Legionário, No 281, 30 de janeiro de 1938 

Realidades e não aparências

Enganam-se redondamente os estadistas de fancaria que quereriam persuadir o Presidente da República de que o Partido Único, a ser brevemente criado, se deve revestir dos oroupeis vistosos com que o nazismo e seus co-irmãos de outros países deslumbram as massas.

Sob o ponto de vista do espírito e dos processos, são três as diferenças existentes entre os partidos oficiais de certos Estados totalitários europeus e os partidos das liberal-democracias ocidentais: a filosofia, a ação social e a liturgia política.

Os partidos liberais são quando não inteiramente vazios de idéias - é esta a regra - ao menos inteiramente alheios a quaisquer cogitações filosóficas. O partido liberal, seja ele o defunto PC, o não menos defunto PRP, o Partido Conservador inglês ou o Partido Radical francês, compõe seu programa com uma meia dúzia de reivindicações políticas ou econômicas concretas às quais o leitor deve aderir para ser membro do Partido.

Seria ridículo e inútil dar ao futuro partido oficial a fisionomia de falso misticismo e de militarismo esportivo do Partido Nazista

E aí se cifra toda a sua preocupação ideológica, tanto se lhe dando que o eleitor se inspire nesta ou naquela filosofia, para aceitar o seu programa. O Partido liberal-democrático é ao mesmo tempo agnóstico e prático. Agnóstico, ele não tem convicções filosóficas ou religiosas próprias. Prático, ele se limita a coordenar as atitudes políticas de seus membros, inteiramente indiferente às tendências ideológicas em que tais atitudes podem inspirar.

O partido único do Reich, o da Itália fascista, o de Primo de Rivera e outros congêneres, apresentam uma fisionomia inteiramente diversa. Violentamente contrários à imbecil atitude de indiferentismo do agnosticismo liberal, eles tem uma filosofia e às vezes até uma teologia própria. E só aceitam a adesão de qualquer partidário caso este faça profissão de fé na filosofia do partido. Ainda que um indivíduo estivesse de acordo com toda a política do Sr. Hitler minuciosamente, ponto por ponto, não seria um dos puros do Partido Nazista se não aceitasse a filosofia do Partido, que constitui a medula do pensamento partidário. E o mesmo se dá na Itália, no fascismo espanhol, etc.

Esta diferença substancial gera outra não menos visível. Uma filosofia não é apenas uma concepção política, mas uma concepção da vida. A política é um capítulo, e só isto. Daí o fato de os partidos totalitários não se ocuparem apenas com a ação política em que procuram conformar o Estado com suas concepções jurídicas, mas cuidarem ainda de uma extensa ação social destinada a amoldar toda a vida social a suas doutrinas filosóficas. Os partidos totalitários são ao mesmo tempo entidades esportivas, recreativas, educacionais, etc. Porque não é só a política, mas é toda a vida do homem que lhes interessa. Por isto é que se compreende facilmente um integralista que dirija um grupo de plinianos com toda a decência, enquanto um membro da C.D., do P.R.P. ou do D.E. do P.C. se cobriria de um inexorável ridículo na direção de uma associação de escoteiros.

Finalmente, o emprego das grandes solenidades políticas é outro método característico dos partidos da direita. Enquanto os partidos liberais desenvolvem manifestações tumultuarias, caóticas e inestéticas, reflexo eloqüente do individualismo anarquizante que os devora, os partidos totalitários são amantes das grandes manifestações cívicas ordenadas e imponentes, que exprimam uma aparente capacidade construtora e coordenadora com que procuram entusiasmar as massas. Para este efeito, os partidos direitistas criaram uma verdadeira liturgia cívica, cerimonial do Estado usado nas grandes solenidades feitas em sua honra.

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Não nos interessa examinar, no momento, os numerosos prós e contras de um ou de outro tipo de partido. Sejamos práticos e perguntemos somente que orientação deve seguir o Partido Único do atual Estado Forte.

Com franqueza, parece-nos que o aparato cívico das direitas só teria sentido se estivessem no poder os integralistas. O histórico dessa corrente, a mentalidade que ela criou entre seus partidários, o feitio pessoal de alguns de seus chefes, tornariam possível o desdobramento das grandes festas cívicas, das paradas maciças e da mise-en-scéne custosa dos partidos da direita. Mas seria um erro, e um erro mortal, que se procurasse criar a mesma situação, o mesmo quadro, o mesmo ambiente para que nesse evoluísse evidentemente contrafeita a figura pouco cesariana do Sr. Getúlio Vargas.

De mais a mais, se o Partido Único fosse carregar seus reservatórios com material filosófico, criaria inegavelmente uma situação sem saída para os católicos. Porque ou essa filosofia seria a tomista ou não. Na primeira hipótese, os católicos poderiam entrar no Partido, mas este se chocaria com o Estado, que é neutro. Na segunda hipótese, os católicos teriam de ficar à margem, não podendo aceitar uma filosofia que não fosse a do Doutor Angélico.

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O que pode consolidar o atual regime não é um grande partido mas uma grande obra.

Acentuamos com clareza todos estes pontos, porque estamos certos de prestar valioso serviço às instituições vigentes, chamando para eles a atenção do público.

O segredo da estabilidade do atual estado de coisas não está na organização de um grande partido, mas na realização de uma grande obra.

Se o comunismo for combatido com um vigor de ferro, se uma sábia política social facilitará à Igreja a realização de sua grande obra moralisadora, se uma sábia administração financeira restituir ao Brasil a normalidade econômica por ele perdida a golpes prodigiosos de incompetência e desonestidade, o Estado novo terá prestado ao Brasil o serviço que este esperava a 10 de Novembro, e terá criado raízes tão duráveis quanto poderia imaginar o mais incondicional dos partidos da nova situação.

Se, pelo contrário, qualquer lacuna se fizer sentir nessa obra, serão inúteis as encenações dispendiosas e os festins cívicos ad instar da Europa. Porque não é com aparências mas com realidades que se consolida um regime.