Legionário, N° 278, 9 de janeiro de 1938

 

Diretrizes para a Educação Nacional

 

O panorama da educação nacional que o Ministro Gustavo Capanema descortinou em seus novos rumos, no importantíssimo discurso proferido por ocasião do centenário do Colégio D. Pedro II, esteve, por muito tempo, com os horizontes inteiramente toldados.

Vivemos de há muito numa verdadeira anarquia pedagógica. Desde o ensino primário ao superior, um violento ciclone parece ter desorganizado todo o nosso aparelhamento educativo, e presságios de cataclismos ainda maiores se faziam anunciar.

Entre os inúmeros males causados pela primeira república ao ensino em nossa pátria, o maior, sem dúvida o fundamental, foi, como já tivemos oportunidade de dizer, o laicismo.

Ruída a velha república, o Sr. Francisco de Campos, quando Ministro da Educação, em momento providencial restabeleceu o ensino religioso nas escolas públicas. E é interessante notar que, exatamente por essa época, enquanto surgiam, graças ao decreto sobre o ensino religioso, esperanças de dias melhores para a educação nacional, novas e mais terríveis forças se conjuravam para provocar uma revolução pedagógica que poderia ser de conseqüências ainda mais funestas que o próprio ensino leigo.

Eram as doutrinas divulgadas pelos famosos “pioneiros” da nova política educacional, apregoando, entre outras medidas, a escola única e a co-educação, e transplantando para o Brasil um pragmatismo socializante de inspiração norte-americana e russa, tanto é ilusório supor que o país mais capitalista do mundo está no polo oposto à república soviética...

Era, depois, o prestígio incontrastável de alguns desses “pioneiros” junto aos poderes públicos, dando a impressão de que começavam a formar uma verdadeira ditadura no ensino.

Era, enfim, a propaganda bolchevista iniciada abertamente no Rio de Janeiro pelo “pioneiro” Anísio Teixeira, sob o patrocínio do Prefeito Pedro Ernesto, e contando com o proselitismo de numerosos “camaradas” colocados em cátedras da Faculdade de Direito e da Escola de Medicina.

Eis porque dizemos que, apesar da alvissareira medida que foi a restauração do ensino religioso, a obra educativa da chamada “república nova” parecia estar sendo ainda mais desastrada que a do regime instaurado em 1891.

Mas... depois da “república nova” veio o Estado Novo, e o seu primeiro documento oficial sobre a educação é mais um motivo de grandes esperanças para o futuro. Esse documento é o discurso do Ministro Gustavo Capanema, a que nos referimos. E é com satisfação que registramos, ao mesmo tempo, a escolha do Presidente da Ação Católica Brasileira para Reitor da Universidade do Distrito Federal, essa mesma Universidade outrora inspirada pelos comunistas Pedro Ernesto e Anísio Teixeira, em boa hora postos “fora da lei” pelo governo brasileiro.

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O Ministro Gustavo Capanema traça as diretrizes gerais que deverão obedecer o ensino primário, profissional, secundário, superior, a educação dos anormais, a educação física, a educação moral, a educação feminina e a preparação dos professores.

São linhas muito gerais, em que se revela muito bom senso, sendo o programa esboçado perfeitamente capaz de elevar o nível do nosso ensino e preencher suas mais sensíveis lacunas. Assim é que, no ensino secundário, é adotado o padrão das humanidades clássicas; ao ensino profissional se dá toda a importância que tem e que já a Constituição soube reconhecer: no ensino superior, procura-se combater os excessos do bacharelismo pela preocupação de fazer a qualidade primar sobre a quantidade; a educação feminina é norteada para o preparo da mulher à vida no lar, a fim de que possa cumprir a missão que lhe reservou a Providência; e ao ensino religioso, como “uma das bases mais sólidas” da educação moral, se promete definição plena no Código de Educação Nacional.

Mas a parte capital do discurso está nas considerações preliminares sobre a filosofia da educação.

Começa o Sr. Gustavo Capanema por mostrar como é inatual o conceito em que por muito tempo foi tida, entre nós, a educação, “uma atividade destinada a transmissão de noções e conhecimentos adquiridos por uma geração à geração subsequente”. Bons professores eram os que conseguissem transmitir uma quantidade de coisas. Melhores alunos, os que mais volumosa ciência acumulassem.

