Lamentamos profundamente que a quase totalidade dos
jornais brasileiros, por motivos que sem dificuldade podemos discernir,
negligencia seu grande dever de pôr a opinião pública ao corrente da verdadeira
situação internacional em que, no momento, se encontra o Brasil. Para a maior
parte dos brasileiros, nossa posição no cenário da política mundial não é em
1938 muito diferente do que era em 1928 ou mesmo em 1918. Potência de fraco
poder militar, afastada pela sua situação geográfica da arena onde se devem
decidir as conflagrações mundiais, o Brasil constitui hoje, como há dez ou há
vinte anos atrás, uma potência de segunda classe, cujo apoio se solicita sem
instância e cuja dedicação se retribui sem generosidade. Se, por um lado, a
insignificância dessa posição pouco gloriosa tem seus inconvenientes morais,
sob outros pontos de vista, apresenta largas compensações. Ninguém se ocupa com
o Brasil distante e semi-inculto. Vivendo pacatamente
sua vidinha de todos os dias, pode ele tocar o barco
de sua existência em mansas águas, enquanto as grandes potências se entredevoram. Sua própria insignificância constitui para
ele a mais firme das trincheiras.
Nosso desejo é de que o Brasil
conserve sua independência, sacudindo com invariável altivez qualquer jugo que
se lhe queira sobrepor, seja ele “made in Germany”, “made
in England” ou “made in U.S.A.”
Essa série de reflexões, que em 1918 ou 1928 eram
perfeitamente verdadeiras, e que provavam à saciedade o erro palmar que
cometemos envolvendo-nos na guerra mundial, perderam, hoje em dia, toda a
atualidade. E nada há de mais funesto do que manter o povo na ignorância da
grande transformação que se operou.
Não é simples resumir em um simples artigo de
jornal uma situação tão complexa quanto esta em que atualmente nos encontramos.
Vamos, em todo caso, experimentar faze-lo.
* * *
A experiência dos últimos anos da guerra de 1914
trouxe uma revolução fundamental na deplorável arte de fazer a guerra. Até
então, o fator preponderante era o número de homens e a eficiência do
armamento. No decurso da guerra, verificou-se porém que a moderna técnica de
guerra iria colocar, ao lado destes dois grandes fatores, outro de uma
importância também decisiva: o abastecimento. O exército mais numeroso que até
hoje tenha existido, munido do mais copioso material bélico que se possa
imaginar, de nada valerá se não contar com alimentos suficientes para seus
homens, agasalhos para protegê-los, matéria-prima para fabricar novas armas que
substituam as primeiras gastas na refrega, para acionar seus motores e para
fabricar a pólvora e os gases asfixiantes necessários para o êxito das
operações militares. Esta afirmação evidente teve uma estrondosa confirmação no
terreno da prática. Pode-se afiançar seguramente que se os Impérios Centrais
tivessem tido largo abastecimento, nunca teriam sido derrotados em 1918. A
causa da derrota alemã foi não o avanço do adversário, mas o bloqueio que
fechou seu litoral. Foi esse o verdadeiro calcanhar de Aquiles em virtude do
qual pereceu o poderoso Império de Guilherme II. Julgava-se antigamente que o poderio militar de uma
Nação se baseava sobre estes dois esteios: homens e munições. Hoje em dia,
porém, verificou-se que estes dois pontos de apoio já não bastam e que as
exigências cada vez mais complexas de um exército em operação supõem, como base
de qualquer poderio militar, a seguinte tripeça: abastecimento, munições e
homens.
A ordem em que citamos os três fatores é intencional.
O primeiro fator de êxito é a abundância do abastecimento. Com muitos víveres,
com muito aço, muita pólvora, muitos gases asfixiantes e muito petróleo, será
fácil transformar todo este material em meio de combate ou em energia de
guerra. O primeiro fator é a abundância do abastecimento, porque sem ele não
pode haver abundância de material bélico. Este último vem, pois, em segundo
lugar, e o fator número de homens vem só em terceiro lugar, porque na guerra
moderna muito mais vale um homem dispondo de muita munição, bem alimentado e
bem agasalhado, do que muitos homens mal armados e mal nutridos.
* * *
Postas estas preliminares, é muito fácil
compreender-se a razão de toda a luta colonial de que o mundo contemporâneo é
teatro.
Em última análise, a corrida armamentista
que leva todas as nações a multiplicar o mais rapidamente possível os seus
armamentos nada mais é do que um dos episódios da preparação da futura guerra.
Não basta acumular armamentos e treinar homens. É preciso, principalmente,
preparar munições e mantimentos. E, para fazê-lo, é preciso obter a posse dos
mercados produtores da matéria-prima necessária.
