Legionário, N.o 266, 17 de outubro de 1937

A data que não se comemorou

Celebrou-se à vontade o dia 12 de Outubro. Festejou-se retumbantemente o “dia da Raça”, que, seja dito de passagem, deu ocasião a diversas solenidades, algumas das quais apresentaram aspectos muito censuráveis. E a estas comemorações a imprensa diária consagrava extensas laudas de papel. Mas um silêncio quase absoluto se tem feito sobre outra data de importância capital. Que saibamos, só a seção religiosa do “Estado” lhe consagrou um comentário condigno pelo valor e pela extensão. Esta data foi o 10º aniversário da Federação Mariana.

Realizamos uma obra de apostolado verdadeiramente portentosa e providencial. A Federação Mariana tem desenvolvido uma intensa propaganda sempre que com isto pode atingir a maior glória de Deus e a ampliação de seu  raio de atividade. Mas quando se trata de comemorar os triunfos obtidos e as batalhas vencidas, quando se trata de exaltar simplesmente a obra do Apóstolo que está à sua testa, faz-se um silêncio de pedra, exigido peremptoriamente pela humildade do digno irmão de hábito de Anchieta e de Nóbrega que a preside. É esta a característica de todas as obras de Deus. As obras de apostolado, na Santa Igreja, podem ser comparadas aos quadros da escola flamenga, caracterizados pelos formosos jogos de luz e de sombra que neles se notam. Luz, para atrair a atenção sobre os personagens principais e as cenas centrais. Sombra, para dar maior relevo a esta luz. Assim também na luta pela Igreja, o apóstolo se coloca à sombra, para que toda a luz convirja para o que realmente é substancial, que é o trabalho da graça de Deus.

O “Legionário”, porém, exatamente por não ser órgão da Federação Mariana ou de qualquer Congregação, tem o direito e o dever de por em evidência o muito que tem realizado a Federação.  (...) A civilização católica (...) só pode ser obra da Igreja e de filhos desta, realmente integrados na sua alma e não apenas no seu corpo.

Se a impureza ou a impiedade germinarem no coração dos mais truculentos adversários do comunismo, ainda mesmo derrotado, este renascerá sob outra forma, no próprio recesso da alma dos vencedores. Quer-se uma prova? Aí está a Alemanha à vista de todos.

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Usar distintivo mariano significa proclamar-se crente e puro. É esta a verdadeira proclamação da independência do Brasil contra os que o querem conquistar.

 

Compreende-se, por tudo isto, o admirável valor das Congregações Marianas, que por obra da Federação, estão sendo disseminadas por todo o Estado de São Paulo. O Congregado Mariano é uma pregação permanente de Fé e de Pureza. Seu distintivo, hoje tão freqüentemente encontrado pelas ruas, significa uma afirmação solene de Fé e de pureza. Usar o distintivo mariano significa proclamar-se crente e puro. É esta a verdadeira proclamação da independência do Brasil, não apenas de Moscou (...) mas de todas outras forças (...) que quereriam escravizá-la.

Já temos dito inúmeras vezes que só a vitória da Igreja salvará o Brasil. O movimento mariano, poderosa irradiação que é do espírito da Santa Igreja, constitui hoje um preciosíssimo e talvez incomparável fator para esta vitória. Bem sabemos que a Igreja não precisa de Congregações ou de quaisquer outras associações para vencer. Mas o aparecimento de um movimento como o da Federação, no Estado de São Paulo, é um penhor seguro do desejo da Providência de salvar o Brasil.

 

O comunismo só será definitivamente vencido no Brasil no dia em que for solucionada nossa crise religiosa.

 

O décimo aniversário da Federação Mariana é, pois, o décimo aniversário da inauguração de uma era de graças e de bênçãos para o Brasil. E os católicos brasileiros devem agradecer vivamente a Nossa Senhora Aparecida que não seria isto de autêntico espírito católico, mas com o objetivo de mostrar aos leitores o muito que o Brasil deve, no momento atual, a Nossa Senhora.

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Em artigo recentemente publicado, comentamos por estas colunas a história íntima de Paulo Setúbal, e mostramos que não foi outro o itinerário da maior parte dos homens de sua geração, com a única e dolorosa diferença que estes últimos, na sua generalidade, não subiram o calvário final, ao alto do qual Paulo Setúbal encontrou o perdão e a salvação.

Tivemos, então, ocasião de frisar uma verdade que é substancial para se compreender os problemas políticos, sociais e até econômicos do Brasil. E queremos, rapidamente, insistir sobre esta verdade no presente artigo.

