Com uma insistência alarmante, os telegramas
provenientes dos Estados Unidos nos transmitem índices da apreensão ali
reinante a respeito de uma possível agressão de navios de guerra europeus ao
litoral sulamericano e, muito particularmente, ao
litoral brasileiro. O mais das vezes, essa apreensão se traduz em ameaças e
bravatas das quais se inferiria que os Estados Unidos estão dispostos a
defender energicamente o Brasil e a América do Sul contra qualquer agressão
estrangeira. E esta disposição é tão enérgica... que determinará atitudes
concretas de defesa, ainda que o país “defendido” não deseje contar com esse
recurso.
Enquanto este assunto parece preocupar vivamente a
opinião pública dos Estados Unidos, nossa imprensa, em geral, silencia a respeito,
limitando-se a transmitir os telegramas em questão tão laconicamente quanto se
eles dissessem respeito à integridade territorial do Man-Chu-Kuo
ou do Grão Ducado do Luxemburgo.
No entanto, uma palavra de
esclarecimento seria imprescindível em assunto de tão alta relevância. Por mais
de uma vez, o “Legionário” já se tem manifestado a este respeito.
Fá-lo-emos hoje novamente, abordando a questão sob
um novo ponto de vista. Assim, na medida do que nos é possível, teremos
concorrido para elucidar um assunto que ninguém até aqui tem achado cômodo
ventilar abertamente.
* * *
Será possível um ataque de navios
de guerra europeus ao litoral brasileiro?
Antes de tudo, sejamos realistas.
A que se pode reduzir, praticamente, o perigo de
uma agressão estrangeira no litoral brasileiro? Esta questão não deve ser
respondida com patriotadas, mas com elementos positivos de apreciação. Nossa
História atesta largamente que o brasileiro é valente e idealista, e que são
temerárias as iniciativas de forças estrangeiras que tentem reduzi-lo à
servidão. Mas essa consideração de natureza histórica não é suficiente por mais
que ela satisfaça nosso brio nacional. Também o povo polonês era animado de um
patriotismo ardente, e tinha a seu serviço a dedicação de nobres corações e de
inteligências lúcidas. Tudo isto, porém, não o salvou do desmembramento.
Deixemos, pois, de lado os argumentos sentimentais e vamos examinar diretamente
a realidade.
Parece-nos incontestável que, no momento atual, não
se deve recear que uma potência estrangeira declare explícita e formalmente a
guerra ao Brasil, e envie para nosso litoral seus vasos de guerra, com o fim
oficialmente proclamado de estabelecer aqui uma colônia. A Alemanha, por exemplo,
para levar a cabo esse cometimento, teria de descobrir inteiramente seu próprio
litoral, mandando para cá o melhor de sua marinha de guerra. “O melhor de sua
marinha de guerra”, dissemos, e com razão, pois que as belo naves que
empreendessem a conquista do Brasil se exporiam em
caminho a um ataque inopinado de outras esquadras estrangeiras, como a inglesa
ou a americana. Ora, além de outros inconvenientes que essa atitude lhe traria,
a Alemanha se exporia a uma
declaração de guerra que a surpreendesse com suas próprias costas desprotegidas
e com sua esquadra separada do mar do Norte pelo canal da Mancha o qual é
intransponível em tempo de guerra, por unidades marítimas adversárias da França e da Inglaterra. Outro tanto se deveria dizer da hipótese muito menos
verossímil de um ataque italiano que deixasse o litoral da península exposto à
frota inglesa do Mediterrâneo, enquanto uma importante parcela da esquadra do
Sr. Mussolini se encontrasse
separada da pátria pelos estreitos de Suez e de Gibraltar.
Se acrescermos a estas dificuldades as outras,
decorrentes da oposição unânime e encarniçada de 40 milhões de brasileiros, das
dificuldades de meios de transporte, da hostilidade de nosso clima para as
pessoas que a ele não estão afeiçoadas, etc., chegaremos à conclusão de que a
hipótese que aventamos é, praticamente, irrealizável.
* * *
Infelizmente, porém, o perigo não está aí.
Olhemos um pouco para a Espanha. Ninguém ignora que
o povo espanhol é um dos mais tradicionais e gloriosos do Mundo. Ninguém
desconhece os numerosos e célebres lances do patriotismo espanhol que, desde a
conquista moura até a napoleônica, tem mantido bem
alto o renome do povo espanhol.
