Legionário, N.o 269, 7 de novembro de 1937

Maritain, o Duce e uma carta anônima

Há dias atrás, recebeu esta folha uma carta que não trazia assinatura, mas que, pelo seu contexto, manifestava ter sido escrita por um católico bem intencionado e por um italiano patriota. Estas duas qualidades merecem para o missivista nossa maior simpatia. Por isto, abrindo exceção à nossa praxe em relação a cartas anônimas, nós lhe damos nestas linhas a resposta que, em virtude da falta de endereço, pelo correio não lhe poderíamos dar.

À primeira vista, podem os leitores supor que é inadequado tratar em um artigo de fundo de uma carta que só a nós e ao missivista poderia interessar. Mas como a carta reproduz uma série de críticas que, mais de uma vez, nos tem chegado aos ouvidos, aproveitamos a ocasião para responder a quantos, direta ou indiretamente, concordem com o missivista anônimo... que talvez não seja tão anônimo quanto ele próprio pensa, pois que supomos ter erguido a ponta do véu atrás do qual diz ele ocultar seu anonimato.

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É a seguinte a missiva cuja singular ortografia conservamos intacta:

Caro “Legionário”:

Socega leão... é de moda!...

Porque o “Legionário” que tem tanto interesse em defender o Sr. Maritain (filósofo católico, tipo católico basco, lembras?...-) e tem pois tanto ódio para a Itália do Duce que não lhe fez nada de mal?... Cada número do “Legionário” tem mais veneno para a pátria de Dante do que vontade de colaborar no esforço patriótico contra o comunismo. Maritain (cattolico ondeggiante) não teve escrúpulo de consciência em defender Barcellona e Valencia, os matadores de padres, freiras, etc... contra as palavras do bispado espanhol e até do Card. Verdier, contra a consciência católica do mundo.

Não vamos exagerar... Ainda que a Itália receba com toda a honra o Sr. Itler, isso não quer dizer que pensa como ele em matéria de religião, todos sabem que é política de legítima defesa.

Vamos lá!... O “Legionário” esta com a democracia ou não!... Pois bem, também aquela de Valencia, do Luiz Carlos Prestese, etc... chama-se democracia como também é democracia a da Frente Popular do Maritain. Muitas coisas não se podem dizer, mas o bom “Legionário” deveria ter mais cálculo e mais justiça e não alarmar-se com a visita de Mussolini a Alemanha, quando pior ainda Negrin, Prietto, vão a França para receber mais dinamite para destruir mais Egrejas e matar mais padres.

Acho que a parte mais sadia esta mais do lado de Mussolini do que do lado do Sr. Blum!

Porque o “Legionário” não tem um programa mais bem definido? de um lado defende a democracia e ataca o fascismo, de outro ataca a democracia o integralismo e não se compreende do que lado está o direito. Para onde deve pender o voto do pobre católico?... Si nenhum dos três, presta?... Deve colaborar para o demônio vermelho? Com inimigos de Deus?... Responda!...

A religião é mais respeitada na Itália ou na França, onde os bispos até choram para o futuro desta grande terra?

Quando tiver que dar notícias sobre a posição religiosa da Itália, seria bom, louvável e decoroso traduzir (bem... sic...) o pensamento do órgão oficial do Vaticano e não notícias tendenciosas. Bonito é o ideal do caro “Legionário” em relação a Itália; o católico de fato de ser preocupação para o futuro religioso desta bendita depositária da nossa S. Religião e a alma bondosa do brasileiro deve rezar para isso nesta hora de grande confusão.

Perdoe o bom “Legionário” e seja sempre o defensor da alma católica brasileira, mas não se deixe iludir muito pelo feitiço da democracia.

Um vibrante

SALVE MARIA!!

Um amigo fervoroso, humilde...

 

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Solidariedade incondicional, nós só a podemos tributar à Santa Igreja de Deus. E a mais ninguém.

 

Vamos primeiro ao caso de Maritain.

Esse filósofo foi, recentemente, objeto de dois debates inteiramente distintos, um filosófico e doutrinário, outro pessoal e político.

Nos debates filosóficos, o “Legionário” se colocou ao lado dos que, sem negar o imenso valor e os reais serviços prestados pelo grande intelectual francês, reconhecem em sua obra algumas sombras contra as quais precisam ser acautelados os seus leitores católicos.

Nesta crítica, nada há nem poderia haver de agressivo e pessoal. Seria muito de desejar que a grande figura de Maritain sobrepairasse acima dos debates e das discussões para se impor pacificamente à admiração de todos os intelectuais católicos e não católicos. Mas uma vez que sua obra apresenta sombras que podem conter perigos, é necessário premunir a opinião católica, porque o interesse das almas está acima de tudo. É realmente doloroso que nos vejamos na necessidade de fazer estas restrições. Mas a culpa não é nossa, mas de quem as mereceu.

Não se diga que a autoridade do grande filósofo o coloca acima de nossas apreciações. Por maior que ele seja, Maritain é um homem, e apenas um homem. Solidariedade incondicional, nós só a podemos tributar à Santa Igreja de Deus. E a mais ninguém.

Vamos agora ao debate político. Mais de uma vez, o “Legionário” manifestou seu cabal e formal desacordo com a atitude que Maritain tomou no caso dos católicos bascos. Basta ler, ainda que superficialmente, nosso jornal, para ver que nossa orientação neste ponto é diametralmente oposto à de Maritain.