Por esta razão é que toda a Europa, os Estados Unidos e o Japão lutam desesperadamente pela hegemonia na Ásia e na África. A luta se desenrola, em primeiro lugar, em torno de
certas colônias a conquistar, como a Abissínia e a China. E, em segundo lugar, desenrola-se no seio do Império
Britânico pelo “atiçamento”
habilmente feito pela Alemanha e quiçá pela Itália, de todos os partidos autonomistas que, no Egito como na Índia ou em qualquer
outro ponto, se esforcem por lutar contra a Inglaterra.
Um dos mais profundos golpes sofridos pela
Inglaterra foi a conquista da Etiópia, na qual se encontram as nascentes do
Nilo. Se a Itália desviar estas nascentes, inutilizará o Egito e, inutilizado
este, estará morta a hegemonia inglesa no Mediterrâneo.
* * *
E o Brasil nisto tudo?
O Brasil, como toda a América Latina, aparece aos olhos de todas estas potências ávidas de
matéria-prima como um celeiro de recursos inesgotáveis, que uma eficiente
mobilização industrial poderia aproveitar de um momento para outro. Enquanto só
homens e canhões decidiam a guerra, o Brasil era uma pequena potência. Hoje em
dia, porém, também os mantimentos são cartas decisivas no jogo do baralho. E estas
cartas, o Brasil as tem nas suas jazidas de mineral e - talvez - de petróleo,
no seu algodão facilmente transformável em pólvora,
nos víveres que pode produzir e em mil coisas de idêntico valor. Hoje, pois, o
Brasil é uma grande potência.
Por isto, tanto os Estados Unidos, quanto a
Inglaterra, a França, o Japão e o eixo Roma-Berlim,
tem aqui seus politicóides... de aluguel.
Fala-se muito no perigo japonês ou no perigo alemão
decorrente da concentração de grossos núcleos coloniais daquelas nações em nosso
território. O fato é que esse perigo seria irrisório e até ridículo se todos os
nossos políticos fossem impermeáveis à influência estrangeira. Mas,
infelizmente, tal não se dá. Por via bancária, e por mil outras vias, todas as
potências tem em nossa política os seus “amigos” e, sem que seja possível
denunciar documentadamente suas atividades, é fácil
para alguém, que esteja familiarizado com os manejos da política, perceber suas
manobras.
Enquanto por meio de seus “agentes” as potências
disputam a hegemonia no Brasil, este vai tomando suas precauções para um caso
de guerra. Assim, foi nomeada pelo Sr. Ministro da Guerra uma comissão para
estudar o aproveitamento de nossa indústria em caso de guerra, e vai ser
construída uma estrada de ferro ligando São Paulo a Belo Horizonte, com fins
militares para caso de guerra estrangeira, como declarou em entrevista ao
“Diário de São Paulo” um ilustre engenheiro de nossa terra. E, ao mesmo tempo,
fala-se em aumentar grandemente nosso efetivo de guerra.
E, à vista de tudo isto, o que devemos querer? O
que devemos fazer?
Nosso desejo é de que o Brasil conserve sua
independência, sacudindo com invariável altivez qualquer jugo que se lhe queira
sobrepor, seja ele “made in
Germany”, “made in England” ou “made in U.S.A.”.
É prematuro dizer-se se, na hipótese de uma conflagração mundial, o Brasil se
deverá abster ou não. Economicamente, e por mil outras razões, a abstenção é
desejável. Mas se os interesses da Igreja e da civilização estiverem empenhadas
na luta, o Brasil não poderá faltar à sua vocação histórica de grande nação
católica.
O que é certo, porém, é que o
Brasil precisa agir no interesse dos brasileiros - tomamos aí a palavra
“interesse” no seu alto e amplo sentido espiritual e não apenas no material -
dirigido por influências exclusivamente brasileiras, dentro de um espírito de
empolgante brasilidade.
O que é certo, porém, é que o Brasil precisa agir
no interesse dos brasileiros - tomamos aí a palavra “interesse” no seu alto e
amplo sentido espiritual e não apenas no material - dirigido por influências
exclusivamente brasileiras, dentro de um espírito de empolgante brasilidade.
Não nos será fácil esquivar-nos às envolventes
gentilezas que de tantos lados nos tem vindo ultimamente. Mas todos os
sacrifícios serão justos, se se tratar de manter
nossa independência.
E, em matéria política, o que poderá ser difícil
para um homem como Getúlio Vargas?
Dotes estratégicos não lhe faltam para defender o
Brasil. Ele poderá, pois, fazê-lo se o quiser.