O “Diário”, o brilhante jornal de Belo Horizonte
que é uma justa causa de ufania para os católicos do Brasil inteiro, vem
publicando uma série de notas extremamente oportunas, em que premune a opinião
católica contra os pregoeiros de uma eventual ditadura, que se estão
multiplicando sorrateiramente nos bastidores de nossa política.
Começa o “Diário” por mostrar que, a se
considerarem os propósitos publicamente proclamados pelas mais altas
autoridades militares e civis da República, o perigo de uma ditadura não
existe, uma vez que todas elas, de modo soleníssimo e perante o Brasil inteiro,
se manifestaram contrárias ao regime arbitrário.
Estabelecida esta preliminar, é preciso esclarecer
os católicos sobre o que representaria, no momento atual, uma hipotética
ditadura - combatida por nossas autoridades em suas declarações, mais uma vez
acentuamos - que viesse revogar o regime constitucional. Neste assunto, nada
mais teríamos a dizer senão o que já afirmaram nossos brilhantes colegas do
“Diário”.
Evidentemente, a Constituição de 1934 não instituiu
um Estado idealmente católico, e nem mesmo qualquer regime que de longe se lhe
assemelhasse.
É inegável que nossa atual magna carta representa
um progresso sensível sobre a de 91, principalmente sob o ponto de vista
religioso e social. Mas daí a considerá-la ideal, vai uma distância imensa. Em
34 fez-se pela Igreja e pelo Brasil tudo que era possível. Não se fez, porém,
tudo que era necessário. Com isto, está dito o que pensamos sobre o atual
regime.
(...) Como jornalistas católicos, colocamo-nos fora
das questões de forma de governo, e portanto não queremos, não podemos e não
devemos fazer a apologia das atuais instituições.
* * *
Esta posição doutrinária não nos obriga, porém, a
fechar os olhos à realidade. O “Legionário” não é uma mera revista de cultura
intelectual, mas um jornal e, portanto, é de seu dever examinar a realidade
para verificar, dadas as atuais condições que caracterizam no momento o nosso
ambiente político-social, o que convém fazer para acautelar os interesses
religiosos do povo brasileiro.
Ora, neste terreno, declaramo-nos à vista das
circunstâncias como atualmente se apresentam, francamente favoráveis à
manutenção do regime constitucional.
O mais sério argumento que se poderia apresentar em
sentido contrário seria a necessidade de se suspenderem definitivamente todas
as regalias ou franquias constitucionais, sob pena de o comunismo invadir o
Brasil. Evidentemente, se o dilema fosse este, seríamos pela abolição da nossa
lei fundamental. Não nos parece, porém, que essa seja nossa situação. E, para
prová-lo, temos um argumento decisivo: a afirmação dos Ministros da Marinha e
da Guerra, e os documentos apreendidos em poder de Trifino
Corrêa. Tanto nossos Ministros, portadores da palavra de honra
das classes armadas, quanto os documentos encontrados em poder do agitador
bolchevista, afirmam clara, textual e insofismavelmente que é intenção dos
comunistas evitar a realização das eleições no Brasil. Os nossos ministros
militares, na mensagem que dirigiram ao Sr. Presidente da República,
solicitando o estado de guerra, afirmaram textualmente que a não ser decretado
este, segundo “informações seguras, a
explosão comunista se dará antes das eleições gerais de 3 de janeiro do ano
vindouro, eleições cuja realização o comunismo deliberou impedir”. As
palavras são textuais de SS. Ex.as.
Os comunistas, portanto, são contra as eleições.
Ora, sendo contra as eleições devem ser contra a Constituição, porque o único
meio que há de não realizar as eleições é a revogação da Constituição.
* * *
A verdade, a nosso ver, é que o Brasil deveria
realizar, por meios pacíficos, uma reforma orgânica que se está tornando cada
vez mais necessária. Mas é também verdade que, dado o atual estado da opinião
pública, o Brasil não está em condições de proceder a esta obra ingente.
O estado de guerra recentemente proclamado é a
prova mais patente disto. Em outros termos, é ele o reconhecimento oficial de
que o Brasil se encontra gravemente perturbado, e que seu estado é francamente
febril. Será no delírio dessa febre, no desvario dessas agitações, no fervilhar
das inúmeras paixões que anarquizam nosso ambiente político, que havemos de
escolher com serenidade e lucidez a meta para a qual devemos caminhar? Parece-nos
que não.
Ora, a ditadura só interessaria aos católicos como
um estado de coisas transitório, em que um homem de pulso preparasse o país a
receber uma ordem estável e normal, fosse esta ordem qual fosse, democrática,
corporativa ou qualquer outra. Não estando determinada esta meta, e não sendo
possível no momento atual fixar nossos rumos de modo lúcido e sem fazer
violência ao sentir geral ou quase geral do País, não poderia a ditadura
prestar o maior ou o único benefício que dela se poderia esperar. A prova disto
é o regime discricionário de 30-34, que teve como conseqüência a anêmica ordem
legal que ora periclita. Para que rumos guiou ela o Brasil? Para rumo nenhum
porque o estado dos espíritos não o permitiu. Como os “derviches” de certos mosteiros muçulmanos
do Oriente, o Brasil entre 30 e 34 girou vertiginosamente em torno do mesmo
ponto, ficou tonto, cambaleou e, quando acordou, verificou que não tinha saído
do lugar, pois que continuava a ser a mesmíssima e surradíssima
democracia liberal de 91, adaptada e melhorada apenas em alguns pontos.
* * *
Se uma ditadura seria um mal, por que não
produziria benefícios e poderia dar lugar a inúmeros inconvenientes, o que
dizer-se de uma radical e completa mudança do regime?
Retorquimos que, dado de barato, só para
argumentar, que alguma das mudanças atualmente planejadas por nossas correntes
políticas representasse uma vantagem para o Brasil, seria ela inoportuna
atualmente.
Como um enfermo cujo estado de saúde é delicado, o
Brasil não pode, atualmente, submeter-se ao curativo violento de uma cabal
transformação em toda a sua estrutura política e social.
Em primeiro lugar, uma mudança de regime apenas
atenuaria o mal - se é que o atenuaria - que não é político, mas principalmente
moral. Em segundo lugar, esta atenuação hipotética seria feita à custa de
tantos abalos, de tantos perigos, de tantas inovações a cujo respeito nem
sequer o espírito de seus paladinos pode prever todas as minúcias de execução,
que o regime a ser instaurado fracassaria irremediavelmente, matando o doente
para o qual teria sido um remédio por demais violento e radical.
Em suma, a imediata transformação do regime
vigente, por pior que ele seja, seria uma louca e imprudente aventura.
Ora, os católicos não devem querer nem uma ditadura
nem uma aventura. Porque, de qualquer das duas, poderia morrer o Brasil.