Isto não obstante, manda a justiça que refutemos todas as versões falsas que por aí se veiculam segundo as quais Maritain teria tido um entendimento positivo e explícito com “leaders” comunistas, a quem conscientemente, estaria servindo. Que Maritain tenha errado, é certo. Que seja um traidor da civilização católica, isto não passa de uma abominável calúnia.

É curioso que a atitude que assumimos, tão imparcial e tão moderada, nos valeu as críticas de ambos os lados.

De um lado amigos ardorosos de Maritain lamentavam nossa atitude dizendo que desprestigiávamos sua grande figura aos olhos dos adversários da Igreja, como se para manter o prestígio de um homem, devêssemos sacrificar o interesse das almas que devemos premunir contra o erro.

De outro lado, os adversários de Maritain nos censuram porque não endossamos tudo quanto, num surto de imaginação febril, quiseram eles inventar contra o ilustre intelectual francês.

A despeito de tudo isto, e tendo embora considerado com toda a atenção e simpatia algumas observações ponderáveis que nos foram feitas quanto a nossa atitude sobre Maritain, não temos um til ou uma vírgula sequer a modificar no que escrevemos, e, sempre que as circunstâncias se repetirem, agiremos exatamente do mesmo modo por que agimos.

Vamos agora ao caso da Itália, da Alemanha, de Mussolini e de Hitler.

É certo que o “Legionário” tem atacado incessantemente o Sr. Hitler. Neste terreno, agimos bem, e não admitimos a menor discussão. Quem quiser censurar-nos a este propósito e queira fazê-lo na qualidade de católico, não merece sequer uma resposta. Ou está de má fé, ou é demente.

Quanto a Mussolini, já temos dito mil e uma vezes que reconhecemos e aplaudimos a correção com que, mais de uma vez, ele agiu na Itália em relação à Igreja. Isto não impede, porém, que deploremos que o Duce, na aproximação que promove com a Alemanha, saia do terreno exclusivamente internacional e diplomático em que legitimamente se poderia colocar, para proclamar sua solidariedade com o regime nazista até nos seus aspectos filosóficos e morais, que são nitidamente anti-católicos, e chegue mesmo a proclamar que uma crescente afinidade se notará, doravante, entre o fascismo e o nazismo.

Não queremos fazer ao Sr. Mussolini a injúria de supor que esteja falando sem sinceridade e que, por simples conveniência política, bate palmas a uma ideologia que, no fundo, reprova. Nosso missivista parece insinuar isto. Mas neste terreno, somos nós que defendemos o Duce, repelindo a hipótese de ser ele um político sem palavra, sem honra e sem dignidade.

Aliás, a afinidade entre fascismo e o nazismo, no terreno doutrinário, é patente. Só um cego poderá contestar.

Quer isto dizer que estamos cheios de fel para com a “Pátria de Dante”? Esta suposição só merece um sorriso de complacência. Então, porque fazemos restrições a um homem, quer isto dizer que odiamos o país inteiro?

Aos que nos criticam quando fazemos restrições ao Sr. Mussolini - restrições, note-se bem, e nunca ataques cerrados, generalizados e sistemáticos - respondemos como Nosso Senhor: se nossas restrições estão erradas, mostrem-nos onde está o erro; se não estão erradas, por que nos atacam? Não basta reclamar e protestar: é preciso refutar.

Quanto ao “Osservatore Romano”, é tão evidente que ele acolheu com a máxima frieza a visita do Duce à Alemanha, que a própria imprensa nazista registrou o fato.

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Não preferimos a França à Itália ou a Alemanha à Inglaterra. Nossa única preferência é pela Igreja e pelo Brasil.

 

Uma rápida palavra, ainda, sobre a França e a Inglaterra. É certo que o “Legionário” prefere a França e a Inglaterra à Itália? É certo, ao menos, que ele tem poupado mais os estadistas daqueles dois países do que o grande, e incontestavelmente grande Mussolini?

Bastará ler nossas coleções e ver as críticas vivazes que fizemos ao Sr. Blum, quando este governava a França, e ao rumoroso escândalo de Eduardo VIII, para ver até que ponto é infundada tal opinião. Tão verdade é isto que até chegamos a receber queixas atenciosas, mas positivas, de pessoas chegadas à colônia francesa nesta Capital.

De mais a mais, por que preferir a França e a Inglaterra à Itália e à Alemanha? Somos católicos, e exclusivamente católicos. As rivalidades entre países com que nada temos de ver embora os admiremos, não nos interessam. Só o que nos interessa é a Santa Igreja e nossa Pátria.

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Com quem está o “Legionário”? Com as democracias? Com os regimes de força? A resposta é simples. O “Legionário” está com a Igreja e só com ela. As democracias estão inteiramente com a Igreja? Não. Os regimes da Itália e da Alemanha são regimes realmente e totalmente católicos (perdoem-nos os leitores o pleonasmo, porque só se é católico, sendo-o totalmente)? Também não. Então o “Legionário” não pode estar nem com uns nem com outros, consistindo seu dever em elogiar ou censurar a todos na medida exata em que sua atuação coincide ou se distancia dos princípios católicos.

É o que temos feito.