Legionário, No 287, 13 de março de 1938 

Temps Présent

Mais de uma vez, e especialmente no caso da guerra da Espanha, teve o “Legionário” ocasião de dissentir da linha de conduta do famoso semanário francês “Sept”, cujo fechamento, ocorrido em circunstâncias bastante expressivas, deu margem aos mais largos comentários.

Agora, apareceu em Paris um semanário intitulado “Temps Présent”, que é constituído por elementos do mesmo grupo de “Sept”, excetuados  apenas alguns RR. PP. Dominicanos que se afastaram definitivamente, com o fechamento de “Sept”, das lides jornalísticas desse gênero.

Não estamos suficientemente informados a respeito das razões do fechamento de “Sept”, para poder elogiar ou condenar com segurança absoluta  a pertinácia  com a que seu corpo de colaboradores insiste em lutar, através da imprensa, por um programa cuja aplicação concreta foi, a nosso ver, desvirtuada mais de uma vez com clamorosos abusos. Em todo o caso, não podemos deixar de  fazer alguns comentários a respeito do programa com que apareceu o primeiro número desse hebdomadário. Considerado em si, esse programa resume de modo tão fiel o pensamento das Encíclicas e coincide de tal maneira com a orientação do “Legionário”, que julgamos indispensável levá-lo ao conhecimento de nossos leitores. Se “Temps Présent” vier a se manifestar católico não só na aparência mas na sincera, obediente, íntima e afetuosa união de pensamento e de ação com o Papa, seja este nosso artigo uma homenagem àquela folha. Se, pelo contrário, “Temps Présent” não é católico ou - o que seria pior - é apenas pseudo-católico, servimo-nos de suas palavras como uma homenagem que o erro presta à verdade.

 O programa, como dissemos, é excelente. A prática demonstrará qual a interpretação e a aplicação que receberá de  seus autores, fazendo reserva quanto a esta segunda parte, é de nosso dever elogiar a primeira.

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Começa “Temps Présent” por acentuar uma grande verdade: os princípios sociais e políticos da Igreja não foram traçados para permanecerem eternamente no mundo das idéias, sem realização concreta. É preciso, finalmente, descer da teoria à realidade e fazer com que a vida concreta das sociedades modernas seja realmente animada pela doutrina Católica. Que as nuvens densas da palavra de Deus, portadoras da fecundidade, chovam efetivamente sobre a terra sedenta, penetrando-a até nas suas camadas mais profundas, a fim de fazer com que sua fertilidade potencial se transforme em esplêndida colheita.

Já se foi, para os católicos, o tempo dos Congressos e das reuniões meramente doutrinárias. Ao estudo sólido e profundo da doutrina, é preciso aliar um conhecimento objetivo, claro, preciso, da realidade. E a este duplo estudo é preciso aliar uma ação viva, enérgica, eficaz e profunda. Sem isto, os católicos no século XX não terão cumprido o seu dever.

Esta ação supõe e exige a participação efetiva dos católicos não apenas na vida política, mas nos setores mais importantes da economia e das atividades intelectuais.

Todo  o católico é um “Christophorus”, isto é, um portador de Cristo em si, ele o leva onde quer que vá. E onde ele se recusa a ir, o Cristo Salvador e Redentor muitas vezes deixa de entrar.

A presença é, pois, um dever para o católico, e a ausência uma traição. E esta regra é tão absoluta, é tão grave que só comporta uma restrição ainda mais grave e mais absoluta: o interesse de sua própria salvação e santificação. Um católico, só tem o direito e, mais do que isto, o dever de estar ausente dos lugares onde corra risco sua santificação, a juízo exclusivo de seu diretor espiritual.

A este princípio verídico e eficaz, “Temps Présent” faz seguir outro. A união dos católicos deve existir em todos os pontos em que se tenha pronunciado a Igreja. No entanto, a aplicação prática dos princípios católicos suscita muitas vezes problemas de ordem concreta a respeito dos quais os católicos podem ter licitamente opiniões divergentes.

