Legionário, No 283, 13 de fevereiro de 1938 

Com Mouros à vista

Lamentamos profundamente que a quase totalidade dos jornais brasileiros, por motivos que sem dificuldade podemos discernir, negligencia seu grande dever de pôr a opinião pública ao corrente da verdadeira situação internacional em que, no momento, se encontra o Brasil. Para a maior parte dos brasileiros, nossa posição no cenário da política mundial não é em 1938 muito diferente do que era em 1928 ou mesmo em 1918. Potência de fraco poder militar, afastada pela sua situação geográfica da arena onde se devem decidir as conflagrações mundiais, o Brasil constitui hoje, como há dez ou há vinte anos atrás, uma potência de segunda classe, cujo apoio se solicita sem instância e cuja dedicação se retribui sem generosidade. Se, por um lado, a insignificância dessa posição pouco gloriosa tem seus inconvenientes morais, sob outros pontos de vista, apresenta largas compensações. Ninguém se ocupa com o Brasil distante e semi-inculto. Vivendo pacatamente sua vidinha de todos os dias, pode ele tocar o barco de sua existência em mansas águas, enquanto as grandes potências se entredevoram. Sua própria insignificância constitui para ele a mais firme das trincheiras.

Nosso desejo é de que o Brasil conserve sua independência, sacudindo com invariável altivez qualquer jugo que se lhe queira sobrepor, seja ele “made in Germany”, “made in England” ou “made in U.S.A.

Essa série de reflexões, que em 1918 ou 1928 eram perfeitamente verdadeiras, e que provavam à saciedade o erro palmar que cometemos envolvendo-nos na guerra mundial, perderam, hoje em dia, toda a atualidade. E nada há de mais funesto do que manter o povo na ignorância da grande transformação que se operou.

Não é simples resumir em um simples artigo de jornal uma situação tão complexa quanto esta em que atualmente nos encontramos. Vamos, em todo caso, experimentar faze-lo.

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A experiência dos últimos anos da guerra de 1914 trouxe uma revolução fundamental na deplorável arte de fazer a guerra. Até então, o fator preponderante era o número de homens e a eficiência do armamento. No decurso da guerra, verificou-se porém que a moderna técnica de guerra iria colocar, ao lado destes dois grandes fatores, outro de uma importância também decisiva: o abastecimento. O exército mais numeroso que até hoje tenha existido, munido do mais copioso material bélico que se possa imaginar, de nada valerá se não contar com alimentos suficientes para seus homens, agasalhos para protegê-los, matéria-prima para fabricar novas armas que substituam as primeiras gastas na refrega, para acionar seus motores e para fabricar a pólvora e os gases asfixiantes necessários para o êxito das operações militares. Esta afirmação evidente teve uma estrondosa confirmação no terreno da prática. Pode-se afiançar seguramente que se os Impérios Centrais tivessem tido largo abastecimento, nunca teriam sido derrotados em 1918. A causa da derrota alemã foi não o avanço do adversário, mas o bloqueio que fechou seu litoral. Foi esse o verdadeiro calcanhar de Aquiles em virtude do qual pereceu o poderoso Império de Guilherme II. Julgava-se antigamente que o poderio militar de uma Nação se baseava sobre estes dois esteios: homens e munições. Hoje em dia, porém, verificou-se que estes dois pontos de apoio já não bastam e que as exigências cada vez mais complexas de um exército em operação supõem, como base de qualquer poderio militar, a seguinte tripeça: abastecimento, munições e homens.

A ordem em que citamos os três fatores é intencional. O primeiro fator de êxito é a abundância do abastecimento. Com muitos víveres, com muito aço, muita pólvora, muitos gases asfixiantes e muito petróleo, será fácil transformar todo este material em meio de combate ou em energia de guerra. O primeiro fator é a abundância do abastecimento, porque sem ele não pode haver abundância de material bélico. Este último vem, pois, em segundo lugar, e o fator número de homens vem só em terceiro lugar, porque na guerra moderna muito mais vale um homem dispondo de muita munição, bem alimentado e bem agasalhado, do que muitos homens mal armados e mal nutridos.

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Postas estas preliminares, é muito fácil compreender-se a razão de toda a luta colonial de que o mundo contemporâneo é teatro.

Em última análise, a corrida armamentista que leva todas as nações a multiplicar o mais rapidamente possível os seus armamentos nada mais é do que um dos episódios da preparação da futura guerra. Não basta acumular armamentos e treinar homens. É preciso, principalmente, preparar munições e mantimentos. E, para fazê-lo, é preciso obter a posse dos mercados produtores da matéria-prima necessária.

