Até há algum tempo atrás, bascos e sudetos eram pacatas populações que viviam tranqüilamente o
curso de sua existência normal, na prática assídua e regular de todas os atos
do culto católico, na observância das mais autênticas virtudes domésticas e
cívicas, e no indefectível amor a suas velhas tradições. A bem dizer, estas
populações tinham todas as razões para se considerarem prediletas da graça,
pela preservação singular de sua fé e da austeridade dos seus costumes, no meio
de perigos sem conta. A Providência, portanto, estava no pleno direito de
esperar que, no momento dado, se recrutassem entre elas os mais estrênuos
defensores da causa da Santa Igreja. E se há algum tempo atrás - há dois anos, digamos
- alguém tivesse perguntado a bascos e sudetos o que
fariam caso a Igreja precisasse de seu sangue para derramá-lo na defesa de seus
princípios, sua resposta teria sido certamente a exclamação do
Apóstolo: “vamos, e morramos com Jesus”.
No entanto - como dói este “no entanto” - o momento
veio, e as esperanças foram brutal e miseravelmente desmentidas. Não apenas
bascos e sudetos “não foram e morreram com Jesus” mas muitos dentre eles,
especialmente bascos, “foram e morreram contra Jesus”. E eram exatamente os
bascos os que mais deviam à Divina Providência!
* * *
Não se lembram os leitores das medalhinhas e santinhos encontrados nos bolsos dos soldados
comunistas mortos ou feridos no Brasil em 35? Não é isto uma prova de que,
tanto quanto os bascos e sudetos, o povo brasileiro
não está suficientemente premunido contra as heresias políticas, que são o mal
característico de nossa época?
Como? E por que?
Vamos primeiramente aos bascos.
Ninguém ignora que a totalidade dos bascos é
católica, e que o Catolicismo foi sempre, entre eles, vigoroso e pujante. Como,
então, chegaram eles a preferir o comunismo?
Em duas palavras, o caso se explica.
Além de muito católicos, os bascos sempre foram
também muito separatistas. E o ardor separatista entre eles atingiu proporções
tais, que o ideal temporal da independência basca chegou a obcecar inteiramente
os espíritos, e absorver de tal maneira os entusiasmos que, insensivelmente,
igualou e excedeu em ardor o sentimento religioso.
O fato não alarmava muito. Em primeiro lugar,
porque foi lento e as transformações lentas dificilmente se notam. E, em
segundo lugar, porque se supunha que o ideal temporal da independência dos
povos de idioma euskadi nenhuma colisão poderia ter
com o ideal espiritual do Reinado de Cristo.
E aí estava todo o erro. Sob o ponto de vista da
doutrina estritamente teológica, a ortodoxia do povo basco era completa. Mas,
no terreno da formação cívica e política uma grave desordem se havia
introduzido, que teve a conseqüência que se sabe: cooperação com a heresia, e
apostasia final.
Realmente, verificado o movimento nacionalista, os
bascos ficaram em uma alternativa dolorosa: ou renunciar ao ideal da
independência basca, ao qual se opunham os nacionalistas, e colocar-se ao lado
dos rebeldes contra o comunismo; ou então sacrificar as convicções religiosas
ao ideal da independência, e colocar-se ao lado dos comunistas, contra os
rebeldes (que, aliás, não são rebeldes). O fim da triste história todo o mundo
sabe. Venceu o ideal político... triste ideal, que redundou no sacrifício do
Único Ideal. E um dos povos mais católicos do mundo combatia, ontem, lado a
lado com os soldados de Moscou.
* * *
Vamos, agora, ao caso dos sudetos.
Como se sabe, os sudetos
são alemães de raça que residem em território Tcheque-Slováco
[checoslovaco].
As últimas eleições municipais verificadas na Tcheque-Slováquia [Checoslováquia] atestam que a quase
totalidade dos cidadãos de língua alemã daquele país votaram a favor do partido
hitlerista, isto é, desejam a anexação dos
territórios que habitam ao Reich alemão. Em outros termos, desejam
incorporar-se ao regime nazista, que é a expressão mais perigosa no momento, e
talvez a mais odiosa, do espírito de apostasia de nossa época.
Ora, uma curiosa estatística publicada no “La Croix” de Paris atesta que dos cidadãos tcheque-slovacos
de língua alemã, mais de 2.203.000 são católicos, enquanto tão somente 173.000
não são católicos.
Isto, em outros termos, significa que 2.203.000 de
católicos votaram pelo paganismo nazista, exatamente quando se realizava o
congresso Eucarístico em Budapeste. Congresso este ao qual o Governo nazista,
num gesto de positiva hostilidade ao Santíssimo Sacramento, não permitiu que
fossem os católicos alemães. Mais ainda. Henlein, chefe do partido nazista, é um partidário declarado de
toda a filosofia nazista, e não tem feito mistério de suas convicções anticatólicas.
Por que, então, agiram assim os sudetos?
Por que aquela parte da vinha do Senhor “mudou a sua doçura em amargura, a
ponto de crucificá-Lo e de Lhe preferir Barrabás”, como diz a Sagrada Liturgia da Semana Santa?
Porque os sudetos, que
eram católicos, se deixaram também fascinar pelo ideal da grandeza do Reich
alemão. Aos poucos, esse ideal se foi tornando grande e avassalador. Por fim,
quando entrou em colisão com o ideal católico, isto é, quando foi necessário
votar contra a anexação à Pátria alemã para conservar os direitos à Pátria
celeste, eles meteram um ponta-pé - não há outra
expressão - na Pátria celeste, e se atiraram nos braços da pátria terrestre.
Ora, se é exato que o Patriotismo é uma virtude,
ele nunca pode ser maior do que o amor a Deus. No dia em que o igualar ou
exceder, é uma apostasia.
E foi esta a apostasia política na qual naufragaram
os sudetos.
* * *
Por que resolvemos publicar estas verdades
dolorosas? Para confirmar o que dissemos em nosso último artigo sobre as
heresias políticas. Tanto os bascos quanto os sudetos,
provavelmente, repeliriam com a última das energias qualquer propaganda atéia,
protestante ou anti-religiosa de qualquer natureza. A prova disto está em que
particularmente os sudetos resistiram às mais fortes
investidas do protestantismo, em séculos passados. É que eles estavam com o
espírito prevenido contra qualquer heresia que fosse estritamente teológica.
Veio, porém, uma heresia política. E, como o
abominável erro liberal que afirma nada ter a ver a Religião com a política
ainda mesmo que a política ataque a Religião, está ainda muito difundido, tanto
sudetos quanto bascos apostataram miseravelmente. E,
por isto, o comunismo e o nazismo, que são as duas maiores heresias de nosso
século, encontraram em populações católicas o melhor e o mais precioso apoio. É
horrível dizê-lo. Mas convém dizê-lo, para que nós, brasileiros, compreendamos
a necessidade de uma formação exata do senso católico em matéria política
(formação esta que não dispensa mas exige e supõe a formação perfeita do senso
católico em todos os outros domínios e a fortiori no do Catecismo), para
nosso povo brasileiro.