Legionário, No 284, 20 de fevereiro de 1938 

Bom Prognóstico

Felizmente, parece ter tido ampla confirmação nossos prognósticos de que o Sr. Getúlio Vargas rejeitaria as sugestões dos politicoides inábeis que o aconselhavam a estear sobre um grande partido com uma mística e um aparato de estilo hitleriano, sua criação política de 10 de novembro. Como já dissemos, não será descabido que o Presidente da República procure agremiar em uma organização partidária os amigos do Estado forte. No entanto, o que seria absurdo, é que ele esperasse da coesão e da disciplina desse Partido a consolidação de sua obra política.

O Brasil quer um governo inspirado nos princípios católicos, honesto, realizador, e muito atilado em matéria de política internacional.

Penso que os políticos do antigo regime não poderiam criar, para o Sr. Getúlio Vargas, uma situação mais difícil do que a que criaram pela docilidade com que receberam o golpe de 10 de novembro, recolhendo-se calmamente à vida privada, e deixando toda a responsabilidade do poder nas costas do Presidente da República.

Ninguém ignora que a atual situação brasileira está carregada de pesados problemas políticos, econômicos e administrativos. O próprio Hércules recuaria ante a obra que o Sr. Getúlio Vargas sente pesar sobre seus ombros. No terreno diplomático, o Sr. Getúlio Vargas tem de decidir em que campo colocará o Brasil, se no das democracias, se no dos Estados totalitários, e esta opção constitui o mais grave problema internacional com que o Brasil se tenha defrontado desde 7 de setembro de 1822. Politicamente ainda, o Sr. Getúlio Vargas terá de fazer a educação de um povo de índole displicente e hábitos relaxados, criados por uma pesada e secular tradição de liberalismo dissolvente, de sorte a enquadrar este povo dentro dos moldes de 10 de novembro. Economicamente, nem falar é bom. Ninguém ignora as cifras astronômicas a que se eleva o débito do Brasil, e a experiência já demonstrou que a suspensão pura e simples do pagamento de nossas obrigações externas não é coisa tão fácil de se realizar, que possa ser levada a cabo por uma simples penada legislativa ou por um discurso governamental. Administrativamente, o Sr. Getúlio Vargas tem a maior responsabilidade que jamais tenha tido um brasileiro. Realmente, ninguém teve jamais, no Brasil, um poder tão napoleonico, tão irrestrito, tão absoluto quanto o atual chefe da Nação. Entre 1930 e 1932, o Sr. Getúlio Vargas exerceu o poder discricionário. Hoje, ele o exerce novamente. Mas hoje ele tem toda a estrutura de um Estado para reformar e construir, enquanto em 1930 a situação era bem diversa. Todos os problemas administrativos dos 21 Estados brasileiros, e de seus inumeráveis municípios, pesam atualmente de modo pleno, total, absoluto, sobre o Sr. Getúlio Vargas, e só sobre ele.

Parece que muitos políticos liberais compreenderam isto, pelo que resolveram lançar ao Sr. Getúlio Vargas um desafio tácito. Recolheram-se ao silêncio. O Sr. Getúlio Vargas quer o governo? Pois que o exerça inteiro, com todas as responsabilidades daí decorrentes. Não podendo arrancar de sobre os seus ombros a carga suave das responsabilidades governamentais, procuram agora afogá-lo sob ele, aumentando-lhe insuportavelmente o peso. E, por isto, deixam-lhe plena autoridade, não criando para ele o menor entrave, não lhe dando qualquer razão de descontentamento, para que jamais se possa dizer que o atual Presidente não contou com todos os elementos necessários para resolver os problemas com que se defronta. E que ele agora defronte os problemas e os resolva sozinho, já que ele quis governar sem limitações de poder. É esse, o grande desafio.

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O Sr. Getúlio Vargas parece ter compreendido o desafio. E, principalmente, S. Ex.a parece ter percebido que o desafio colocou a questão da estabilidade das novas instituições nos seus devidos termos.

Política ou administração? Em qual destes se deve firmar o Estado Novo?

Se o Estado forte de 1937 souber realizar a grande reforma política, administrativa e econômica de que o Brasil carece, estará morta a democracia liberal, até mesmo no coração dos (...) seus defensores. Porque ninguém, no Brasil, diante de um governo que venha a se mostrar honesto e eficiente, terá coragem de manifestar saudades pelos parlapatões vazios e dispendiosos e escandalosos que enchiam quase literalmente o nosso parlamento e o legislativo estaduais e municipais.

Se, pelo contrário, a grande reforma não se fizesse, do que valeria toda a encenação de estilo hitleriano? De nada, de nada, de absolutamente nada.

À vista da sabedoria com que o Governo tem mostrado, até aqui, compreender essa delicada situação, façamos votos que a atual linha de conduta prevaleça.

O Brasil quer um governo inspirado nos princípios católicos, honesto, realizador, e muito atilado em matéria de política internacional.

Se o atual Governo souber corresponder a este ideal, perdem o seu tempo os sebastianistas que procuram divisar no horizonte as nuvens negras nas quais gostariam de fazer sumir o Sr. Getúlio Vargas.

Se, porém, essa expectativa não for preenchida, nem o mais perfeito partido político que nossa História conheça será capaz de deter o desabamento das instituições vigentes. Porque não é com madeira carunchada que se sustenta uma casa, e não é com nuvens de fumaça de fantasia que se destroi uma fortaleza.