Desde que o golpe de Estado de 10 de novembro
colocou o Brasil em situação política inteiramente nova, o “Legionário” não tem
poupado esforços para orientar seus leitores sobre o modo pelo qual devem
encarar as numerosas reformas que tem sido feitas por meio de decretos leis ou
anunciadas em discursos ou entrevistas dos membros do governo. No cumprimento
desse dever, seguindo nossa invariável linha de conduta, temos timbrado em
assumir atitudes da maior clareza, evitando a ambigüidade e a timidez com que a
maior parte dos jornais paulistas tem encarado os últimos acontecimentos
políticos.
Logo após o golpe de Estado, publicamos um artigo
em que estudamos minuciosamente a situação jurídica criada para a Igreja pela
nova Constituição e o destino que esta última deu às gloriosas conquistas
católicas de 34. A seguir, mostramos que, no regime novo como no anterior, os
católicos deveriam trabalhar ativamente para a recatolização
do Brasil, e acentuamos que é dessa obra espiritual que depende, em última
análise, o êxito de qualquer regime que aqui se venha a instaurar. No seu
último artigo, finalmente, o “Legionário” definiu sua posição, quer perante a
política corporativa, quer perante a política educacional adotada pelo Estado
novo. Em matéria corporativa, mostramos que todos os católicos, seja qual for
sua posição política, devem aplaudir a introdução do corporativismo no Brasil.
Acrescentamos ainda que, se bem que o corporativismo se possa prestar a
excessos condenados pela Igreja, nada há na legislação até aqui promulgada que
indique qualquer tendência de nosso governo nesse sentido. Quanto à política
educacional, esclarecemos que o fato de o Estado adotar uma filosofia como base
de suas atividades pedagógicas o coloca em um dilema: ou essa filosofia será
católica ou não. No primeiro caso, o atual Governo terá prestado ao País um dos
mais assinalados serviços que lhe poderia prestar.
Serão reais os perigos que, segundo afirma a
imprensa estrangeira, ameaçam a independência do Brasil?
Evidentemente, o que tem caracterizado nossos
comentários é uma atitude de colaboração e de expectativa simpática. E nem
poderia deixar de ser assim. Católicos e exclusivamente católicos que somos,
estamos na disposição de cooperar com qualquer regime que não hostilize a
Igreja. E, nessa atitude, outra coisa não fazemos senão obedecer as diretrizes
da própria Igreja. Evidentemente, não queremos dizer que essa cooperação
obrigue todos os católicos a qualquer incondicionalismo
político. Mas todos os católicos são obrigados a cooperar com as autoridades em
tudo que elas empreenderem de favorável à orientação católica, com reserva de
sua independência em outros pontos. Parece-nos impossível falar mais claro.
A posição do “Legionário”, pois, é a mesma que
sempre teve: sem compromissos políticos com quem quer que seja, sem incondicionalismo de espécie nenhuma, sem intromissão em
qualquer questão que não interesse à Santa Igreja, ele está disposto a aplaudir
tudo quanto se fizer de bom e também, tanto quanto lho permitirem as leis em
vigor, a discordar de tudo quanto não lhe pareça conveniente. Se, no
cumprimento desse dever, tiver de “pisar
nos calos” de A ou B, tanto pior; nem por isto, deixaremos de seguir nosso
caminho.
Fizemos estas considerações para que se compreenda
exatamente a posição inteiramente apolítica com que vamos abordar um dos pontos
mais delicados da política brasileira atualmente, que é a influência
estrangeira no Brasil.
Católicos, e exclusivamente católicos, somos
exatamente por isto ardorosos patriotas. Sem tender para um jacobinismo
imbecil, repugna-nos também aceitar uma atitude de displicência em relação aos
mais fundamentais interesses de nossa soberania, pois que esta última atitude,
além de imbecil, seria criminosa. Falaremos, pois, com toda a clareza possível.
Qualquer observador, ainda que inteiramente
desprevenido, não poderá deixar de verificar que os artigos e comentários de
imprensa européia e americana, relativamente ao Brasil, se tornam cada vez mais
freqüentes, extensos e documentados.
Há poucos anos atrás, não era assim. Os jornais
europeus se preocupavam com o Brasil como os do Brasil se preocupavam com as
populações do interior da África ou do fundo da Austrália: ignoravam-lhes os
nomes, e só tratavam delas para referir casos maravilhosos de serpentes que
voam, de peixes que gritam, ou de estrelas que caem do céu carregadas de ouro.