No entanto, em 1936, sendo a Espanha uma das chaves da
política européia e especialmente um dos mais importantes fatores do domínio do
Mediterrâneo, conveio à Rússia, à Itália, à
Alemanha e ao bloco democrático anglo-francês
disputar a hegemonia nesse país. Então, o que se fez? Todas a partes
interessadas começaram a agrupar políticos espanhóis que lhes eram devotados,
formando partidos ou correntes nas quais não era raramente o dinheiro
estrangeiro o principal meio de progresso e realização. Os russos agitaram o
sinistro espectro do comunismo. Os alemães e italianos criaram “contatos”
sapientes com alguns elementos das “direitas”. A França e a Inglaterra (...) manejavam políticos centristas. O conflito foi crescendo.
Arrebentou, finalmente, uma imensa revolução. E não houve remédio senão
importar soldados estrangeiros que vieram resolver em território espanhol uma
contenda que não tinha sido provocada exclusivamente por espanhóis, que
interessava exclusivamente aos espanhóis, mas que, em última análise, não
seriam os espanhóis os únicos a resolver.
A Espanha, Áustria e a Bélgica,
encontraram entre seus próprios filhos quem pactuasse com o inimigo. Qual o
país moderno que está livre do mesmo perigo?
Não queremos, com isto, afirmar que a magnífica e
já triunfante reação dos espanhóis contra o comunismo tenha sido fruto de
tropas estrangeiras. Muito pelo contrário, a revolução foi produto da
indignação da alma católica da Espanha contra a investida comunista. Incontestavelmente,
porém, a Alemanha e a Itália tentaram aproveitar em sentido favorável aos seus
interesses essa reação, procurando constituir na Espanha um governo que fosse
tutelado pelo eixo “Roma-Berlim”. Incontestavelmente,
também a França, a Inglaterra e a Rússia procuraram fazer outro tanto com o
governo da Espanha comunista. E tal é a miséria dos tempos em que vivemos que
na Espanha, terra clássica do patriotismo ardente e cavalheiresco, houve gente
que se prestasse a esses manejos, criando uma situação tão difícil e tão
embaraçosa que o próprio Gal. Franco foi forçado por um
imperativo do seu patriotismo, a aceitar o auxílio de tropas estrangeiras, sob
pena de entregar a Espanha ao domínio odioso de Moscou.
Aí está uma dura lição. A da Áustria é outra. Não
houve em Viena, sede de uma das mais esplêndidas civilizações européias, um “Seyss-Inquart” que não hesitou em entregar sua Pátria aos
invasores? E a Bélgica, a Bélgica do Cardeal Mercier e
do Rei Alberto, a Bélgica que resistiu tão heroicamente em 1914, não teve ela
um Senador que, há dias atrás, propôs a cessão gratuita de trechos de
território belga à Alemanha?
São esses os tempos tristes que vivemos. Sejamos
realistas: o Brasil não escapou à degenerescência geral. E assim como já houve
em Novembro de 35 brasileiros de alma bastante vil para se venderem à Rússia,
provável é que não faltassem outros que se vendessem a outras potências.
Concretamente, pois, o que significam os temores
norte-americanos? Que uma potência estrangeira consiga perturbar a tal ponto a
política brasileira que chegue a levantar uma grande sublevação contra o atual
governo, sublevação essa que teria como conseqüência o desembarque de tropas de
algum “eixo” para auxiliar os revolucionários. Ou que, por meios pacíficos, o
governo fosse conduzido a gravitar em torno de qualquer “eixo”, com prejuízo
dos interesses norte-americanos na América do Sul.
Dir-se-á, talvez, que é utópico pensar que uma
revolução eventualmente deflagrada no Brasil fosse auxiliada por estrangeiros.
Não consideramos provado que qualquer movimento armado que até aqui se tenha
tentado com exceção do de 1935 estivesse sendo subvencionado por estrangeiros.
Isso não implica, porém, em negarmos a possibilidade de fornecimento de armas,
de dinheiro, de remédios, etc., por uma potência estrangeira a eventuais
revolucionários brasileiros. Esses fornecimentos redundariam finalmente em um
fornecimento de homens. E, então, os brasileiros poderiam dizer, como Kosciusco, o seu triste e doloroso “finis
Poloniae”.
Compreende-se, pois, que o perigo que preocupa os
norte-americanos não é nem quimérico, nem remoto, nem irreal.
Mas até que ponto nos convém, para conjurar esse
perigo, a insistente aplicação da doutrina de Monroe?
É o que, em outro artigo, veremos.