Resumimos as teses fundamentais aqui defendidas,
precedida cada qual da indicação numérica dos tópicos em que é sustentada.
I - Conduzindo os homens para o supremo ideal de
sua felicidade, a Igreja Católica não tem por
finalidade a organização temporal das sociedades, mas para ela contribui
poderosamente. Além disso foi o Catolicismo que elevou a civilização ocidental
a uma altura que, sem a ação da Igreja, não teria sido por ela atingida.
II - III - O fim da Igreja - a felicidade eterna -
é superior ao fim do Estado - o bem comum temporal. Mas este é um fim autônomo:
gera na ordem temporal exigências próprias que formam o objeto da política. Sem
ser, pois, um instrumento da Igreja, deve, no entanto, o Estado reconhecer que
o seu fim precisa ser ordenado ao fim da Igreja. Ao Catolicismo é indiferente
que o Estado seja organizado desta ou daquela forma; no entanto, ele exige que
todo o Estado respeite uma série de postulados sobre a organização da sociedade
em face de certas questões espirituais e mesmo temporais.
IV - V - VI - Assim sendo, não há uma política
especificamente católica, pois o Catolicismo especificamente falando é religião
e não política. Mas há uma política fundamentalmente católica: a que reconhece
aqueles postulados que todo o Estado deve admitir sob pena de se opor aos
ideais resultantes dos princípios católicos. A realização de uma política
fundamentalmente católica é para as nações contemporâneas, não apenas o mais
alto ideal a que devem tender, mas uma condição essencial de existência:
qualquer política que não seja fundamentalmente católica conduzirá ao caos o
mundo hodierno.
VII - Nenhuma das correntes políticas brasileiras
preenche as condições que enumeramos para uma política ser genuinamente
católica em seus fundamentos.
VIII - IX - Soldados apaixonados deste único e
empolgante ideal político, os redatores do “Legionário” não se sentiriam, pois,
à vontade em nenhuma das correntes partidárias do país. Sem abandonar o terreno
da política, o que seria uma deserção, o “Legionário” se mantém alheio a
quaisquer compromissos partidários. Apontando com a máxima imparcialidade o que
de bom e de mau existe em todas as correntes políticas e como jornal
exclusivamente católico que é, o “Legionário” deveria ter o apoio de todos os
católicos, inclusive dos que assumiram compromissos partidários.
IX - X - XI - XII - A perfeita realização de uma
política fundamentalmente católica pressupõe um lastro de conhecimentos sobre
as condições concretas de nossa vida econômica e social que é objeto da mais
acurada atenção do “Legionário”, como deve ser de todos os católicos
brasileiros. Esta obra construtiva não se pode fazer sem um detido trabalho de
crítica que dê no nosso público um conhecimento exato das deficiências
existentes, a fim de que não se iluda com a sedução dos pregadores de
panacéias. É com esta finalidade eminentemente construtiva que o “Legionário”
tem empreendido o seu trabalho de crítica.
XIII - XIV - Desse modo entendemos servir ao mais
empolgante ideal político que possa ter um brasileiro. Esta obra, porém, não é
mais do que um fruto da obra mais fundamental que é a reforma das consciências
e dos costumes. Conquanto nos consagramos no jornalismo a uma ação política, é
para a Ação Católica, única autora genuína dessa obra, que reservamos o melhor
dos nossos esforços.
* * *
O grau de desenvolvimento que o “Legionário”
atingiu, atestado pelo interesse não raras vezes apaixonado que desperta em
seus amigos e em seus adversários, impõe-lhe o dever de definir precisamente
sua posição perante a situação política do Brasil.
Antes de fazê-lo, cumpre, porém, que defina com
clareza - repetindo e compendiando declarações anteriores – sua posição perante
a Autoridade Eclesiástica.
O “Legionário”, conquanto se publique com as bênçãos
carinhosas dos Ex.mos Rev.mos
Srs. Arcebispo Metropolitano e Bispo Auxiliar de São Paulo, não é órgão oficial
ou oficioso da Arquidiocese de São Paulo ou de qualquer outra entidade
religiosa. Produto da iniciativa de um numeroso grupo de católicos, ele se
publica sob a responsabilidade moral e jurídica de seu Diretor, e constitui a
expressão do pensamento de quantos com ele trabalham.
As diretrizes que abaixo reproduzimos são o roteiro
que resolvemos seguir, a fim de nos dedicarmos, entusiasticamente e sem
reservas, à causa da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, da qual somos
filhos obedientes e amantíssimos.
De todas as atitudes que na hora
atual podem licitamente assumir os católicos brasileiros, parece-nos que
nenhuma é mais genuína e declaradamente católica. “Declaradamente”,
sublinhamos, porque, semelhantes ao sol que só irradia toda a sua luz quando as
nuvens não lhe toldam o esplendor, os princípios católicos só desenvolvem
plenamente suas virtudes salvadoras e regeneradoras quando proclamados.
