A nota dominante no ambiente em que vivia o mundo
antes da guerra européia era, incontestavelmente, o otimismo. Diversos fatores
concorriam para isto. O primeiro e maior deles era a prosperidade geral que
dava à civilização burguesa então florescente uma aparência de esplendor capaz
de iludir e de inspirar confiança até aos mais precavidos. Em segundo lugar, a
influência do evolucionismo, então muito generalizada, incutia em todos os
espíritos a persuasão de que a humanidade caminharia inevitável e resolutamente
pela senda do progresso, até atingir uma idade de ouro, na qual o homem pudesse
realizar, com o único auxílio da ciência, a sua perfeição intelectual e física.
Em terceiro lugar, o imediatismo e as preocupações
muito mais apaixonadas pelos trabalhos de imediato interesse econômico do que
pelas longas indagações de caráter filosófico e social, cegavam muitos
observadores que dispunham de todas as qualidades necessárias para fazer um
juízo seguro e imparcial a respeito da situação do mundo. A conjunção de todos
estes fatores derramava sobre a superfície do mundo uma tranqüilidade e uma
aparência de estabilidade que parecia desafiar as mais formidáveis tormentas.
Se tal se dava na Europa, onde nem sequer os rugidos
cada vez mais agressivos da I, II e III Internacional conseguiam abrir os olhos
dos soberanos e chefes de Estado, na América, onde a propaganda comunista e os
problemas sociais não existiam, ou eram muito incipientes, a tranqüilidade
ainda era mais absoluta. E nosso Brasil, que já por sua índole é pacato e
caseiro, pouco afeito a aventuras arriscadas e muito amigo de conciliações,
dormia o sono tranqüilo e imperturbável dos que não tem inimigos a temer nem
perigos a recear. Falar, no Brasil do início deste século, em convulsões
sociais, em lutas de classe, em subversões catastróficas, seria qualquer coisa
de tão ridículo quanto profetizar o imediato fim do mundo.
Vaticínios desta natureza eram bons apenas para
cartomantes, novelistas ou malucos. Quanto aos sociólogos de renome, aos
catedráticos das escolas superiores, aos bonzos do jornalismo, aos figurões das
academias de letras, só lhes ficava bem uma atitude: a de ignorar risonhamente qualquer crise ou perigo.
Foi neste ambiente otimista e míope, que o
Episcopado Nacional lançou, nos primeiros dias do novo século, uma estupenda
Pastoral Coletiva, pouco conhecida entre nós atualmente, mas que repercutiu
naquela época como uma trovoada formidável em céu sereno.
Disse uma vez Tristão de Athayde, com sobrada razão, que a Igreja está sempre com um
progresso de algumas décadas em relação à generalidade dos homens de Estado no
apreciar e antever o curso dos fenômenos políticos, sociais e econômicos. A
Pastoral de 1900 é uma prova
insofismável desta verdade. Denunciando a crescente corrupção dos caracteres, o
olvido sempre mais geral de nossas tradições, a indiferença religiosa das
classes cultas que mal disfarçavam uma positiva animosidade contra a Santa
Igreja de Deus, e a divulgação cada vez mais intensa de doutrinas que, remota e
indiretamente, tendiam a destruir toda a ordem, não apenas religiosa mas civil,
o Episcopado Brasileiro procurou sacudir nossa Pátria, acordando-a do torpor em
que jazia, para lhe dar consciência da perigosa situação em que se encontrava.
E, em frases de uma eloquência verdadeiramente apocalíptica, os Bispos do
Brasil prenunciaram que, a continuarem as coisas no caminho que seguiam, dia
viria, e não muito distante, em que as mais sérias catástrofes ameaçariam nossa
Pátria.
Não percamos de vista, na prolixidade das questões
atuais, o mais grave dos problemas nacionais
Inútil é dizer que a voz profética de nossos
Pastores não foi ouvida pelos que então eram responsáveis pelos destinos do
País. Por um momento, os espíritos se concentraram sobre as cores sombrias do
panorama nacional, que o Episcopado reproduzia tão fielmente na sua Pastoral.
Mas essa atitude foi de duração passageira. E,
pouco depois, o mesmo riso alvar do seu otimismo infundado escancarava os
lábios de nossos políticos, jornalistas e banqueiros.
Menos de 50 anos depois, os tristes prenúncios da
Pastoral Coletiva se confirmaram, e o Brasil se viu a braços com os mais sérios
problemas sociais, a servirem de pretexto para a semeadura de idéias contrárias
à nossa Religião e à índole de nosso povo.
* * *
Se, em 1900, os Bispos brasileiros souberam ser
médicos bastante perspicazes para fazer o diagnóstico de um mal secreto que
ninguém percebia, deram com isto ares suficientes de sua clarividência, para
que se aceitasse o principal remédio que prescreveram. Esse remédio não foi
outro senão a instrução religiosa, insistentemente recomendada por nossos
Pastores.
De que valerá toda a ação desenvolvida pelos católicos
enquanto não for devidamente estudada nossa Religião?
Os católicos, colocados em um regime em que o Poder
Executivo está aparelhado com todos os elementos necessários para reprimir o
comunismo, devem aproveitar esta situação, para ministrar intensamente, ao povo
brasileiro, a instrução religiosa cuja falta é, em última análise, a causa dos
nossos males mais fundamentais.
Sob o ponto de vista jornalístico, seria sem dúvida
mais interessante que oferecêssemos hoje, a nossos leitores, considerações
palpitantes sobre os acontecimentos que passam. Mas nosso dever é outro. É
preciso chamar mais uma vez a atenção de todos os católicos para o grande
problema central do Brasil, central por ser o ponto de irradiação de todos os
outros problemas. Se o Brasil for consciente, intensa, entusiasticamente
católico, poderá atingir a grandeza a que está chamado por sua vocação
histórica e providencial. Mas se sua Fé continuar tíbia, se continuarem mornas
as convicções, se Cristo não for realmente o Rei dos corações dos brasileiros,
nossa Pátria estará irremediavelmente afastada do único caminho em que pode
realizar sua missão. Porque Nosso Senhor Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade, a
Vida, e o Brasil, se não estiver com Ele, sairá do Caminho, apostatará da
Verdade, e perderá a Vida.
Ninguém pense, no entanto, que para integrar o
Brasil no espírito católico seja necessário converter nosso País. O Brasil é
uma das maiores nações católicas do Mundo, e o que lhe falta, graças a Deus,
não é a Fé mas a instrução religiosa.
É magnífica a ofensiva que os católicos de São
Paulo desferem em todos os campos da atividade social, para restaurar o reinado
de Nosso Senhor Jesus Cristo no Brasil. Incontestavelmente, é esta a mais
indispensável das obras que devamos empreender. Porém, na prolixidade dos
diversos fins associativos, na multiplicidade dos numerosos problemas, é
preciso não esquecer essa verdade fundamental: o Brasil, do que precisa mais do
que tudo, é Catecismo.
Porque como será possível recatolicizar
uma Nação, quando a maior parte dos católicos nem sequer saberia dizer de cor
os dez mandamentos da Lei de Deus, ou os cinco mandamentos da Igreja, ou os
Sacramentos? Se falta a base, do que vale todo o resto?