Plinio Corrêa de Oliveira
Sensacionalismo
Legionário, 17 de abril de 1938, N. 292, pag.2 |
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O “Legionário” se associa de coração às homenagens comovidas que a imprensa paulista tributou às pequeninas vítimas do terrível desastre do Cinema Oberdan. Seria supérfluo encarecer o caráter trágico daquele doloroso acontecimento. A tenra idade das vítimas, o pânico que dominou seus últimos momentos de existência, o modo doloroso pelo qual pereceram, o caráter do inesperado acontecimento e o pesar das famílias, constituem motivos tão evidentes para comover qualquer coração humano que o “Legionário”, animado por um sentimento infinitamente mais intenso e mais ardente do que o simples humanitarismo, isto é pela caridade cristã, não pode deixar de manifestar seu profundo pesar pela tristíssima ocorrência. Neste momento, porém, nosso dever de jornalistas católicos não consiste em produzir lamentações estéreis sobre um fato já consumado, mas de lembrar a todos os nosso leitores que devem prestar aos infelizes mortos e às famílias enlutadas o tributo de seu amor cristão, orando pelas almas dos primeiros, pedindo para estas, ao Sagrado Coração de Jesus, que é a “fonte de todas as consolações”, resignação e força para que suportem cristãmente a grande provação que sobre elas se abateu. * * * Cumprido este dever, não paremos aí. Cumpramos ainda outro infelizmente mais espinhoso e delicado. Não podemos deixar passar sem algumas reflexões a nota de sensacionalismo com que muitos jornais desta Capital noticiaram o acontecimento. Seria fácil suspeitar que esse sensacionalismo obedeceu a móveis econômicos, visando uma tiragem maior e mais remuneradora. Preferimos, porém, não admitir tal hipótese por demais triste para nossos corações de jornalistas, e, sem entrar na indagação do fito com que se faz sensacionalismo, apontar apenas o mal que ele produz. Fazendo, não rompemos a solidariedade que devemos a nossos colegas da imprensa. Solidariedade não significa apoio incondicional, mas apoio no bem. Porque apoio no mal não se chama solidariedade, mas cumplicidade. E esta cumplicidade, de modo nenhum quereríamos tolerá-la. Definamos primeiramente, com clareza, o que entendemos por “sensacionalismo”. É um vício da imprensa contemporânea apresentar aos leitores todos os fatos sob um aspecto sensacional, a fim de atrair sua atenção e despertar seu interesse pelo jornal. De um modo geral, este processo pode aplicar-se a todos os assuntos. Há, pois, o sensacionalismo político, que visa entreter as massas em estado de constante agitação e superexcitação à vista dos acontecimentos políticos. Há o sensacionalismo econômico, que exagera a gravidade das crises econômicas, dos “cracks” de bolsas, etc. Há o sensacionalismo dos desastres, que acentua a nota trágica de todos os acidentes noticiados pela reportagem. E há, finalmente, o pior dos sensacionalismos, que é o dos crimes, o qual consiste em noticiar de tal maneira os crimes que empolgue a opinião pública pela divulgação dos episódios particularmente trágicos ou imorais. Em uma época em que a vida intensa das grandes cidades exerce sobre os nervos uma pressão intensa e nefasta, em uma época em que os acontecimentos dramáticos se multiplicam indefinidamente, quer no terreno político, quer no econômico, quer no doméstico em virtude da total desorganização desse mundo que se afastou de Deus, motivos não faltam para que a opinião pública seja mantida em um estado de permanente hipertensão. E esses motivos são tantos e tão graves que Alexis Carrel, no seu famoso livro “L'Homme, cet inconnu”, não hesita em apontar a loucura e as diversas formas de degenerescência nervosa como um dos grandes perigos que ameaçam o mundo contemporâneo. Se já é perigosa a simples hipertensão provocada pela vida moderna e pelas crises contemporâneas, o sensacionalismo da imprensa, do cinema e do rádio eleva esse mal ao auge, pela impiedosa exploração que faz das misérias alheias. Se, ao menos, o sensacionalismo fosse sempre verídico, isto é, se explorasse apenas, nos acontecimentos noticiados, os detalhes trágicos realmente existentes, ainda teria uma certa aparência - aparência, dizemos, e só aparência - de respeitabilidade. Infelizmente, porém, tal não se dá. Às vezes, a imprensa exagera detalhes secundários e até insignificantes de certos fatos, para causar sensação entre os leitores. Em outras ocasiões, chega mesmo, e isto não é raro, a inventar detalhes que absolutamente não são