A entrevista do Sr. Ministro da Justiça, publicada
pelo “Diário” de Belo Horizonte, não pode passar sem um comentário elucidativo,
por parte do jornalismo católico. Esse comentário, porém, deve ser sóbrio e
sintético, porque as declarações de S. Ex.a. também o são. Bastar-nos-á,
pois, coordená-las para deduzir delas os princípios gerais em que se inspiram,
e analisá-las para determinar a impressão que elas devem causar no público
católico.
Na resposta que fez à primeira pergunta da
reportagem, o Sr. Ministro da Justiça definiu a posição do Estado Novo perante
a Religião. Nacionalista por sua própria índole corporativa e forte, o Estado
Novo considera a Religião como um dos elementos que constituem a tradição
nacional. Como tal, o Estado Novo vê com simpatia a Ação Católica. Ao que parece, o Sr. Francisco Campos atribui a máxima
importância a essa obrigação do Estado, de respeitar as tradições nacionais e
se esforça por explicar por essa via a atitude do Sr. Adolph
Hitler restaurando o paganismo que o Sr. Francisco
Campos considera parte integrante da tradição alemã. Como o Brasil não é pagão
mas católico, no Brasil é o Catolicismo que o Estado forte deve olhar com
“simpatia e agrado”.
O Estado Novo se abstém, pois, de verificar se há
uma Religião verdadeira, e qual é essa Religião, conservando, sob este ponto de
vista, a atitude agnóstica dos Estados Unidos, da França e do Brasil
anteriormente a 10 de novembro. Neste terreno não houve, pois, inovação,
continuando intacto o liberalismo religioso que o Brasil assumiu em 91.
Doutrinariamente, é claro que tal posição não é correta. Na prática, porém,
julgamo-la preferível à da união da Igreja ao Estado, dadas as atuais condições
políticas do País e sua situação religiosa. Haveria, talvez, uma solução
intermediária, que seria mais perfeita. Este, porém, [é] um assunto por demais
delicado para que valha a pena abordá-lo em uma
ocasião em que não tem a mínima atualidade.
* * *
E o que dizer-se quanto às declarações do Sr.
Ministro da Justiça quanto aos efeitos civis do casamento religioso e serviço
militar dos eclesiásticos? A resposta é simples. As palavras de S. Ex.a ratificam
o que, sobre o assunto, disse o “Legionário” imediatamente depois do golpe de 10 de
novembro. O casamento religioso pode, atualmente, ter efeitos civis desde que
os nubentes e o Sacerdote se queiram sujeitar aos riscos e as complicações
decorrentes da observância da péssima lei em vigor. Esta lei, porém, é letra
morta, porque ela procura dificultar por todos os modos a execução da grande
conquista católica de 1934. Quanto ao serviço militar dos eclesiásticos também
continua em vigor a lei anterior de 10 de novembro.
Poderá, na nova ordem de coisas, ser alterada
qualquer dessas leis, em sentido favorável aos católicos? Há algum obstáculo
que o impeça? Absolutamente nenhum.
Bastaria que o Sr. Getúlio Vargas o queira.
Quanto à “simpatia e agrado” que S. Ex.a tributa à
Ação Católica, é da maior importância para nós. Como é evidente, essa “simpatia
e agrado” acarretam necessariamente a idéia de respeito e sobretudo de
confiança. Temos, pois, razões para esperar que o Estado forte do Brasil não se
vá impressionar como o da Itália, com quiméricos receios sobre a independência
da Ação Católica, nem que vá coarctar de qualquer forma sua legítima liberdade
de ação como o III Reich. No Brasil, como no mundo inteiro, mas muito
particularmente no Brasil, a Igreja é muitíssimo ciosa de sua liberdade. Não
lhe interessam os apoios oficiais ou as atenções governamentais, desde que
tenham por preço a menor limitação a sua liberdade de fazer o bem e de pregar a
doutrina dos Santos Evangelhos. Disse um Santo que Nosso Senhor Jesus Cristo não ama a coisa nenhuma nesse mundo tão
intensamente quanto a liberdade de sua Santa Igreja. Desde que a Igreja tenha,
no atual regime, a mais ampla liberdade, desde que a legislação não autorize coisas
condenadas por sua moral, desde que o Estado cumpra seu dever de punir
energicamente os perturbadores da paz social, estará tranqüila e satisfeita a
consciência religiosa do País.
Desde que a Igreja tenha, no atual regime, a mais ampla liberdade, desde
que a legislação não autorize coisas condenadas por sua moral, desde que o
Estado cumpra seu dever de punir energicamente os perturbadores da paz social,
estará tranqüila e satisfeita a consciência religiosa do País.
Há um ponto, porém, que não quereríamos deixar de
frisar antes de terminar estas considerações.
É preciso que se tenha bem em mente que, para ser
completa a liberdade da Santa Igreja, cumpre que ela projete sua influência
sobre um campo que, até aqui, na prática senão em teoria, tem sido pertinazmente
subtraído pela Republica liberal à sua ação. É o campo das escolas superiores.
Enquanto nas Universidades, na Escola Militar e na
Escola Naval, não houver ensino religioso ou assistência religiosa sistemática,
ampla, eficiente, nenhum brasileiro pode descansar. Dia e noite, deve levantar
suas preces ao Céu e deve desenvolver na terra seus esforços pacíficos mas
pertinazes, para que Cristo penetre nos estabelecimentos onde se forma a
mentalidade dos moços.
São as elites intelectuais que devem governar o
País. E esse governo só se tornará efetivo se apoiado pelo prestigio da espada
do oficial de terra ou do mar. Se a Igreja não tiver meios para influenciar a
mentalidade dos que futuramente vão fazer nossas leis e garantir à força a sua
execução, quem pode ser bastante imprevidente para supor que o Brasil de amanhã
será católico? Enquanto Renan ou Marx ainda tiverem
influência nas Universidades nas quais se proíbe o ingresso do Ministro de Jesus
Cristo para pregar a verdade, enquanto o espírito de Comte ainda influenciar a
mentalidade dos que se encontram na retrancas da metralhadora, o que se poderá
esperar do Brasil de amanhã?
Não bastam, pois, que se dispense o Seminarista do
serviço militar. É necessário autorizá-lo, depois de ordenado, prestar esse
serviço sob forma de assistência religiosa às forças armadas. Só assim
poderemos estar certos de que o Brasil de amanhã corresponderá à sua sublime
vocação de grande potência católica.