A doutrina católica não precisa, no século
presente, e em tempo algum, ser ministrada com os envoltórios das pílulas
amargas.
Não é, pois, uma vaga política cristianizadora
ou uma política espiritualista mais vaga ainda, que defendemos. Ou o Brasil
será salvo pelos princípios católicos, apostólicos, romanos, ou não haverá para
ele salvação. Esta exposição de princípios e de fatos, que hoje damos a
público, dirigimo-la aos católicos do Brasil inteiro, para que conheçam e
compreendam o esforço de um grupo de moços que, com preterição de todas as
vantagens materiais, perdoando ódios ostensivos e esquecendo silenciosas
malquerenças, se empenham com um amor indizível a fazer triunfar o reinado
social de Nosso Senhor Jesus Cristo nesta Pátria consagrada a Nossa Senhora
Aparecida.
Este documento não é uma lição que pretendemos dar,
mas uma explicação que oferecemos para estimular a solidariedade dos que nos
aplaudem, esclarecer o espírito dos que nos combatem de boa fé e aguilhoar a
consciência dos que nos hostilizam de má fé.
Não é possível definir a posição do Catolicismo
perante a política contemporânea sem para isso recorrer às fontes luminosas
donde brota toda a verdade que a Igreja ensina aos fiéis.
Graças à tutela exercida pelo magistério infalível
da Igreja, a humanidade até hoje pode encontrar no Evangelho os princípios
fundamentais da política cristã, isto é – para evitar todos os mal-entendidos a
que o termo pode dar margem – católica, apostólica e romana. E a Igreja, por
esse mesmo magistério que recebeu de Cristo, aplica tais princípios às
circunstâncias diversas a cada época, de cada sociedade.
São muitas as Encíclicas que, nesse sentido, tem
escrito os Papas, para orientação dos fiéis.
“Se o Senhor não construir a cidade, trabalhará em
vão quem procura edificá-la”
Entre elas por ser uma síntese do ideal católico do
Estado, merece particular menção a Encíclica “Immortale Dei”, do grande Pontífice Leão XIII.
Começando essa Encíclica, diz o Papa que foi a
maior figura do seu século: “Obra imortal
de Deus misericordioso, por fim a salvação das almas e a felicidade eterna do
céu, é, entretanto, na ordem natural das coisas, fonte de tantas e tão grandes
vantagens, que seria impossível encontrá-las maiores e em maior número, ainda
mesmo que ela houvesse sido fundada especial e diretamente com o fim de
procurar a felicidade nesta vida. Por toda a parte, efetivamente onde a Igreja
penetrou, imediatamente mudou a face das coisas e impregnou os costumes
públicos não só com virtudes até então desconhecidas, mas ainda com uma
civilização nova, pela qual os novos que a aceitaram se avantajaram dos demais
pela doçura, pela equidade e glória das suas empresas”.
Isso quer dizer que no cumprimento de sua
finalidade própria, a salvação das almas, a Igreja levou a humanidade a
realizar, mesmo na ordem temporal, obras que não teriam sido possíveis sem a
sua benéfica influência. O conjunto dessas obras, com o que constitui objeto da
ação espiritual própria da Igreja forma o que se denomina comumente
a civilização
cristã e que (nunca é demais insistir) ou quer dizer a civilização
católica ou não é autenticamente cristã.
Compreende-se que assim tenha sido. A lei moral
ensinada por Cristo para reforma da humanidade e sua salvação implica numa
série de instituições e de costumes que deveriam forçosamente fazer surgir uma nova
civilização, constituindo desta a base ou o fundamento. Assim, por exemplo, a
família monogâmica assente no casamento indissolúvel
elevado à categoria de sacramento; o respeito às autoridades civis; a educação
religiosa de todos os cidadãos pela Igreja e de um modo mais amplo, todos os
problemas que implicam relações entre os dois poderes, o espiritual e o
temporal, etc.
Até mesmo se considerássemos apenas a reforma dos
costumes privados, a Igreja deveria exercer essa influência sobre toda a civitas, isto é, a sociedade organizada num Estado. Tomemos dois exemplos.
A caridade, fazendo ver em cada homem um irmão remido pelo sangue do Cristo,
não podia deixar de vir pôr um termo à escravidão tal como era entendida pelos
antigos pagãos. A proibição da usura, em doutrina firmada pelos teólogos com
fundamento no que ensinara Cristo, não podia deixar de impedir a agiotagem e o
excesso de especulações que só mais tarde, quando os homens começaram a
abandonar os princípios católicos, vieram infeccionar essa civilização surgida
à sombra da Igreja.
