Como de costume, as agências
telegráficas nos transmitiram relatos contraditórios e muito incompletos da
visita que Bispos e Sacerdotes de algumas Dioceses da Itália fizeram ao Sr. Benito Mussolini e em seguida ao Santo Padre Pio XI. Como se já não bastasse essa confusão, nossos diários
ainda se empenharam em tornar menos claros os fatos, pelos títulos tendenciosos
com que os noticiaram.
Infelizmente, não temos ainda em
mãos o texto das notícias e dos comentários publicados pelo “Osservatore
Romano”, órgão oficial da Santa Sé, sobre esse assunto de tão capital
importância. Não querendo, porém, deixar de orientar nossos leitores a este
respeito, vamos comentar tão somente os fatos que, pelo confronto das diversas
notícias telegráficas, verificamos serem incontestavelmente verdadeiros.
Ninguém ignora que, por ocasião da guerra ítalo-etíope,
as nações pertencentes ao chamado bloco democrático estabeleceram um “boycott” econômico contra a Itália a fim de, por essas sanções econômicas, debilitar a
ofensiva italiana, facilitando implicitamente a ação defensiva das tropas do Negus.
Quais os motivos por que o Clero Italiano apoiou o
Governo na luta contra as sanções?
Reagindo contra esse verdadeiro
cerco financeiro, o Sr. Mussolini resolveu organizar
a economia italiana de tal forma, que a Itália independesse do auxílio
estrangeiro, extraindo tanto quanto possível de seu próprio solo, os recursos
necessários à sua subsistência.
Evidentemente, esta nova política
econômica do fascismo impunha à população italiana os mais pesados sacrifícios,
exigindo que cada cidadão, de livre e expontânea vontade, fizesse sobre a sua
própria ração alimentar as restrições necessárias para que a Itália, resistindo
ao “boycott” dos seus adversários, pudesse fundar seu
Império na Etiópia.
Justa ou injusta a conquista da
Etiópia - o “Legionário” seguindo suas habituais diretrizes não
toma posição neste problema - o certo é que todos os italianos dignos desse
nome estavam na obrigação de cooperar para a vitória de sua Pátria, uma vez que
a responsabilidade moral pela guerra recaía exclusiva e inteiramente sobre o
governo italiano e o Negus e nunca sobre os povos que
disciplinadamente deviam acorrer ao apelo de um e de outro, a fim de cumprir os
deveres impostos pela virtude do patriotismo.
Uma das forças que cooperaram mais
eficientemente para facilitar a realização da política econômica graças a qual
o Sr. Mussolini conquistou a Etiópia, e graças a cuja
continuidade pretende vencer em uma
eventual guerra mundial, foi o clero italiano que pregou ardentemente o dever
de fazer todos os sacrifícios individuais que o bem da Pátria exigisse. Tanto
se distinguiu o clero nessa tarefa, que o Sr. Mussolini
quis receber em soleníssima audiência em que estivessem presentes Bispos e
Sacerdotes, a fim de exprimir ao clero a gratidão do governo italiano.
Em suma, foi isto e só isto, que
se passou.
* * *
Que posição tomou o Santo Padre perante a
aproximação ítalo-alemã?
Vamos, agora, aos comentários.
Excedeu-se o Clero italiano? Absolutamente
não.
O que ele fez, fá-lo-ia o Clero
católico de qualquer outro país, em circunstâncias análogas.
Em suma, o que a doutrina católica
estabelece é que os cidadãos são obrigados, ainda que mediante pesados
sacrifícios individuais, a defender sua pátria em caso de guerra com o
estrangeiro. Os Cleros da França, da Alemanha e de todas as demais nações
beligerantes, em 1914, não fizeram outra coisa senão isto. E o Clero italiano
seguiu esta tradição nobilíssima, quando aconselhou os fiéis a que cumprissem
seu dever para com a Pátria.
Durante a audiência realizada no
histórico Palácio Veneza, na qual o Sr. Mussolini
recebeu os Bispos e Sacerdotes, estes manifestaram seu propósito de continuar a
cooperar com o Governo para a defesa externa do País, e, ao mesmo tempo, o
orador oficial do Clero, Monsenhor Nogar, relembrou os benefícios do Tratado de Latrão para os católicos e para toda a Nação italiana.
Ainda aí, os Bispos e Sacerdotes
presentes não saíram de sua posição. Quanto a cooperar com o Governo para a
defesa do País, era um dever de patriotismo. Quanto a relembrar os benefícios
do Tratado de Latrão, um dever de cortesia e de
lealdade.
Não se suponha, porém, que com
isto o Clero italiano tenha dado seu apoio ao regime fascista como tal.
Certamente, ele apoia e deve apoiar o regime, enquanto este agir corretamente
para com a Igreja. Mas este apoio, ele o dará também a qualquer outro regime
que proceda do mesmo modo. Assim, por exemplo, se o Governo à testa do qual
está o Sr. Mussolini se transformasse de fascista em
democrático, a Igreja nem por isto lhe recusaria sua simpatia, desde que ele
agisse bem em matéria religiosa. Porque a Igreja é indiferente a formas de
governo, e se preocupa tão somente com a salvação das almas.
O título bastante capcioso com que
o “Estado de São Paulo” noticiou o acontecimento – “O Clero Italiano manifesta
seu apoio ao regime fascista” - dever ser entendido nos seus devidos termos,
para não ser inteiramente falso.
* * *
A atitude da Santa Sé, nesta
emergência, foi como de costume, absolutamente perfeita.
Se, para o Clero italiano, lutar
contra as sanções era um dever, para a Santa Sé, que não faz a política de
nenhum País, mas que é Mãe comum de todos os povos, a mais rigorosa
imparcialidade se impunha no caso das sanções. Foi isto que deu a entender a
nota do “Osservatore” que declarava não ter tido a Santa Sé conhecimento prévio
da manifestação.
Durante essa manifestação, teve o
Sr. Benito Mussolini
ocasião de fazer declarações
tranquilizadoras quanto às suas intenções em matéria de política-religiosa. O Santo Padre elogiou tais declarações.
Mas ao mesmo tempo sublinhou discretamente o contraste entre elas e o gesto do
Governo Italiano, que enviou à Alemanha numerosíssimas famílias de camponeses
italianos, que ficam assim arriscados a perder a Fé. E mais uma vez pôs
implicitamente em dúvida as virtudes cristianizadoras
do famoso eixo Roma-Berlim quando renovou a condenação
ao nazismo.
É muito de se notar que o Santo
Padre aproveitou exatamente essa ocasião para condenar mais uma vez a política
religiosa do Sr. Hitler, o qual, como ninguém
ignora, foi altamente elogiado pelo Sr. Mussolini na
Alemanha, e vai agora visitar a Itália.
Com isto, o Santo Padre observou
uma linha de conduta da mais inflexível imparcialidade, elogiando a atuação do
Sr. Mussolini no que incontestavelmente tem de bom e
fazendo suas reservas formais quanto à Alemanha nazista e aos múltiplos perigos
que a aproximação da Itália com esta pode acarretar. Seria impossível agir com
mais firme prudência e mais enérgica imparcialidade.