Enganam-se redondamente os estadistas de fancaria
que quereriam persuadir o Presidente da República de que o Partido Único, a ser
brevemente criado, se deve revestir dos oroupeis
vistosos com que o nazismo e seus co-irmãos de outros países deslumbram as
massas.
Sob o ponto de vista do espírito e dos processos,
são três as diferenças existentes entre os partidos oficiais de certos Estados
totalitários europeus e os partidos das liberal-democracias
ocidentais: a filosofia, a ação social e a liturgia política.
Os partidos liberais são quando não inteiramente
vazios de idéias - é esta a regra - ao menos inteiramente alheios a quaisquer
cogitações filosóficas. O partido liberal, seja ele o defunto PC, o não menos defunto
PRP, o Partido Conservador inglês ou o Partido
Radical francês, compõe seu programa com uma meia dúzia de reivindicações
políticas ou econômicas concretas às quais o leitor deve aderir para ser membro
do Partido.
Seria ridículo e inútil dar ao futuro partido
oficial a fisionomia de falso misticismo e de militarismo esportivo do Partido
Nazista
E aí se cifra toda a
sua preocupação ideológica, tanto se lhe dando que o eleitor se inspire nesta
ou naquela filosofia, para aceitar o seu programa. O Partido liberal-democrático é ao mesmo tempo
agnóstico e prático. Agnóstico, ele não tem convicções filosóficas ou
religiosas próprias. Prático, ele se limita a coordenar as atitudes políticas
de seus membros, inteiramente indiferente às tendências ideológicas em que tais
atitudes podem inspirar.
O partido único do Reich, o da Itália fascista, o
de Primo de Rivera e outros
congêneres, apresentam uma fisionomia inteiramente diversa. Violentamente
contrários à imbecil atitude de indiferentismo do agnosticismo liberal, eles
tem uma filosofia e às vezes até uma teologia própria. E só aceitam a adesão de
qualquer partidário caso este faça profissão de fé na filosofia do partido.
Ainda que um indivíduo estivesse de acordo com toda a política do Sr. Hitler minuciosamente,
ponto por ponto, não seria um dos puros do Partido Nazista se não aceitasse a
filosofia do Partido, que constitui a medula do pensamento partidário. E o
mesmo se dá na Itália, no fascismo espanhol, etc.
Esta diferença substancial gera outra não menos
visível. Uma filosofia não é apenas uma concepção política, mas uma concepção
da vida. A política é um capítulo, e só isto. Daí o fato de os partidos
totalitários não se ocuparem apenas com a ação política em que procuram
conformar o Estado com suas concepções jurídicas, mas cuidarem ainda de uma
extensa ação social destinada a amoldar toda a vida social a suas doutrinas
filosóficas. Os partidos totalitários são ao mesmo tempo entidades esportivas,
recreativas, educacionais, etc. Porque não é só a política, mas é toda a vida
do homem que lhes interessa. Por isto é que se compreende facilmente um integralista que dirija um grupo de plinianos
com toda a decência, enquanto um membro da C.D., do P.R.P. ou do D.E. do P.C. se cobriria de um inexorável ridículo na direção de
uma associação de escoteiros.
Finalmente, o emprego das grandes solenidades políticas é outro método característico dos
partidos da direita. Enquanto os partidos liberais desenvolvem manifestações
tumultuarias, caóticas e inestéticas, reflexo eloqüente do individualismo anarquizante que os devora, os partidos totalitários são
amantes das grandes manifestações cívicas ordenadas e imponentes, que exprimam
uma aparente capacidade construtora e coordenadora com que procuram entusiasmar
as massas. Para este efeito, os partidos direitistas criaram uma verdadeira
liturgia cívica, cerimonial do Estado usado nas grandes solenidades
feitas em sua honra.
* * *
Não nos interessa examinar, no momento, os
numerosos prós e contras de um ou de outro tipo de
partido. Sejamos práticos e perguntemos somente que orientação deve seguir o
Partido Único do atual Estado
Forte.
Com franqueza, parece-nos que o aparato cívico das
direitas só teria sentido se estivessem no poder os integralistas. O histórico dessa corrente, a mentalidade
que ela criou entre seus partidários, o feitio pessoal de alguns de seus
chefes, tornariam possível o desdobramento das grandes festas cívicas, das
paradas maciças e da mise-en-scéne
custosa dos partidos da direita. Mas seria um erro, e um erro mortal, que se
procurasse criar a mesma situação, o mesmo quadro, o mesmo ambiente para que
nesse evoluísse evidentemente contrafeita a figura pouco cesariana do Sr.
Getúlio Vargas.
De mais a mais, se o Partido Único fosse carregar
seus reservatórios com material filosófico, criaria inegavelmente uma situação
sem saída para os católicos. Porque ou essa filosofia seria a tomista ou não. Na primeira hipótese, os católicos poderiam
entrar no Partido, mas este se chocaria com o Estado, que é neutro. Na segunda
hipótese, os católicos teriam de ficar à margem, não podendo aceitar uma
filosofia que não fosse a do Doutor Angélico.
* * *
O que pode consolidar o atual regime não é um
grande partido mas uma grande obra.
Acentuamos com clareza todos estes pontos, porque estamos
certos de prestar valioso serviço às instituições vigentes, chamando para eles
a atenção do público.
O segredo da estabilidade do atual estado de coisas
não está na organização de um grande partido, mas na realização de uma grande
obra.
Se o comunismo for combatido com
um vigor de ferro, se uma sábia política social facilitará à Igreja a
realização de sua grande obra moralisadora, se uma
sábia administração financeira restituir ao Brasil a normalidade econômica por
ele perdida a golpes prodigiosos de incompetência e desonestidade, o Estado
novo terá prestado ao Brasil o serviço que este esperava a 10 de Novembro, e
terá criado raízes tão duráveis quanto poderia imaginar o mais incondicional
dos partidos da nova situação.
Se, pelo contrário, qualquer lacuna se fizer sentir
nessa obra, serão inúteis as encenações dispendiosas e os festins cívicos ad instar da Europa. Porque não é com
aparências mas com realidades que se consolida um regime.