Tudo isto mostra como, preparando os homens para a
vida eterna, a Igreja permitiu, e mais do que isso, contribuiu positivamente
para a organização da vida temporal da sociedade. Foi a Igreja que elevou a
civilização ocidental a uma altura que sem a sua ação não teria, por certo,
sido atingida. E tudo isso veio confirmar a palavra evangélica: “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua
justiça e tudo o mais vos será dado de acréscimo”.
Os princípios católicos, conquanto encerrem toda a
verdade, não seriam, por si sós, suficientes para explicar o admirável surto da
civilização que a Igreja consegue em todas as regiões onde se estende o seu
apostolado. Se a pregação desses princípios não fosse seguida da distribuição
dos sacramentos, que dotam a inteligência e a vontade humana dos recursos
necessários para compreendê-los plenamente e lhes obedecer sem restrições,
seria impossível a edificação de uma civilização católica.
Se imaginássemos à testa de um país os estadistas
mais profundamente conhecedores da doutrina católica, mais desejosos de
aplicá-los, e dotados do maior poder para levar a efeito este projeto,
poderíamos estar certos de que tais estadistas pouco ou nada conseguiriam se
não existisse no seu país a Igreja devidamente organizada. A civilização de
aparência católica que eles conseguissem, talvez fugazmente, edificar,
parecer-se-ia com a civilização autenticamente católica, construída pela
Igreja, como um manequim, que tem da vida só aparência, se parece com um homem vivo.
Por tudo isto, se verifica que ou trabalharemos por
uma civilização explicitamente católica, sob a bandeira da Igreja católica e em
estreita união e obediência a esta, ou nada conseguiremos.
Pode-se, porém, falar em ideal católico de Estado?
Há uma política que se possa dizer católica? Tem a Igreja uma doutrina
política?
Essas expressões não poderão levar à teocracia e a
uma confusão entre os dois poderes, o espiritual e o temporal contrariando o
ensinamento divino dado por Jesus Cristo ao lhe perguntarem os judeus se deviam
pagar tributo a César?
Responder a tais questões não é assoalhar lugares
comuns ou somente repisar conceitos que já tem sido explicados mais do que
suficientemente. Hoje em dia, é tal a ignorância religiosa dos próprios
católicos que bem poucos são capazes de tirar de certos princípios que conhecem
superficialmente, todas as suas conseqüências, sem ir longe demais ou ficar na
metade do caminho...
Tratemos, pois, de esclarecer o quanto possível a
questão acima.
Para isso, façamos antes de mais nada uma
comparação entre o fim da Igreja e o fim do Estado.
A Igreja é uma
sociedade constituída pelos fiéis do mundo inteiro unidos pela obediência ao
Papa e aos Bispos tendo por missão essencial, como já dissemos, a salvação
eterna de toda a humanidade. O seu fim é, pois, conduzir os homens à
bem-aventurança eterna, felicidade suprema e fim último de cada homem.
O Estado é a organização política da nação, isto é,
da sociedade civil unificada pela autoridade com o fim de realizar a felicidade
temporal dos indivíduos reunidos nessa sociedade.
Há, pois, uma só Igreja transcendendo do espaço e
do tempo e prolongando-se até a eternidade como nos ensina o dogma da comunhão
dos santos. A Igreja gloriosa, no Céu, é a mesma Igreja padecente no purgatório
ou militante na terra.
Há, pelo contrário, tantos Estados quantas sejam as
nações espalhadas pela face do globo, e os Estados surgem, transformam-se,
desaparecem segundo as vicissitudes da história, apresentando tipos os mais
diversos.
Tanto a Igreja como o Estado (isto é, os Estados)
visam fins necessários ao homem. Mas é bem de ver que o fim colimado
pela Igreja é muito mais nobre, muito mais elevado, infinitamente superior ao
fim de cada Estado. Todo o homem foi criado para conhecer, amar e servir a Deus
neste mundo e depois gozá-lo eternamente no outro. Pela Igreja e na Igreja é
que o homem conhece, ama e serve a Deus em sua vida terrena, para depois
alcançar a bem-aventurança celestial.
Mas o homem não é apenas membro do Corpo Místico de
Cristo que é a Igreja. É também membro de uma civitas, a sociedade temporal em
que ele vive, onde trata de seus interesses terrenos, no convívio com os seus
semelhantes, e onde recebe a influência espiritualizadora
da Igreja. Sendo assim, deve obediência à autoridade civil existente nessa
sociedade e sem a qual não seria possível a organização do Estado.
Interesses temporais são os interesses econômicos,
higiênicos, policiais, uma série de condições que devem ser organizadas pelo
Estado para assegurar a ordem na sociedade e a vida dos indivíduos nela
reunidos. A esse conjunto de condições necessárias para tornar possível a
coexistência humana e o desenvolvimento biológico, econômico, intelectual,
etc., dos indivíduos, chama-se “bem
comum”, terminologia muito em uso entre os antigos escolásticos da Idade
Média e que o individualismo liberal fez esquecer por algum tempo.
