Legionário, N.o 267, 24 de outubro de 1937

Nem ditaduras nem aventuras

O “Diário”, o brilhante jornal de Belo Horizonte que é uma justa causa de ufania para os católicos do Brasil inteiro, vem publicando uma série de notas extremamente oportunas, em que premune a opinião católica contra os pregoeiros de uma eventual ditadura, que se estão multiplicando sorrateiramente nos bastidores de nossa política.

Começa o “Diário” por mostrar que, a se considerarem os propósitos publicamente proclamados pelas mais altas autoridades militares e civis da República, o perigo de uma ditadura não existe, uma vez que todas elas, de modo soleníssimo e perante o Brasil inteiro, se manifestaram contrárias ao regime arbitrário.

Estabelecida esta preliminar, é preciso esclarecer os católicos sobre o que representaria, no momento atual, uma hipotética ditadura - combatida por nossas autoridades em suas declarações, mais uma vez acentuamos - que viesse revogar o regime constitucional. Neste assunto, nada mais teríamos a dizer senão o que já afirmaram nossos brilhantes colegas do “Diário”.

Evidentemente, a Constituição de 1934 não instituiu um Estado idealmente católico, e nem mesmo qualquer regime que de longe se lhe assemelhasse.

É inegável que nossa atual magna carta representa um progresso sensível sobre a de 91, principalmente sob o ponto de vista religioso e social. Mas daí a considerá-la ideal, vai uma distância imensa. Em 34 fez-se pela Igreja e pelo Brasil tudo que era possível. Não se fez, porém, tudo que era necessário. Com isto, está dito o que pensamos sobre o atual regime.

(...) Como jornalistas católicos, colocamo-nos fora das questões de forma de governo, e portanto não queremos, não podemos e não devemos fazer a apologia das atuais instituições.

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Esta posição doutrinária não nos obriga, porém, a fechar os olhos à realidade. O “Legionário” não é uma mera revista de cultura intelectual, mas um jornal e, portanto, é de seu dever examinar a realidade para verificar, dadas as atuais condições que caracterizam no momento o nosso ambiente político-social, o que convém fazer para acautelar os interesses religiosos do povo brasileiro.

Ora, neste terreno, declaramo-nos à vista das circunstâncias como atualmente se apresentam, francamente favoráveis à manutenção do regime constitucional.

O mais sério argumento que se poderia apresentar em sentido contrário seria a necessidade de se suspenderem definitivamente todas as regalias ou franquias constitucionais, sob pena de o comunismo invadir o Brasil. Evidentemente, se o dilema fosse este, seríamos pela abolição da nossa lei fundamental. Não nos parece, porém, que essa seja nossa situação. E, para prová-lo, temos um argumento decisivo: a afirmação dos Ministros da Marinha e da Guerra, e os documentos apreendidos em poder de Trifino Corrêa. Tanto nossos Ministros, portadores da palavra de honra das classes armadas, quanto os documentos encontrados em poder do agitador bolchevista, afirmam clara, textual e insofismavelmente que é intenção dos comunistas evitar a realização das eleições no Brasil. Os nossos ministros militares, na mensagem que dirigiram ao Sr. Presidente da República, solicitando o estado de guerra, afirmaram textualmente que a não ser decretado este, segundo “informações seguras, a explosão comunista se dará antes das eleições gerais de 3 de janeiro do ano vindouro, eleições cuja realização o comunismo deliberou impedir”. As palavras são textuais de SS. Ex.as.

Os comunistas, portanto, são contra as eleições. Ora, sendo contra as eleições devem ser contra a Constituição, porque o único meio que há de não realizar as eleições é a revogação da Constituição.

Temos aí um indício precioso de que os interesses católicos exigem, pois, a manutenção da constituição. “Indicio”, dissemos, e não prova. Porque não somos dos que acham que a política dos católicos deve consistir em espiar constantemente o que fazem os comunistas, para fazer o contrário. Confiamos infinitamente mais nas luzes do Espírito Santo, que é o Espírito da Verdade, do que nas da III Internacional insuflada pelo Príncipe das Trevas e do Erro.

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A verdade, a nosso ver, é que o Brasil deveria realizar, por meios pacíficos, uma reforma orgânica que se está tornando cada vez mais necessária. Mas é também verdade que, dado o atual estado da opinião pública, o Brasil não está em condições de proceder a esta obra ingente.

O estado de guerra recentemente proclamado é a prova mais patente disto. Em outros termos, é ele o reconhecimento oficial de que o Brasil se encontra gravemente perturbado, e que seu estado é francamente febril. Será no delírio dessa febre, no desvario dessas agitações, no fervilhar das inúmeras paixões que anarquizam nosso ambiente político, que havemos de escolher com serenidade e lucidez a meta para a qual devemos caminhar? Parece-nos que não.

Ora, a ditadura só interessaria aos católicos como um estado de coisas transitório, em que um homem de pulso preparasse o país a receber uma ordem estável e normal, fosse esta ordem qual fosse, democrática, corporativa ou qualquer outra. Não estando determinada esta meta, e não sendo possível no momento atual fixar nossos rumos de modo lúcido e sem fazer violência ao sentir geral ou quase geral do País, não poderia a ditadura prestar o maior ou o único benefício que dela se poderia esperar. A prova disto é o regime discricionário de 30-34, que teve como conseqüência a anêmica ordem legal que ora periclita. Para que rumos guiou ela o Brasil? Para rumo nenhum porque o estado dos espíritos não o permitiu. Como os derviches de certos mosteiros muçulmanos do Oriente, o Brasil entre 30 e 34 girou vertiginosamente em torno do mesmo ponto, ficou tonto, cambaleou e, quando acordou, verificou que não tinha saído do lugar, pois que continuava a ser a mesmíssima e surradíssima democracia liberal de 91, adaptada e melhorada apenas em alguns pontos.

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Se uma ditadura seria um mal, por que não produziria benefícios e poderia dar lugar a inúmeros inconvenientes, o que dizer-se de uma radical e completa mudança do regime?

Retorquimos que, dado de barato, só para argumentar, que alguma das mudanças atualmente planejadas por nossas correntes políticas representasse uma vantagem para o Brasil, seria ela inoportuna atualmente.

Como um enfermo cujo estado de saúde é delicado, o Brasil não pode, atualmente, submeter-se ao curativo violento de uma cabal transformação em toda a sua estrutura política e social.

Em primeiro lugar, uma mudança de regime apenas atenuaria o mal - se é que o atenuaria - que não é político, mas principalmente moral. Em segundo lugar, esta atenuação hipotética seria feita à custa de tantos abalos, de tantos perigos, de tantas inovações a cujo respeito nem sequer o espírito de seus paladinos pode prever todas as minúcias de execução, que o regime a ser instaurado fracassaria irremediavelmente, matando o doente para o qual teria sido um remédio por demais violento e radical.

Em suma, a imediata transformação do regime vigente, por pior que ele seja, seria uma louca e imprudente aventura.

Ora, os católicos não devem querer nem uma ditadura nem uma aventura. Porque, de qualquer das duas, poderia morrer o Brasil.