materialismo porque blasfemaram contra o Criador; enquanto os
países liberais entram em putrefação porque traíram o Cristo e sua Igreja, o
Espírito Santo sopra nas mais diversas regiões do mundo, criando, pela graça,
para a Fé, milhares de almas, começa realmente a “renovar a face da terra”.
Outro, é a aurora da nova
sociedade católica que está nascendo esplendidamente.
Dois fatos recentes vêem comprová-lo, atestando ao
mesmo tempo a invencível vitalidade da Igreja Católica. Enquanto os bascos e sudetos apostataram da fé, calcando aos pés o seu título de
filhos de Deus, o Espírito Santo vai buscar no fundo das prisões da sociedade
burguesa ou em pleno coração da Rússia comunista as novas pedras com que será
construído o edifício da futura civilização católica.
Há dias atrás o telégrafo nos trouxe a notícia de
uma espiã francesa condenada à morte por atraiçoar sua pátria durante a guerra
dias antes do armistício. Esta mulher infame, sobrevindo a paz, teve a sua pena
comutada para vinte anos de cadeia. No fundo do cárcere, a graça feriu-a como
feriu Paulo no caminho de Damasco. Convertida, transformou-se ela em um modelo
de virtudes, e, cumprida a pena, saiu diretamente da cadeia para um convento,
onde foi tomar o véu de esposa do Senhor.
O outro fato é a conversão de um chefe de
propaganda dos Sem Deus na Rússia, que narrou sua volta à Igreja de Cristo em
um livro “L'ouragan rouge”.
Conta ele que entrou em contato com a Igreja Católica através dos Padres que
tinha que perseguir para servir ao governo ateu de seu país. Sua invencível
constância, o heroísmo de seu ardor apostólico, a alegria entusiástica de seu
martírio, comoveram profundamente o perseguidor daqueles sacerdotes que,
começando a estudar o Catolicismo, acabou por fugir da Rússia e pedir ingresso
na Santa Igreja de Deus. Entre outras coisas, narra ele que os sacerdotes
católicos promoviam numerosas Comunhões ocultas, até de meninos arrancados às
garras das organizações dos Sem-Deus, que enfrentavam
o martírio para receber o Cristo Eucarístico.
Esses dois fatos, narrados neste artigo terminado
às carreiras, devem servir de objeto para meditação para os que atacam a Igreja
ou os que a servem com tibieza. Com eles, sem eles ou contra eles, a aurora da
civilização católica se transformará em esplêndida realidade, porque Deus até
das pedras sabe fazer “filhos de Abraão”. E quanto aos mornos, “vomita-os da
sua boca”.