Felizmente, parece ter tido ampla confirmação
nossos prognósticos de que o Sr. Getúlio Vargas rejeitaria as sugestões dos politicoides inábeis que o aconselhavam a estear sobre um
grande partido com uma mística e um aparato de estilo hitleriano,
sua criação política de 10 de novembro. Como já dissemos, não será descabido
que o Presidente da República procure agremiar em uma organização partidária os
amigos do Estado forte. No entanto, o que seria absurdo, é que ele esperasse da
coesão e da disciplina desse Partido a consolidação de sua obra política.
O Brasil quer um governo inspirado
nos princípios católicos, honesto, realizador, e muito atilado em matéria de
política internacional.
Penso que os políticos do antigo regime não
poderiam criar, para o Sr. Getúlio Vargas, uma situação mais difícil do que a
que criaram pela docilidade com que receberam o golpe de 10 de novembro,
recolhendo-se calmamente à vida privada, e deixando toda a responsabilidade do
poder nas costas do Presidente da República.
Ninguém ignora que a atual situação brasileira está
carregada de pesados problemas políticos, econômicos e administrativos. O
próprio Hércules recuaria ante a obra que o Sr. Getúlio Vargas sente pesar
sobre seus ombros. No terreno diplomático, o Sr. Getúlio Vargas tem de decidir em
que campo colocará o Brasil, se no das democracias, se no dos Estados
totalitários, e esta opção constitui o mais grave problema internacional com
que o Brasil se tenha defrontado desde 7 de setembro de 1822. Politicamente
ainda, o Sr. Getúlio Vargas terá de fazer a educação de um povo de índole displicente e hábitos relaxados, criados por uma
pesada e secular tradição de liberalismo dissolvente, de sorte a enquadrar este
povo dentro dos moldes de 10 de novembro. Economicamente, nem falar é bom.
Ninguém ignora as cifras astronômicas a que se eleva o débito do Brasil, e a
experiência já demonstrou que a suspensão pura e simples do pagamento de nossas
obrigações externas não é coisa tão fácil de se
realizar, que possa ser levada a cabo por uma simples penada legislativa ou por
um discurso governamental. Administrativamente, o Sr. Getúlio Vargas tem a
maior responsabilidade que jamais tenha tido um brasileiro. Realmente, ninguém
teve jamais, no Brasil, um poder tão napoleonico, tão
irrestrito, tão absoluto quanto o atual chefe da Nação. Entre 1930 e 1932, o
Sr. Getúlio Vargas exerceu o poder discricionário. Hoje, ele o exerce
novamente. Mas hoje ele tem toda a estrutura de um Estado para reformar e
construir, enquanto em 1930 a situação era bem diversa. Todos os problemas
administrativos dos 21 Estados brasileiros, e de seus inumeráveis municípios,
pesam atualmente de modo pleno, total, absoluto, sobre o Sr. Getúlio Vargas, e
só sobre ele.
Parece que muitos políticos liberais compreenderam
isto, pelo que resolveram lançar ao Sr. Getúlio Vargas um desafio tácito.
Recolheram-se ao silêncio. O Sr. Getúlio Vargas quer o
governo? Pois que o exerça inteiro, com todas as responsabilidades daí
decorrentes. Não podendo arrancar de sobre os seus ombros a carga suave das
responsabilidades governamentais, procuram agora afogá-lo sob ele,
aumentando-lhe insuportavelmente o peso. E, por isto, deixam-lhe plena
autoridade, não criando para ele o menor entrave, não lhe dando qualquer razão
de descontentamento, para que jamais se possa dizer que o atual Presidente não
contou com todos os elementos necessários para resolver os problemas com que se
defronta. E que ele agora defronte os problemas e os resolva sozinho, já que
ele quis governar sem limitações de poder. É esse, o grande desafio.
* * *
O Sr. Getúlio Vargas parece ter compreendido o
desafio. E, principalmente, S. Ex.a parece ter percebido que o desafio colocou
a questão da estabilidade das novas instituições nos seus devidos termos.
Política ou administração? Em qual
destes se deve firmar o Estado Novo?
Se o Estado forte de 1937 souber realizar a grande
reforma política, administrativa e econômica de que o Brasil carece, estará
morta a democracia liberal, até mesmo no coração dos (...) seus defensores.
Porque ninguém, no Brasil, diante de um governo que venha a se mostrar honesto
e eficiente, terá coragem de manifestar saudades pelos parlapatões vazios e
dispendiosos e escandalosos que enchiam quase
literalmente o nosso parlamento e o legislativo estaduais e municipais.
Se, pelo contrário, a grande reforma não se
fizesse, do que valeria toda a encenação de estilo hitleriano?
De nada, de nada, de absolutamente nada.
À vista da sabedoria com que o Governo tem
mostrado, até aqui, compreender essa delicada situação, façamos votos que a
atual linha de conduta prevaleça.
O Brasil quer um governo inspirado nos princípios
católicos, honesto, realizador, e muito atilado em matéria de política
internacional.
Se o atual Governo souber corresponder a este
ideal, perdem o seu tempo os sebastianistas que procuram divisar no horizonte
as nuvens negras nas quais gostariam de fazer sumir o Sr. Getúlio Vargas.
Se, porém, essa expectativa não for preenchida, nem
o mais perfeito partido político que nossa História conheça será capaz de deter
o desabamento das instituições vigentes. Porque não é com madeira carunchada
que se sustenta uma casa, e não é com nuvens de fumaça de fantasia que se destroi uma fortaleza.