Por esta razão é que toda a Europa, os Estados Unidos e o Japão lutam desesperadamente pela hegemonia na Ásia e na África. A luta se desenrola, em primeiro lugar, em torno de certas colônias a conquistar, como a Abissínia e a China. E, em segundo lugar, desenrola-se no seio do Império Britânico pelo “atiçamento” habilmente feito pela Alemanha e quiçá pela Itália, de todos os partidos autonomistas que, no Egito como na Índia ou em qualquer outro ponto, se esforcem por lutar contra a Inglaterra.

Um dos mais profundos golpes sofridos pela Inglaterra foi a conquista da Etiópia, na qual se encontram as nascentes do Nilo. Se a Itália desviar estas nascentes, inutilizará o Egito e, inutilizado este, estará morta a hegemonia inglesa no Mediterrâneo.

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E o Brasil nisto tudo?

O Brasil, como toda a América Latina, aparece aos olhos de todas estas potências ávidas de matéria-prima como um celeiro de recursos inesgotáveis, que uma eficiente mobilização industrial poderia aproveitar de um momento para outro. Enquanto só homens e canhões decidiam a guerra, o Brasil era uma pequena potência. Hoje em dia, porém, também os mantimentos são cartas decisivas no jogo do baralho. E estas cartas, o Brasil as tem nas suas jazidas de mineral e - talvez - de petróleo, no seu algodão facilmente transformável em pólvora, nos víveres que pode produzir e em mil coisas de idêntico valor. Hoje, pois, o Brasil é uma grande potência.

Por isto, tanto os Estados Unidos, quanto a Inglaterra, a França, o Japão e o eixo Roma-Berlim, tem aqui seus politicóides... de aluguel.

Fala-se muito no perigo japonês ou no perigo alemão decorrente da concentração de grossos núcleos coloniais daquelas nações em nosso território. O fato é que esse perigo seria irrisório e até ridículo se todos os nossos políticos fossem impermeáveis à influência estrangeira. Mas, infelizmente, tal não se dá. Por via bancária, e por mil outras vias, todas as potências tem em nossa política os seus “amigos” e, sem que seja possível denunciar documentadamente suas atividades, é fácil para alguém, que esteja familiarizado com os manejos da política, perceber suas manobras.

Enquanto por meio de seus “agentes” as potências disputam a hegemonia no Brasil, este vai tomando suas precauções para um caso de guerra. Assim, foi nomeada pelo Sr. Ministro da Guerra uma comissão para estudar o aproveitamento de nossa indústria em caso de guerra, e vai ser construída uma estrada de ferro ligando São Paulo a Belo Horizonte, com fins militares para caso de guerra estrangeira, como declarou em entrevista ao “Diário de São Paulo” um ilustre engenheiro de nossa terra. E, ao mesmo tempo, fala-se em aumentar grandemente nosso efetivo de guerra.

E, à vista de tudo isto, o que devemos querer? O que devemos fazer?

Nosso desejo é de que o Brasil conserve sua independência, sacudindo com invariável altivez qualquer jugo que se lhe queira sobrepor, seja ele “made in Germany”, “made in England” ou “made in U.S.A.”. É prematuro dizer-se se, na hipótese de uma conflagração mundial, o Brasil se deverá abster ou não. Economicamente, e por mil outras razões, a abstenção é desejável. Mas se os interesses da Igreja e da civilização estiverem empenhadas na luta, o Brasil não poderá faltar à sua vocação histórica de grande nação católica.

O que é certo, porém, é que o Brasil precisa agir no interesse dos brasileiros - tomamos aí a palavra “interesse” no seu alto e amplo sentido espiritual e não apenas no material - dirigido por influências exclusivamente brasileiras, dentro de um espírito de empolgante brasilidade.

 

O que é certo, porém, é que o Brasil precisa agir no interesse dos brasileiros - tomamos aí a palavra “interesse” no seu alto e amplo sentido espiritual e não apenas no material - dirigido por influências exclusivamente brasileiras, dentro de um espírito de empolgante brasilidade.

Não nos será fácil esquivar-nos às envolventes gentilezas que de tantos lados nos tem vindo ultimamente. Mas todos os sacrifícios serão justos, se se tratar de manter nossa independência.

E, em matéria política, o que poderá ser difícil para um homem como Getúlio Vargas?

Dotes estratégicos não lhe faltam para defender o Brasil. Ele poderá, pois, fazê-lo se o quiser.