Legionário, 276, 26 de dezembro de 1937

A Action Française e a Liga das Nações

Dois grandes acontecimentos políticos dos últimos dias corroboraram vigorosamente uma tese que, de há muito, o “Legionário” vem pondo em relevo. Esses dois acontecimentos são o incidente entre a Action Française e o Conde de Paris, a retirada da Itália da Liga das Nações. De ambos estes fatos, a lição que retiramos é que se iludem cruelmente os que pensam em trabalhar pelos interesses superiores e legítimos da humanidade, esquecidos ou afastados da Igreja Católica. Tanto na obra da Action Française, quanto na da Sociedade das Nações, ao par de grandes erros há, incontestavelmente, uma grande parcela de ideais louváveis. Mas estes ideais, em lugar de procurarem “cum Christo, per ipso et in ipso”, a sua realização, afastaram-se do Salvador. E o resultado inevitável foi o total fracasso de seus esforços.

Recapitulemos um pouco a História dos últimos 10 ou 20 anos.

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Se há um movimento que um católico poderia receber com indisfarçável simpatia inicial, esse movimento era a Action Française.

Corroída pelos princípios falsos do liberalismo, agitada por uma grande propaganda comunista que ameaçava assenhorear-se do País, a França dos primeiros decênios de nosso século estava sendo arrastada, pela torrente impetuosa e impura da Revolução, a abismos que devorariam as suas tradições, a sua riqueza, a sua hegemonia espiritual sobre todo o ocidente latino e, mais do que tudo isto, as convicções religiosas da grande massa de seus habitantes.

 

A Action Française quis servir ao Rei guerreando o Papa. E é hoje a própria Casa real que a condena como nociva à causa da monarquia.

 

Foi em situação tão calamitosa quanto esta, que a “Action Française” começou a aliciar elementos para lutar pela restauração do trono da gloriosa raça dos Capetos, varrendo do poder a politicalha vil que dirigia a política francesa.

Impulsionada por dois intelectuais de grande valor, Leon Daudet e Charles Maurras, a Action Française conseguiu recrutar nas suas fileiras o escol da França. Aristocratas pertencentes às antiquíssimas linhagens que haviam feito a grandeza da Pátria, militares cheios do tradicional heroísmo gaulês, diplomatas escolados nas altíssimas tradições da política francesa, juristas habituados às mais profundas cogitações da filosofia e às mais minuciosas investigações sociais e, principalmente, moços, moços e muitos moços das universidades constituíram a milícia magnífica da nova corrente monárquica. A república tremeu. (...) E os católicos olharam com simpatia para essa falange que prometia libertar a França dos politiqueiros sem escrúpulos que a aviltavam, para lhe restituir o lustre dos melhores dias do “Ancien Régime”.

Infelizmente, porém, no meio de tanta luz, havia sombras. Maurras e Daudet não eram católicos. Mais do que isto, eram materialistas e procuravam intoxicar com sua filosofia venenosa a flor da mocidade católica arregimentada sob suas ordens. Quanto à política, a despeito de monarquistas, de anti-maçônicos, de acérrimos inimigos da esquerda, tinham mais de um ponto de seu programa contrário ao pensamento católico.

Qual o ponto mais negro nessa desorientação? Qual o grande erro político cometido pela Action Française? Afirmava ela que os católicos deveriam ser só monarquistas e que, caso se filiassem a alguma agremiação republicana, trairiam a sua Fé.

Contra este abuso, a Santa Sé se insurgiu. Maurras e Daudet começaram então a escrever contra a corte pontifícia e até contra o Papa. Veio a condenação de Roma. Mas apesar disto os dois leaders da Action Française não desanimaram. Rompendo com a Igreja, afirmavam fazê-lo para servi-la melhor do que o próprio Papa, e que serviriam melhor a monarquia fora da Igreja do que dentro dela.

Passam-se alguns anos, e o herdeiro do trono da França, o jovem e inteligente Conde de Paris, se vê na obrigação de condenar também ele a Action Française, porque ela já não estava servindo convenientemente a causa da monarquia.

Em resumo, rompendo com a Igreja para servir à causa da França e da monarquia, a Action Française implicitamente se inutilizou para qualquer serviço em prol dos ideais aos quais queria sacrificar o Catolicismo. E foi o próprio herdeiro do trono que comprovou o fato, declarando oficialmente que a Action Française não merece sua inteira confiança.

Eloquência dos fatos...

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A Liga das Nações quis servir a paz longe de Cristo, e hoje os povos se guerreiam sob os seus escombros.

 

Em última análise, não foi muito diverso o que se deu com a Liga das Nações. Fundada pelo presidente Wilson depois da guerra Européia, ela tinha um programa de pacificação universal e de fraternidade humana que, ao menos à primeira vista, mereceria a inteira aprovação dos católicos. Ao par de suas atividades políticas internacionais, a Liga das Nações se entregou a um extenso trabalho social, lutando pelo melhoramento das condições de vida das classes pobres. Essa atividade social era tão conforme, em muitos de seus aspectos, ao pensamento católico, que se diria ter sido inspirada pela famosa “Rerum Novarum” de Leão XIII.

No entanto, a Liga das Nações timbrou em se conservar inteiramente leiga, recusando-se a aceitar o Santo Padre no seu grêmio, e silenciando absolutamente quanto a qualquer fundamento religioso para as atividades muitas vezes meritórias que empreendia.

E o resultado aí está. Transformada em corrilho político das mais mesquinhas maquinações, feita joguete de um pequeno número de magnatas internacionais que cobiçam o domínio do mundo, a Liga das Nações, com a retirada da Itália, acaba de sofrer o golpe de misericórdia. Hoje é uma ruína, atrás da qual está de emboscada um grupo de combatentes que procura lutar com outro grupo que está de fora.

Por que? Querendo realizar uma obra de inspiração fundamentalmente católica, a Liga das Nações se esqueceu intencionalmente de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Santa Igreja. Vistosa a princípio, a obra foi no entanto traindo sintomas de um envelhecimento prematuro que se transformou rapidamente em agonia mortal. É que havia sido esquecida a pedra de ângulo de todo e qualquer edifício que queira durar.

E, enquanto rui a Action Française e cai aos pedaços a Liga das Nações, a Igreja continua altaneira o seu curso por entre as tempestades modernas. Porque só Ela pode realizar estável e duradouramente a obra de Cristo.