Legionário, No 282, 6 de fevereiro de 1938 

‘A margem de uma entrevista ministerial

A entrevista do Sr. Ministro da Justiça, publicada pelo “Diário” de Belo Horizonte, não pode passar sem um comentário elucidativo, por parte do jornalismo católico. Esse comentário, porém, deve ser sóbrio e sintético, porque as declarações de S. Ex.a. também o são. Bastar-nos-á, pois, coordená-las para deduzir delas os princípios gerais em que se inspiram, e analisá-las para determinar a impressão que elas devem causar no público católico.

Na resposta que fez à primeira pergunta da reportagem, o Sr. Ministro da Justiça definiu a posição do Estado Novo perante a Religião. Nacionalista por sua própria índole corporativa e forte, o Estado Novo considera a Religião como um dos elementos que constituem a tradição nacional. Como tal, o Estado Novo vê com simpatia a Ação Católica. Ao que parece, o Sr. Francisco Campos atribui a máxima importância a essa obrigação do Estado, de respeitar as tradições nacionais e se esforça por explicar por essa via a atitude do Sr. Adolph Hitler restaurando o paganismo que o Sr. Francisco Campos considera parte integrante da tradição alemã. Como o Brasil não é pagão mas católico, no Brasil é o Catolicismo que o Estado forte deve olhar com “simpatia e agrado”.

O Estado Novo se abstém, pois, de verificar se há uma Religião verdadeira, e qual é essa Religião, conservando, sob este ponto de vista, a atitude agnóstica dos Estados Unidos, da França e do Brasil anteriormente a 10 de novembro. Neste terreno não houve, pois, inovação, continuando intacto o liberalismo religioso que o Brasil assumiu em 91. Doutrinariamente, é claro que tal posição não é correta. Na prática, porém, julgamo-la preferível à da união da Igreja ao Estado, dadas as atuais condições políticas do País e sua situação religiosa. Haveria, talvez, uma solução intermediária, que seria mais perfeita. Este, porém, [é] um assunto por demais delicado para que valha a pena abordá-lo em uma  ocasião em que não tem a mínima atualidade.

* * *

E o que dizer-se quanto às declarações do Sr. Ministro da Justiça quanto aos efeitos civis do casamento religioso e serviço militar dos eclesiásticos? A resposta é simples. As palavras de S. Ex.a ratificam o que, sobre o assunto, disse o Legionário imediatamente depois do golpe de 10 de novembro. O casamento religioso pode, atualmente, ter efeitos civis desde que os nubentes e o Sacerdote se queiram sujeitar aos riscos e as complicações decorrentes da observância da péssima lei em vigor. Esta lei, porém, é letra morta, porque ela procura dificultar por todos os modos a execução da grande conquista católica de 1934. Quanto ao serviço militar dos eclesiásticos também continua em vigor a lei anterior de 10 de novembro.

Poderá, na nova ordem de coisas, ser alterada qualquer dessas leis, em sentido favorável aos católicos? Há algum obstáculo que o impeça?  Absolutamente nenhum. Bastaria que o Sr. Getúlio Vargas o queira.

Quanto à “simpatia e agrado” que S. Ex.a tributa à Ação Católica, é da maior importância para nós. Como é evidente, essa “simpatia e agrado” acarretam necessariamente a idéia de respeito e sobretudo de confiança. Temos, pois, razões para esperar que o Estado forte do Brasil não se vá impressionar como o da Itália, com quiméricos receios sobre a independência da Ação Católica, nem que vá coarctar de qualquer forma sua legítima liberdade de ação como o III Reich. No Brasil, como no mundo inteiro, mas muito particularmente no Brasil, a Igreja é muitíssimo ciosa de sua liberdade. Não lhe interessam os apoios oficiais ou as atenções governamentais, desde que tenham por preço a menor limitação a sua liberdade de fazer o bem e de pregar a doutrina dos Santos Evangelhos. Disse um Santo que Nosso Senhor Jesus Cristo não ama a coisa nenhuma nesse mundo tão intensamente quanto a liberdade de sua Santa Igreja. Desde que a Igreja tenha, no atual regime, a mais ampla liberdade, desde que a legislação não autorize coisas condenadas por sua moral, desde que o Estado cumpra seu dever de punir energicamente os perturbadores da paz social, estará tranqüila e satisfeita a consciência religiosa do País.

 

Desde que a Igreja tenha, no atual regime, a mais ampla liberdade, desde que a legislação não autorize coisas condenadas por sua moral, desde que o Estado cumpra seu dever de punir energicamente os perturbadores da paz social, estará tranqüila e satisfeita a consciência religiosa do País.

 

Há um ponto, porém, que não quereríamos deixar de frisar antes de terminar estas considerações.

É preciso que se tenha bem em mente que, para ser completa a liberdade da Santa Igreja, cumpre que ela projete sua influência sobre um campo que, até aqui, na prática senão em teoria, tem sido pertinazmente subtraído pela Republica liberal à sua ação. É o campo das escolas superiores.

Enquanto nas Universidades, na Escola Militar e na Escola Naval, não houver ensino religioso ou assistência religiosa sistemática, ampla, eficiente, nenhum brasileiro pode descansar. Dia e noite, deve levantar suas preces ao Céu e deve desenvolver na terra seus esforços pacíficos mas pertinazes, para que Cristo penetre nos estabelecimentos onde se forma a mentalidade dos moços.

São as elites intelectuais que devem governar o País. E esse governo só se tornará efetivo se apoiado pelo prestigio da espada do oficial de terra ou do mar. Se a Igreja não tiver meios para influenciar a mentalidade dos que futuramente vão fazer nossas leis e garantir à força a sua execução, quem pode ser bastante imprevidente para supor que o Brasil de amanhã será católico? Enquanto Renan ou Marx ainda tiverem influência nas Universidades nas quais se proíbe o ingresso do Ministro de Jesus Cristo para pregar a verdade, enquanto o espírito de Comte ainda influenciar a mentalidade dos que se encontram na retrancas da metralhadora, o que se poderá esperar do Brasil de amanhã?

Não bastam, pois, que se dispense o Seminarista do serviço militar. É necessário autorizá-lo, depois de ordenado, prestar esse serviço sob forma de assistência religiosa às forças armadas. Só assim poderemos estar certos de que o Brasil de amanhã corresponderá à sua sublime vocação de grande potência católica.