A Quaresma é um tempo de reflexão e de contrição. Reflitamos sobre a magnífica síntese de nossos deveres para com a Igreja e a Pátria, que publicou “Temps Présent”.

E depois façamos nossa emenda e nossa penitência. Se todos os católicos do Brasil executassem este programa, quanta glória extrínseca para Deus! Quanta grandeza para nossa Pátria!

Mas se tu, leitor, achas que todos os católicos deveriam cumprir este programa, por que não dás o teu primeiro passo neste caminho, arrastando os outros católicos pela oração, pelo exemplo, pela palavra?

Isto posto, é incontestável que, se os católicos se mantiverem em irredutível divergência nestes pontos, sua união para o trabalho pelos pontos fundamentais nunca será conseguida.

A união dos católicos é um escopo que todos devem almejar. Mas qual o meio para evitar divergências que a prática, inevitavelmente, suscitará?

A resposta, “Temps Présent” a dá magistralmente. Em primeiro lugar, a caridade que coloca o amor de Deus e de sua Igreja acima de todas e quaisquer opiniões políticas ou econômicas, e que inspira a benignidade no trato com todos mas especialmente com os irmãos na Fé. Em segundo lugar, o senso católico. Se todos os católicos tiverem  verdadeiramente o espírito da Igreja, incontestável é que eles estarão unidos, não apenas nos pontos fundamentais da Fé e da moral, mas ainda em uma multidão de outros pontos que a Igreja deixa entregues ao juízo dos fiéis. Se, entre os católicos, reinar a paz de Cristo no amor de Cristo, estará andado meio caminho para a realização do Reino de Cristo no mundo inteiro.

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Não para aí a fecunda exposição de princípios. É incontestável, diz “Temps Présent”, que há muitos assuntos em que os católicos deverão agir como tais, sem agir em nome da Igreja, pois que em nome desta só se pode pronunciar quem tem a necessária autoridade da Hierarquia Eclesiástica.

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É preciso, pois, que os católicos, chamando sobre si toda a responsabilidade em assuntos em que o Episcopado não queira intervir, guardem, no entanto, em relação a este, toda a docilidade necessária para ensarilhar as armas, depor as mochilas e abaixar a bandeira ao mínimo sinal do Episcopado, bem como que mude de rumos a qualquer momento, desde que o Episcopado assim pense.

Agir com a aquiescência da Igreja, e com o espírito da Igreja, sem agir em nome da Igreja ou comprometendo a Igreja, é linha de conduta que se tivesse sido adotada em ocasiões anteriores, teria salvo não só a França, mas o Brasil, de crise cujos dolorosos efeitos se farão sentir talvez durante séculos inteiros.

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Aí ficam os princípios. Quem conhece o trabalho do “Legionário” poderá ver até que ponto eles correspondem exatamente à nossa linha de conduta. E quem conhece de perto nossa vida política, econômica, intelectual e sobretudo religiosa, poderá dizer como essa linha de conduta é aconselhada e até imposta pelas circunstâncias em que vivemos.

Deixamos expressamente para o fim um último traço de analogia entre o programa de “Temps Présent” e o nosso. “Temps Présent” é irredutivelmente alheio a partidos políticos, procurando criticar o mal ou aplaudir o bem onde quer que o encontre. A este princípio, “Sept”, antecessor de “Temps Présent”, fez  revelações que o “Legionário” foi o primeiro a combater e a deplorar. Mas o princípio em si é profundamente verdadeiro. Sirva ele de motivo de reflexão para os que gostariam de pintar no “Legionário” cores partidárias de diversos matizes, quando suas únicas cores são o branco, o amarelo e o verde, que se encontram nas bandeiras da Santa Sé e do Brasil, porque são estes os únicos objetos de seu amor.