Contra tal concepção, reagiram os “pioneiros” da escola nova, ensinando ser a educação uma preparação para a vida, tendo por uma de suas funções mais importantes a socialização do aluno.

Mas à escola nova, o Ministro da Educação dirige uma excelente crítica, nos seguintes termos: “A educação, segundo esta doutrina, deve tratar o ser humano como uma entidade destinada à ação. Mas a ação para a qual o homem deve ser preparado, esta não é prevista nem definida. A aptidão lhe é dada simplesmente para agir, para atuar, para trabalhar, pouco importando a situação, o problema ou a crise em que ele se venha a encontrar”.

Prosseguindo, conclui que a educação principalmente na época de crise em que vivemos, não pode limitar-se a preparar o homem para a ação, de um modo céptico ou indeciso, mas deve tomar consciência das finalidades dessa ação. “A educação não pode ser neutra no mundo moderno. E diremos agora que ela não pode ser neutra no nosso país, porque as tempestades do tempo presente já carregam os nossos céus com o estampido e a ameaça. A educação, no Brasil, tem que colocar-se agora decisivamente ao serviço da Nação”.

E, mais adiante, esta explicação: “...quando dizemos que a educação ficará ao serviço da Nação, queremos significar que ela deve adotar uma filosofia a seguir, uma tábua de valores, deve reger-se pelo sistema das diretrizes morais, políticas e econômicas que formam a base ideológica da Nação e que, por isso, estão sob o controle ou a defesa do Estado.

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Congratulemo-nos com o Sr. Gustavo Capanema pela segurança com que soube repelir conceitos velhos e inatuais, sem deixar de repelir igualmente novidades perigosas e revolucionárias. Mas é pena que não tenha completado, com a mesma segurança e com mais precisão, o seu pensamento sobre a finalidade da educação.

O reconhecimento da necessidade de subordinar a educação a uma ideologia definida é um passo que se avantaja de muito ao agnosticismo da primeira República e ao ativismo acético dos reformadores adeptos da escola nova.

Qual seja essa ideologia, o Sr. Gustavo Capanema não o diz, deixando com isto margem para suposições pessimistas que não endossamos mas que gostaríamos de ver desfeitas. Em sã razão, ela não pode deixar de ser fornecida pela concepção católica da vida, única a que qualquer sistema educativo deve subordinar-se para ser perfeito.

Ainda para evitar suposições malévolas, o ilustre intérprete do pensamento do governo federal sobre a educação deveria ter elucidado melhor o seu pensamento sobre o papel do Estado na educação.

Esse papel é “precípuo e decisivo”, afirma preliminarmente. E diz mais além: “se a educação visa preparar o homem completo, isto é, como pessoa, como cidadão e como trabalhador, a fim de que ele realize integralmente no plano moral, político e econômico, a sua vida para servir a Nação, se a educação tem esta grave finalidade, claro está que o Estado deve assumir a sua suprema direção, fixando-lhe os princípios fundamentais e controlando a execução deles”.

A ser interpretado este tópico no rigor dos seus termos, talvez não fosse difícil apontar nele uma tendência para o monopólio educativo do Estado, o que, porém, por outro lado, pareceria pouco admissível atentando-se para o artigo 125 da Constituição de 10 de Novembro, que declara ser a educação da prole “direito natural dos pais”.

Mas principalmente o discurso do Sr. Ministro da Educação teria lucrado se S. Ex.a, em lugar de ter silenciado sobre a missão educativa da Igreja, a ela se tivesse referido com clareza, acentuando que à Igreja compete precipuamente a formação moral e religiosa. Tanto mais que o ensino religioso é a ÚNICA base verdadeiramente sólida da educação moral. Aliás, pelo que conhecemos do Sr. Gustavo Capanema, é razoável esperar-se que essa definição ainda venha.

Se o Sr. Ministro da Educação tivesse completado o seu discurso por uma declaração formal concernente aos limites à ação do Estado em matéria educativa, provenientes da Igreja e da família, suas palavras se diriam inspiradas na Encíclica Divini Illius Magistri, de Pio XI.