Por que tanta diferença entre 1937 e 1934? A razão
é óbvia. Cada vez mais, se aproxima do atormentado mundo contemporâneo o
espectro de uma grande guerra. E com isto o Brasil cresce de
importância, porque é um celeiro inesgotável de recursos de toda a natureza,
desde o petróleo que se afirma existir no nosso subsolo, para abastecimento dos
reservatórios dos automóveis e dos “tanks”, até os alimentos destinados à nutrição dos
combatentes. Sem qualquer sombra de patriotada, é lícito afirmar que o Brasil
pode ser um aliado de decisiva importância em qualquer conflagração mundial.
Isto posto, não é difícil perceber que as potências
internacionais (...) haveriam de intervir em nosso política interna, para
assegurar o eventual apoio do Brasil em caso de guerra. Essa “intervenção” faz-se por dois processos.
Um deles constitui na formação de grandes, sólidos e compactos núcleos de
imigrantes em certos pontos do território brasileiro, núcleos estes que, de um
momento para outro, se poderiam transformar em verdadeiras “rochellas” dentro do Brasil.
O outro processo consiste em “manipular” habilmente os fantoches da alta politicagem, extraindo
deles todos os proveitos políticos e econômicos que se pode desejar. Ambos os
processos tem muito êxito, e tem sido largamente praticados. Para que alguém se
cientifique do segundo desses processos, bastará ler algum dos capítulos de
Gustavo Barroso sobre o “Brasil, colônia de banqueiros”, livro que, ao par de muitas afirmações infundadas e
injustas, contém uma boa soma de verdades que até aqui pouca gente tem tido
coragem de publicar. Para que alguém se inteire do primeiro, é suficiente olhar
para os grande núcleos japoneses e alemães existentes pelo Brasil a dentro, não
só em São Paulo mas ainda em Santa Catarina. Só os cegos poderão não ver o
perigo que aí se manifesta.
O imperialismo bancário e o imperialismo
imigratório constituem um problema que precisa ser resolvido.
Para que se reconheça que o perigo dessas grandes
concentrações de núcleos estrangeiros não é quimérico, basta atender para o que
se deu nos Estados Unidos, por ocasião da entrada desse país na grande guerra.
Os alemães, austríacos, húngaros, etc., residentes na República, e seus
respectivos descendentes, eram tão numerosos que os Estados Unidos tiveram de
vencer imensas resistências internas, para conseguir mandar tropas e víveres
para os aliados. No próprio porto de New York, alguns
navios foram clandestinamente postos a pique, quando seguiam carregados para a
Europa, e evidentemente não foram os aliados os responsáveis por esses
inexplicáveis naufrágios.
Onde quererá o “Legionário” chegar com tudo isto?
É muito simples. É necessário, hoje mais do que
nunca, que sejam eliminados da política, de um ou de outro modo, todos os
agentes de manobras internacionais, quer os politiqueiros de alta plana, (...) quer
os agentes de certas grandes potências que sonham em transformar o Brasil em
uma nova Coréia.
Quanto aos núcleos estrangeiros, é imperiosamente
necessário que:
1) seja absolutamente vedada aos consulados
estrangeiros toda e qualquer intervenção nos referidos núcleos, evitando-se
assim formação de escolas consulares, e outros meios de formação de um espírito
refratário à assimilação dos estrangeiros pelo ambiente brasileiro;
2) é indispensável que em tais núcleos sejam
introduzidos gradual e lentamente importantes contingentes de populações
brasileiras, como imigrantes nordestinos etc., ou ainda que se contrabalance um
problema com outro, transportando para os núcleos já existentes, imigrantes de
origem racial inteiramente diversa, mesclando as populações de modo total.
Sem estas duas providências, bem possível é que o
Brasil, mais cedo ou mais tarde, se transforme em outra China.
Em última análise, então, o “Legionário” é contra a
imigração alemã e japonesa? Não, não e não. Pelo contrário, reputamos desejável
e talvez até indispensável que se facilite o ingresso de imigrantes de ambas as
procedências no Brasil.
O japonês apresenta admiráveis qualidades de
trabalho e de disciplina. O alemão é um imigrante de primeiríssima categoria,
cujo valor nem sequer a mais requintada má fé poderia negar.
Mas o que o “Legionário” não pode aplaudir é que os
imigrantes japoneses e alemães continuem isolados da vida e do pensamento
brasileiro, formados em grossos e densos núcleos, insulados em associações
esportivas, culturais e beneficentes privativas deles, em lugar de se
assimilarem ao ambiente brasileiro. Contra isto, levantaremos sempre nosso
protesto.
E principalmente o que não podemos permitir é que,
em tais núcleos, os consulados estrangeiros tenham uma autoridade moral - e às
vezes até uma autoridade de fato - tão grande ou maior do que as próprias
autoridades brasileiras.
E que patriota sincero e esclarecido ousará dizer
que estamos errados?