verídicos. O que, em outros termos, implica em dizer que, raramente, os jornalistas que exploram o sensacionalismo violam um dos seus mais graves e imprescritíveis deveres, que consiste em dizer sempre a verdade, e só a verdade. Não podemos alongar excessivamente as proporções deste artigo. Senão demonstraríamos ponto por ponto aquilo de que todo homem sensato já está persuadido, e que é unanimemente aceito por todos os sociólogos e criminologistas: o sensacionalismo é um dos importantes fatores da dissolução dos costumes e das moléstias nervosas de nossos contemporâneos. Particularmente as fotografias de vítimas de desastres e de crimes concorrem para tornar banal aos olhos do público de pouca cultura, o aspecto da dor e do crime. O que, ainda segundo a opinião de todos os criminalistas, constitui um passo importantíssimo para a criminalidade. Note-se bem, não é apenas o sensacionalismo em torno dos crimes, mas ainda o que se faz em torno dos desastres, que é altamente nocivo e constitui um estímulo indireto à prática dos crimes. A este respeito, não há, entre os cientistas, a menor voz discordante. * * * Por que projetar a luz indiscreta das reportagens sensacionais sobre dores trágicas que só na discrição e na intimidade podem encontrar um lenitivo? Por que transformar os sofrimentos alheios em pasto de curiosidades malsãs e em passatempo de espíritos ociosos? Não terá fim esse abuso? Não agirão as autoridades? Não protestará a opinião pública? Isto posto, basta lembrar o sensacionalismo com que nossa imprensa em geral costuma noticiar crimes e desastres, para ver até que ponto esse péssimo vício penetrou na imprensa paulista. Felizmente, há exceções. E uma destas é o “Estado de São Paulo” que, sem favor nenhum, é, em matéria de sensacionalismo, uma folha de uma correção que seria modelar, se os seus suplementos em fotogravura não contivessem páginas mais de uma vez excessivamente... “livres”, em matéria moral. O “Diário Popular” também é modelar sob este ponto de vista. E estes órgãos, para não mencionar outros, poderiam bastar para demonstrar que não é toda a nossa imprensa que se deixou conquistar por este terrível mal. Quem primou, no caso do Cinema Oberdan, na exploração do sensacionalismo, foi o “Diário da Noite”. Esse jornal que foi o único a se julgar obrigado a uma edição super-sensacionalista consagrada só ao desastre, publicou numerosas fotografias que não tinham a menor utilidade para o público e eram indiscretas quanto às famílias das vítimas, fotografias essas nas quais se viam os inditosos meninos, feridos ou mortos e estendidos no chão do necrotério, e pessoas das famílias enlutadas, entregando-se às expansões trágicas de sua dor. Quem aproveitou com isto? Para que avivar a dor das famílias com uma publicidade imoderada? Que lucro, por exemplo, teve em ser fotografado, aquele pai que a objetiva implacável do repórter colheu em pleno ato de beijar o cadáver de seu filhinho? Por que desrespeitar a dor alheia projetando a luz da publicidade sobre dores cruciantes que cada qual gosta de conservar no recesso da intimidade? Os títulos e subtítulos não foram menos berrantes do que as fotografias: “Fogo! Fogo! O grito fatídico que partido da galeria, provocou a verdadeira catástrofe. Dor. Balbúrdia. Angústia, cenas lancinantes em momentos de indescritível pavor. Um amontoado de cadáveres enchia a escada!” e assim por diante. O mais curioso é que a “Folha da Noite”, jornal sem dúvida muitíssimo mais sóbrio do que o “Diário da Noite”, publicou uma nota contra o sensacionalismo das fitas de cinema que provocam, como as do Oberdan, cenas de pavor. E, na mesma edição em que essa nota se publicou, havia a exploração jornalista sensacionalista do próprio desastre de domingo! * * * Não é sem um fim prático que escrevemos estas reflexões. É preciso que os católicos compreendam todo o mal que lhes faz o sensacionalismo, e que evitem cuidadosamente que os jornais sensacionalistas sejam vistos e lidos pelas pessoas de suas famílias... e por si próprios. É natural que cada qual queira ter uma informação exata dos acidentes verificados na cidade. Mas essa informação nunca dever ser transformada em exploração jornalística e, quanto aos crimes, sua publicação deveria ser pura e simplesmente suprimida pela censura. Os católicos devem, pois, manifestar seu desagrado às folhas que assim procedem, escrevendo-lhes seus assinantes e leitores enérgicos protestos, e coagindo por todos os modos possíveis a imprensa sensacionalista a mudar de rumos. |