O Estado não pode desviar o homem do fim supremo
para o qual a Igreja conduz toda a humanidade.
Essas sociedades, por sua vez, são formadas de
outras pequenas sociedades (famílias, grupos profissionais, classes, etc.). O
Estado é a sociedade toda, isto é, o conjunto desses grupos organizados sob a
direção de uma autoridade. Deve auxiliar a todos esses grupos e todos os
indivíduos a realizarem o bem comum. Deve promover eficazmente esse bem comum
pela manutenção da ordem dos direitos individuais e sociais, etc.
Assim, é o Estado a cúpula de todo o edifício
social, seu complemento necessário. Complemento porque completa realmente a
sociedade, torna-a apta para realizar todos os fins procurados pelo homem na
ordem temporal. Por isso se diz que cada Estado é uma sociedade perfeita na
esfera do bem comum temporal, como a Igreja é a sociedade perfeita na esfera do
bem comum espiritual e supremo. Ora, bem comum temporal e bem supremo do homem
longe de se oporem e de serem coisas inteiramente separadas, são dois fins
ordenados entre si, pela subordinação de um deles ao outro.
O bem comum temporal - fim do Estado - é um fim intravalente e inferior, embora capaz de determinar a
formação de uma ordem de ação relativamente autônoma, que pertence ao Estado. O
bem supremo de toda a humanidade é, mais do que isso, um fim principalíssimo, ao qual todos os outros bens devem ser
ordenados.
Dizemos que o fim do Estado é um fim intravalente e não simplesmente um meio. Quer dizer que não
deve o Estado ser considerado um simples instrumento da Igreja para o
cumprimento da sua missão ordenada a uma fim superior. Pois a ordem temporal
tem certas exigências próprias que formam todo o equipamento da “política” e cuja engrenagem posta em
ação promove a felicidade temporal da sociedade.
Mas sem ser um simples meio da Igreja, o Estado tem
um fim inferior e ordenado a outro. Não pode, pois, desviar o homem do seu fim
supremo, da meta para a qual a Igreja conduz toda a humanidade, e neste sentido
o fim do Estado pode ser considerado um meio para a pessoa humana cumprir o seu
destino transcendente.
Estabelecida essa distinção entre o temporal e o
espiritual, respondamos às perguntas feitas acima: há um ideal católico de
Estado, ou, o que é a mesma coisa, existe um tipo de Estado católico? Tem a
Igreja uma doutrina política?
Mais uma vez é preciso distinguir. Conforme o caso,
conforme o sentido dado a essas perguntas, deve-se responder afirmativa ou
negativamente.
A começar pelo conceito de Estado Católico.
O Estado é a própria sociedade organizada
politicamente, mas é preciso distinguir do termo Estado tomado nesse sentido a
forma do Estado. Isto é, da organização política dada à sociedade.
Se por Estado católico entendermos uma forma
própria do Estado, como a monarquia, a aristocracia ou a democracia, falar em
Estado católico é absurdo. Se por essa expressão queremos significar não mais
uma forma distinta e própria do Estado mas qual das diversas formas existentes
seja a que o Estado deve ter para ser católico, também é absurdo.
Há um ideal de Estado católico?
Mas se Estado católico quer dizer um Estado, seja
qual for a sua forma, que reconheça na Igreja uma sociedade perfeita superior
tendo por fim a salvação das almas, que lhe assegure plena liberdade para
cumprir a sua missão, que organize todo o seu equipamento político tendo em
vista a necessária subordinação de seu fim ao fim da Igreja, que penetre todas
as suas leis com espírito de justiça e caridade para se sujeitar à lei de
Cristo à qual todos os homens são obrigados (inclusive, pois, os homens
politicamente organizados no Estado), neste caso é fora de dúvida que Estado
católico é uma expressão legítima.
Será, pois, católico todo o Estado que reconhecer
certos princípios fundamentais da sua organização, princípios que resultam da
moral, isto é, da lei natural confirmada e reforçada pela lei divina do
Cristianismo de que a Igreja é a única intérprete infalível.
Quanto aos meios do Estado agir na esfera que lhe é
própria, organizando-se democraticamente ou aristocraticamente, por um regime
mais ou menos autoritário, como um soberano coroado ou um presidente eleito de
quatro em quatro ou de seis em seis anos, tudo isto é indiferente a um Estado
para ser católico. São questões especificamente políticas e, assim sendo, a
Igreja não prescreve normas para regulamentá-las.
