Plinio Corrêa de Oliveira
A Festa de Cristo Rei
Legionário, 31 de outubro de 1937 |
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A
Igreja consagra o dia de hoje, último domingo de outubro, à comemoração da
festa de Cristo Rei. Foi o Santo Padre gloriosamente reinante que
instituiu essa solenidade a fim de reavivar entre os fiéis a lembrança da
soberania de Jesus Cristo sobre as pessoas e os povos.
A
verdade ensinada por Sua Santidade na Encíclica de 11 de Dezembro de 1925
não é mais do que a reprodução do que a Igreja sempre ensinou e praticou.
Pio XI
veio reafirmar em pleno século XX a tradição observada sempre pela Igreja,
já no tempo em que o Papa Leão III coroava Carlos Magno Imperador do
Ocidente, já na época em que, mil anos mais tarde, o Pontífice Leão XIII
ensinava na “Immortale Dei” a obrigação
dos Estados renderem um culto público a Deus, em homenagem à sua soberania
universal.
Mas o
nosso tempo, dominado pelo laicismo, deixou de
reconhecer as prerrogativas reais de Nosso Senhor Jesus Cristo. Daí
provêem todos os males da sociedade atual, por ter pretendido organizar a
vida individual e social como se essa realeza não existisse, e até em
oposição formal a ela.
Tal a
grande apostasia de nossos tempos, que produziu os frutos amargos do
orgulho e do egoísmo, no lugar da Caridade, do amor de Deus e do próximo,
gerou a inveja entre os indivíduos, o ódio entre as classes, as
rivalidades entre as nações. Por isso é que no mundo moderno encontraram eco a voz de um Nietzche, endeusando o super-homem no paroxismo do orgulho, a pregação de um Marx lançando as classes sociais umas contra as outras ou a palavra alucinada de um Rosenberg incensando a pretendida raça pura dos alemães.
Só a
ação social católica é capaz de remediar a todos males de nossa época,
fazendo Cristo reinar na sociedade.
* * *
As
advertências de Pio XI, ao instituir a solenidade de Cristo Rei,
revestem-se, portanto, de uma grande atualidade. Suas palavras dirigidas
paternalmente aos católicos do mundo inteiro parecem ter sido ditas de
modo particular para os brasileiros.
A
desordem em que se encontra o Brasil em 1937 não é senão o fruto daquele
mesmo mal apontado por Sua Santidade como causa da anarquia geral do
mundo: o laicismo.
Nas
discussões sobre os males provenientes da República de 1889, muitos há que
deixam de lado o maior deles, fundamental, o laicismo
da Constituição de 1891.
Desde a
promulgação dessa Constituição, o Brasil começou a assistir a tentativa de
se organizar a sua vida social abstraindo inteiramente da soberania divina
de Jesus Cristo.
Cristo
foi expulso das escolas, e em lugar da moral católica - a única que pode
dar ao homem a razão pela qual ele é obrigado a cumprir os seus deveres -
começou-se a ensinar um ridículo culto à humanidade ou uma instrução moral
e cívica inócua e contraproducente. Desses frutos do positivismo
republicano ainda restam alguns vestígios em institutos
correcionais, em certas bibliotecas e alguns
colégios leigos que trazem nas paredes inscrições análogas ao lema da
nossa bandeira, de inspiração filantrópica e humanitária inteiramente
laicista.
Cristo
foi expulso dos quartéis pela negação da assistência religiosa aos
soldados, e a formação das classes armadas se baseou, daí por diante,
exclusivamente num culto à pátria sem fundamento e sem consistência,
incapaz de resistir aos assaltos feitos pela propaganda comunista para
apagar duma vez esses restos de patriotismo, que fora do catolicismo
dificilmente resistem à dialética da III Internacional.
Cristo
foi expulso dos tribunais, onde, como já dissemos certa ocasião, a sua
imagem para muitos significa não a de um Deus que se deve adorar, mas
apenas uma homenagem platônica ao “maior homem que já existiu sobre a
terra”, ou uma recordação sentimental da fraqueza dos juizes humanos,
pela lembrança do iníquo julgamento do
“meigo Nazareno”.
Como
conseqüência, as escolas começaram a formar gerações indisciplinadas e
propensas ao materialismo da época; os quartéis, a se transformar em focos
de desordem e de constantes inquietações para o país; os tribunais, a
absolver os maiores crimes e aviltar a dignidade da justiça.
* * *
Não
admira que num ambiente de tal modo preparado para a germinação das idéias
comunistas, que muitas vezes vinham tirar dos princípios do
laicismo as conseqüências necessárias em que
eles importam; não admira que no Brasil da República de 1889, a ação da
III Internacional encontrasse um campo dos mais propícios para a pregação
de suas doutrinas subversivas.
Mas,
dirão os nossos leitores, não foi exatamente depois de revogada a velha
Constituição e de expulso o laicismo da nossa
Carta Magna - graças aos trabalhos dos deputados eleitos pela Liga
Eleitoral Católica em 1933 - não foi neste Brasil que já tem o ensino
religioso, as capelanias militares e o casamento religioso com efeitos
civis, que o comunismo encontrou tanta facilidade para a sua difusão?
É
precisamente a este ponto que desejávamos chegar. Embora tenhamos
abandonado o laicismo da primeira república,
estamos agora colhendo os seus amargos frutos.
A
Constituição de 1934 veio proporcionar ao Brasil as condições humanamente
indispensáveis para que a ação social católica produza todos os resultados
que são de se esperar dela na reforma das almas e das instituições.
Como
condição “sine qua
non”, vieram as chamadas
“reivindicações católicas”, uma vez vitoriosa, remover o grande
obstáculo do laicismo.
Resta,
agora, a ação decidida e enérgica dos poderes públicos que devem obedecer
a letra e o espírito da lei fundamental do Estado brasileiro, e resta
principalmente a ação dos católicos.
Dizemos
principalmente dos católicos por dois motivos.
Primeiro porque a eles cabe fruir devidamente das regalias que lhes foram
dadas.
Além
disso, é preciso ainda estarem de sobreaviso para não permitir que lhes
possam ser arrancados novamente aqueles direitos, bem como para que sejam
regulamentados convenientemente pelas Assembléias Legislativas.
Por
tudo isso é que domingo último nos declarávamos contra os riscos de
possíveis ditaduras ou quaisquer outras aventuras políticas, de que se
fala por aí no atual momento. Repetimos mais uma vez que estamos longe de
dar às instituições liberal-democráticas a
nossa solidariedade, mas o que nos preocupa é sobretudo manter os
postulados católicos da atual Constituição.
A
questão do regime para nós é secundária. O que nos interessa, e a todo o
católico deve interessar antes de mais nada, é a garantia da mais ampla
liberdade de ação para a Igreja na reforma social. Pois só a ação social
católica é capaz de remediar a todos os males da nossa época, fazendo
Cristo reinar na sociedade. Ao par das medidas que em boa hora o governo deliberou tomar contra o comunismo, é preciso que os nossos homens públicos compreendam que o maior e mais profundo dos anestésicos contra o “vírus” bolchevista está em romper com toda a espécie de laicismo e reconhecer os direitos de Cristo e de sua Igreja. (...) |