Na base de todas as complexas e múltiplas crises brasileiras, há uma crise moral. Lembro-me de uma viagem que fiz, há um ano atrás, para Campinas, em companhia de um dos mais conhecidos e mais poderosos comerciantes de café da praça de Santos, homem que terá, talvez, algum sentimento religioso, o que não posso afirmar nem contestar, mas que, certissimamente, não é católico praticante e está muito e muito pouco enfronhado de coisas religiosas. Fez-me aquele meu companheiro de viagem uma extensa e interessantíssima exposição sobre a situação do café, que ele examinou com sua perícia de técnico abalizado, sob os seus mais variados prismas. E chegou à conclusão de que a crise do café só existe porque a classe dos agricultores, mal unida, imediatista, imprevidente, não tem sabido até o presente momento organizar-se. Dissertou mais algum tempo sobre este último aspecto do problema, analisando-o detidamente, para acabar concluindo: “vê o Sr. que nossa crise do café é toda ela moral”.

Este depoimento autorizado e insuspeito mostra até que ponto os problemas nacionais, mesmo os de natureza técnica e financeira, se originam na realidade de uma crise moral.

Ora, a crise moral brasileira, como qualquer crise moral, outra coisa não é senão uma crise religiosa. É para resolver nossas questões religiosas, portanto, que se deveriam empenhar os esforços mais insistentes, as atividades mais fecundas, as inteligências mais perspicazes.

Infelizmente, porém, a realidade que vemos é muito outra. O comunismo, que não é senão o período final de uma longa enfermidade moral e social, está sendo combatido no terreno político, no terreno militar, e no terreno social (embora neste mais fracamente). Há quem cogite até de organizar todos os cidadãos prestantes como um imenso exército anticomunista no Brasil. Longe de nós desencorajar qualquer tentativa de reação anticomunista. Não seria apenas uma inépcia, mas um crime. Mas o que é positivo, evidente, inegável, é que estas providências só podem, na melhor das hipóteses, adiar a crise. Quanto a resolvê-la, não a resolverão. Porque o comunismo só estará definitivamente vencido no Brasil no dia em que for satisfatoriamente solucionada nossa crise religiosa.

Mas, dir-se-á, há uma questão religiosa no Brasil? Não aludo aqui a algum conflito entre a Igreja e o Estado. O problema religioso do Brasil, infelizmente, é muito mais profundo do que um simples dissídio entre os poderes espiritual e temporal, pois que ele crava suas raízes no coração das massas e na inteligência das elites. Aí e só aí é que tem de ser resolvido. Qualquer outra solução será precária se não totalmente vã.

As estatísticas indicam que o Brasil é um dos países mais homogêneos do mundo, sob o ponto de vista religioso. A quase totalidade de seus habitantes é católica. Se esses católicos fossem membros não apenas do corpo, mas ainda da alma da Santa Igreja, o Brasil não recearia o perigo comunista. Mais ainda. Ele seria já hoje um dos maiores países do mundo, grande pela sua prosperidade material, mas admirável sobretudo pela riqueza inesgotável de suas reservas religiosas e morais, capazes de fazer dele um verdadeiro campeão da Igreja e da civilização na hora dramática em que vivemos.

O problema religioso do Brasil não consiste tanto em converter os que não são católicos, quanto em afervorar os que são católicos pela metade... coisa monstruosa, pois que um católico ou é monoliticamente católico, ou não o é de todo em todo.

Mas qual o meio de conseguir essa integração completa do Brasil no espírito da Igreja? Quais os fatores dessa geral tibieza que caracteriza infelizmente nossas massas, sob o ponto de vista religioso? A resposta é simples. Muitos tem pouca Fé porque não são puros. Outros não são puros porque tem pouca Fé. A Fé e a pureza são os pontos de ataque prediletos da impiedade em nossos dias. E vencida uma, a outra tende a extinguir-se rapidamente.

Daí, dessa impureza, dessa tibieza da Fé, decorre a instabilidade da família e a imoralidade que geralmente se nota. Castidade” e “virgindade” são duas palavras que, em muitos meios, causam hoje em dia mais estranheza e são reputadas mais “shoking” do que qualquer palavrão obsceno. Tempo houve em que se supunha que estas duas virtudes eram privativas apenas da mulher, e que acarretavam para o homem um “capitis diminutio” vexatória. Foi este o tempo de Paulo Setúbal. Infelizmente, não há que negar que, em muitos ambientes, já se vai começando a achar hoje que também para a mulher essas virtudes não são indispensáveis, e que a moça e especialmente a senhora casada (!) que se recusasse, por razões morais, a usar certos decotes e certa indumentária (ou certa falta de indumentária), seria positivamente ridícula.

Se é este o estado da sociedade, como evitar o comunismo? Se a impureza se aninhar nos corações dos que pretendem salvar a sociedade, que salvação se poderá esperar? A verdadeira causa do comunismo está na falta de Fé e na depravação sexual. Se imaginarmos um exército de homens castos [dar-nos-emos conta do] dom preciosíssimo que [a Divina Providência] fez à nossa terra com o aparecimento da Federação Mariana.