Saber se uma forma política pode melhor do que
outra garantir a observância daqueles princípios fundamentais que um Estado
deve observar para cumprir a lei moral e divina, é outra coisa. Pode ser que
haja realmente uma forma política mais adequada a tal fim e pode essa forma ser
uma em certa época e em certa sociedade, outra muito diversa noutro tempo e em
diferente sociedade. É questão de circunstâncias, que depende da prudência
política e não de princípios abstratos. É questão opinativa sobre a qual a Igreja
não exige que todos os católicos estejam de acordo. Mas todo o católico deve
evidentemente admitir uma série de postulados na organização de qualquer
Estado, como sejam a liberdade da Igreja e a obrigação do braço secular
auxiliar a Igreja no desempenho de sua missão, a função supletiva do Estado em
matéria social, o direito de propriedade, etc.
O mesmo se diga de uma “política católica”. O Catolicismo é religião e não uma sociologia
ou uma política. No entanto, acidentalmente compreende também princípios
constitutivos da ciência política como de qualquer outra ciência social.
A política é a ciência prática e como toda a
ciência prática está subordinada a moral. - Ora, a moral embora seja
constituída por princípios acessíveis à simples razão natural (moral natural),
não pode prescindir do Catolicismo, pois a lei divina de Cristo é não só
confirmação da lei moral natural como ainda garantia de não se perverter esta.
__________
(1) A moral tem por objeto a ordenação da atividade
humana para o seu fim último. As outras ciências práticas tratam de aspectos
parciais da atividade humana. A economia por exemplo, estuda a atividade humana
na ordem dos interesses materiais. Como os diversos fins que o homem pode ter
em vista com a sua atividade se subordinam ao fim último, assim também as
ciências que deles tratam (política, economia, direito, etc.) se subordinam à
moral.
__________
A subordinação da política à moral, implica pois,
numa subordinação da política à Religião. Mas no seu campo próprio, a política
constrói todo um edifício feito de material estranho à doutrina e à ação da
Igreja. Não se pode, no entanto, separar a política da moral, da religião, como
fez Maquiavel e como fazem os liberais, os
socialistas, os adeptos do Estado totalitário, mas não se pode também
estabelecer os princípios próprios da ciência política, isto é, da
administração ou do governo, com princípios morais ou religiosos.
Não existe, pois, uma política teológica, mas há
uma teologia política e na medida em que a política se subordina a esta, como
deve ser, ela pode ser dita mais ou menos católica.
Assim fica, também resolvido o problema de saber se
a Igreja tem uma doutrina política. Sim, se por doutrina política entendermos
os princípios que remotamente norteiam a ação dos governos, ou seja, princípios
de ordem moral (teologia moral) aos quais se deve subordinar a ciência política
para não cair nos erros do naturalismo político. Não, se por doutrina política
entendermos um sistema completo de organização do Estado e do governo.
Resumindo, o campo da ciência e da ação política
próprio do Estado é autônomo mas não independente em relação à Igreja.
Interessa a esta porque em qualquer parte onde o homem trate de regulamentar
sua ação, individual ou social, deve respeitar os princípios supremos da
moralidade. A Igreja só se preocupa com as condições de felicidade temporal
enquanto devem ser organizadas de maneira a não obstar, mas a facilitar a
consecução da felicidade eterna.
Como todas as coisas podem servir para a nossa
santificação ou podem ser empregadas em sentido contrário a ela, é claro que a
política interessa à Igreja embora a Igreja não tenha fins políticos de espécie
alguma.
Demais, os Estados, em sociedades católicas,
deveriam ser constituídos numa atmosfera impregnada de catolicismo e por
pessoas católicas que procurassem sempre conformar suas ações com os princípios
morais e religiosos que não constituem apenas em práticas de culto mas
representam uma orientação geral para toda a vida.
De tudo o que vimos até aqui, podemos concluir que
qualquer Estado, para ter a honra de se proclamar autenticamente cristão, ou
seja, católico, deve:
1) - Reconhecer que a Igreja é portadora da
verdade, dando-lhe plena liberdade de ação no desempenho de sua missão
essencial, a salvação das almas.
2) - Coadjuvá-la nessa tarefa, favorecendo a ação
católica e dispondo a sociedade a receber influência da Igreja por uma
organização adequada em que, por exemplo, não haja perigo de se desenvolver o
gérmen de doutrinas ímpias e subversivas.
3) - Organizar toda a sociedade, quer as relações
do Estado com o indivíduo, as famílias e os demais grupos sociais, quer as
relações dos indivíduos, das famílias, dos grupos entre si, segundo os
princípios da Justiça e Caridade, de acordo com as leis de Deus e da Igreja.
__________
(2) Diversos sistemas podem
regular as relações da Igreja com o Estado. Reduzem-se à aliança e à separação
de ambos. A separação pode se dar ficando ou não garantida a liberdade da
Igreja. Quanto à aliança entre os dois poderes, (que pode ser desvirtuada pela
sujeição de um deles ao outro) pode ser feita pela união entre a Igreja e o
Estado, ou por uma colaboração estabelecida por concordata. Em tese, todo o
católico deve admitir a união da Igreja e do Estado, mas na prática, a própria
Igreja, muitas vezes, o desaconselha, como se dá no Brasil, nas condições
atuais.
__________
Só se pode intitular genuinamente católica a
política que proclame a Igreja única portadora da Verdade.
Temos aí uma gradação nos princípios temporais e
espirituais da sociedade civil. Em primeiro lugar, há questões puramente
espirituais: o Estado deve reconhecer que são da alçada exclusiva da Igreja
Católica. Erra, portanto, todo o regalismo que leva o
poder civil a tratar de questões eclesiásticas. Erra o liberalismo ao relegar
tais questões para a vida privada de cada indivíduo, colocando ainda, todas as
religiões, assim excluídas da vida pública, em pé de igualdade. Erram, enfim,
os partidários da mística do Estado, comunista ou totalitário, proscrevendo a
Igreja mesmo da vida privada e transferindo para o Estado as funções
espirituais.
Outras questões interessam diretamente tanto à
ordem espiritual como à ordem temporal, e nelas a Igreja, o Estado tem cada
qual a sua parte. O casamento, por exemplo, é um sacramento que produz efeitos
na ordem civil. À Igreja cabe regulamentá-lo enquanto sacramento. Daí as
disposições do Código de Direito Canônico, seguidas por todos os fiéis. Ao
Estado cabe regulamentar os seus efeitos civis, não o simbolismo
ridículo e sem sentido do “casamento
civil” mas as conseqüências jurídicas decorrentes do casamento, a
transformação operada no estado das pessoas casadas, o modo pelo qual devem ser
cumpridos civilmente os deveres e direitos recíprocos
de marido e mulher, o regimen de bens na sociedade conjugal, etc.
Nessas questões é que dizemos que o Estado pode e
deve dispor a sociedade para receber a influência da Igreja. É fora de dúvida
que o Estado faz tal coisa, por exemplo, no caso do matrimônio, punindo o
adultério, em vez de excluir este crime do Código Penal conforme tendência das
mais nocivas do moderno direito criminal.
Não é só pela legislação, mas também pela ação
governamental que o Estado muito pode e deve fazer nesse sentido. Um exemplo
está na repressão séria e eficaz do comunismo, que ameaça a ordem social
baseada nos princípios católicos.
Aqui se deveria situar o problema da liberdade de
pensamento, de imprensa, de todas as outras liberdades públicas tão mal
compreendidas depois da pseudo Reforma e da Revolução Francesa.
Finalmente, há questões puramente temporais, por
exemplo: o modo de preencher os cargos públicos, a organização da justiça e do
processo, o sistema de policiamento, os planos urbanistas e rodoviários, etc.
Estes assuntos, é claro, pertencem à alçada
exclusiva do Estado; mas neles é mister observar os preceitos da justiça e da
caridade, que nem sempre se observam na repartição dos cargos públicos, nos
sistemas tributários, etc. Não pode absolutamente haver campo de ação humana,
individual e social, estranho às leis de Deus.
Tudo isto nos faz compreender a razão pela qual Sua
Santidade, o Papa Leão XIII, na já mencionada Encíclica “Immortale Dei”, refere-se à filosofia do Evangelho como inspiradora dos
Estados:
“Houve um
tempo - escreve Leão XIII - em que a filosofia do Evangelho governava os
Estados. Nesta época, a influência da sabedoria cristã e a sua divina virtude
introduzia-se nas leis, nas instituições, nos costumes dos povos, em todas as
classes, em todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída
por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é
devida, estava por toda a parte florescente, graças ao favor dos príncipes e a
proteção legítima dos magistrados. Entre o sacerdócio e o império estavam
ligados entre si por uma feliz concórdia e reciprocidade amigável de bons
ofícios. Assim organizada a sociedade civil deu frutos superiores a toda a
expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada, como está, em
inúmeros documentos, os quais nenhum artifício dos adversários poderá corromper
ou obscurecer. - Se a Europa cristã dominou as nações bárbaras e as fez passar
da ferocidade à brandura, da superstição à verdade; se ela repeliu
vitoriosamente as invasões muçulmanas; se guardou a supremacia da civilização
e, se, em tudo que faz honra a humanidade, ela se mostrou constantemente e em
toda a parte guia e dominadora; se recompensou os povos com a verdadeira
liberdade sob as suas diversas formas; se mui prudentemente estabeleceu uma
multidão de obras para a consolação da miséria, não há dúvida nenhuma que o
deve em grande parte à religião, sob cuja inspiração e auxílio empreendeu e
realizou tão grandes coisas”.
A civilização ocidental é obra de uma política
essencialmente católica.
Não devemos desejar uma política especificamente
católica, pois o Catolicismo especificamente, como já dissemos, não é política
mas sim religião. Por isso é que não pode haver um só tipo de Estado católico
como se fosse uma certa forma de governo.
A Idade Média viu realizarem-se certos tipos de
Estado católico que hoje, como observa Maritain, não podemos naturalmente querer ressuscitar. Como
pretender no século XX, o século do industrialismo,
reproduzir sem alterações a monarquia feudal francesa do século de São Luís?
Os povos realizam cada um a seu modo o ideal de um
Estado católico, como cada indivíduo realiza em si um tipo distinto e
perfeitamente caracterizado de santidade.
Mas é indiscutível que tal realização só se pode
dar mediante observância de certos princípios que todo e qualquer Estado deve
admitir sob pena de não ser um Estado perfeitamente católico. São os princípios
que esboçamos acima em seus traços mais gerais e que as Encíclicas dos últimos
Papas tanto tem desenvolvido.
É nosso dever pugnar por um Estado fundamentalmente
católico.
A Encíclica “Immortale Dei” estabelece as vigas mestras do Estado. As Encíclicas “Rerum Novarum” e “Quadragesimo
Anno” determinam o modo de aplicar as normas fundamentais de
justiça e caridade na solução da questão social tal como se apresenta aos
Estados de hoje, e assim por diante.
Tudo isto forma o fundamento de um Estado católico,
que não é necessariamente um Estado teocrático, como
já mostramos. Devemos portanto, pugnar por um Estado fundamentalmente católico.
__________
Teocracia é o governo em que Deus designaria
diretamente a autoridade e seria também autor da Legislação. A teocracia não é
forma ordinária de governo. Um só exemplo de verdadeira teocracia é registrado
pela história: o povo hebreu antes da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esse
povo era realmente governado por Deus através de seus representantes, por Ele
mesmo designados, que se obrigavam a seguir toda uma legislação, a que fora
revelada por Deus a Moisés. A situação especial do povo eleito justificava-se
pelo seu destino histórico, a saber, preparar a vinda do Salvador ao mundo.
__________
Como chegar a esse ideal?
Para responder a tal pergunta, é preciso descer
ainda mais as nossas conclusões. As que tiramos até aqui dos princípios
expostos na primeira parte, ficam ainda em plano abstrato. Uma vez firmadas as
teses e os corolários na ordem dos princípios, passemos, agora, ao terreno
concreto da ação política dos católicos brasileiros na hora atual.
Nenhuma das correntes políticas brasileiras
preenchem as condições que enumeramos para uma política ser genuinamente
católica em seus fundamentos.
As forças partidárias que apoiam as três
candidaturas à presidência da República são todas elas heterogêneas em seus
princípios ou nas pessoas que as compõem.
Nos seus programas, quando existem, há pontos susceptíveis
de interpretação mais ou menos favorável em relação à Igreja, prestando-se por
isso tanto a uma política boa quanto má.
Em São Paulo, o P.R.P. e o P.C. não tem em seus programas nada de ostensivamente
hostil à Igreja, mas além de prosseguirem nos velhos e nocivos rumos do
liberalismo - embora mitigado por influência da Constituição de 1934 onde os
católicos conseguiram atenuar as mais nefastas conseqüências do tal liberalismo
-, tanto permitem o desenvolvimento de uma política favorável como contrária à
Igreja, assim é que no P.R.P., ao lado de católicos como o Sr. Altino Arantes, S. Medeiros e T.L. Silva, o Sr.
Alfredo Ellis, que é livre pensador, encontra-se perfeitamente à
vontade. O mesmo se dá, no P.C., por exemplo, com os
Srs. Moraes de Andrade, de um lado, e de outro Horácio
Lafer e Mário Pinto Serva.
O mesmo também se pode dizer do integralismo
que, apesar de anti-liberal, conserva do liberalismo
a sua face mais condenável - o liberalismo religioso - e apesar de contar em
seu seio católicos como os Srs. J. C. Fairbanks, Lúcio dos Santos, Mário Maciel Ramos e Alcebiades Delamare, tem como um dos seus mais prestigiosos dirigentes, o Sr.
Miguel Reale, que acha que em matéria mista cabe ao Estado dirigir a
Igreja.
Há uma circunstância que torna particularmente
delicada a situação. É que tais correntes ou partidos não se compõem apenas de
espíritos monolíticos no erro ou na verdade. Muitos de seus altos dignatários ou de seus representantes nas assembléias
legislativas, muitas vezes mantém uma posição mal definida em relação à Igreja,
que pode ser muito cômoda, mas nem sempre é das mais leais.
De um lado, receosos da crise, voltam-se para a
Igreja. De outro lado, presos pelos preconceitos de uma educação defeituosa,
preconceitos tão generalizados nos nossos meios políticos, não querem chegar-se
inteiramente a ela.
Como chegar ao ideal de um Estado católico?
Daí decorre uma verdadeira floração de gente que
dos mais diversos partidos fala em política espiritualista ou até mesmo cristã,
sem jamais enunciar um programa político nitidamente católico.
Ora, como é falacioso o projeto de uma política
espiritualista que não tenha por fundamento Cristo, é igualmente falacioso o
projeto de uma política cristã que não tenha por fundamento a Igreja. Pois
Cristo só é visível em toda a sua exatidão através da doutrina católica. Sem
este vidro de precisão, o que vemos é um Cristo irreal, diminuído pela miopia
de nossa inteligência ou deformado pela nossa imaginação febril.
Ou essa política espiritualista e cristã há de ser
católica, ou só servirá para desorientar os espíritos, adiando, na melhor das
hipóteses, uma catástrofe que não poderá evitar.
Os nossos avós, abusando da palavra catolicismo,
forjaram para si uma semi- religiosidade burguesa que agradava seu espírito
conservador sem os impedir de serem liberais.
Os espiritualistas e cristãos de hoje são muitas
vezes assim. Não querem o Cristo-Rei, mas estimariam
um Cristo Chefe de Polícia, para manter a ordem sob a direção do respectivo
partido. Ora, nós não queremos ver nas mãos de Cristo o bastão de guarda civil,
mas o cetro de Rei.
Queremos a civilização católica, inteira e
exclusivamente católica, viva e pujante, imunizada contra todos os germens de
paganismo e voltada para a Igreja que a fez surgir e que fez toda a sua
grandeza.
Para tal, declaramos antes de mais nada que só a
Ação Católica, como a entende e apregoa o Santo Padre gloriosamente reinante, é
capaz de remediar os males fundamentais da nossa sociedade.
Esses males não são apenas males políticos ou
econômicos, mas principalmente males de ordem moral. A crise de nossos tempos,
como ensina Pio XI, é uma crise de
instituições e de costumes. Enquanto não se reformarem os costumes, de nada
valerão boas instituições.
Nossa atitude continuará a ser o de aplaudir tudo
quanto é bom e censurar tudo quanto é mal.
A Ação Católica é o único meio adequado para a
grande reforma de costumes que é um pressuposto de qualquer reforma política ou
social, em virtude do que já dissemos sobre a subordinação das atividades
humanas à moral.
Repetimos hoje o que no seu tempo dizia o saudoso Jackson de Figueiredo: “O Brasil está tão
perdido que só uma ação puramente católica o poderá salvar”.
E isso é verdade para o mundo todo. Só a ação da
Igreja poderá arrancar a sociedade hodierna da devassidão em que se acha, causa
profunda de todos os seus males, como só a Igreja a poderia ter salvo o mundo
antigo perdido nas trevas da barbárie e na dissolução do paganismo
greco-romano.
O mundo de hoje está tão perdido que só a Igreja o
poderá salvar.
Por isso mesmo é que hoje, mais do que nunca, só
uma política baseada no Catolicismo poderá dar solução cabal aos problemas
sociais que dependem da ação do Estado, contribuindo em seu setor para a grande
obra de recatolicização que a Ação Católica visa
levar a efeito.
Não encontrando no Brasil uma corrente política que
satisfaça o ideal de uma política fundamental católica e que assim possa coadjuvar
eficazmente a Ação Católica na sua obra, que é de todas a mais necessária, não
podemos tomar partido na atual situação política brasileira.
Os diversos partidos políticos existentes merecerão
a nossa crítica sincera, leal, enérgica se preciso for, na medida em que se
distanciarem dos princípios católicos. Merecerão os nossos mais francos elogios
pelas atitudes e medidas que tomarem e que possam coincidir com os desideratos
de uma política assente em tais princípios.
Assim, continuaremos a aplaudir os integralistas quando denunciarem a fraqueza dos partidos
liberais na luta contra o comunismo, o mesmo fazendo com os partidos liberais
enquanto premunirem a opinião pública contra o perigo do Estado totalitário.
Como jornalistas católicos que não encontram nas
correntes políticas brasileiras lugar para militar por uma política
genuinamente católica, nossa atitude continuará a ser a de aplaudir tudo o que
é bom e censurar tudo quanto não presta.
Assim, premuniremos o público e poderemos trazer a
opinião católica constantemente informada da exata situação de nossa política
em face do Catolicismo para não se deixar levar pela sereia dos caçadores de
votos ou pela ilusão dos que julgam possível fazer dos nossos partidos uma
política em condições de satisfazer todos os reclamos de uma consciência
católica bem formada.
Abstendo-nos, pois, de tomar partido, não nos
abstemos de fazer política e fazemos, pelo contrário, a única realmente capaz
de conduzir a um Estado católico.
De fato, entrarem num partido os
redatores do “Legionário”, não seria para eles o melhor meio de auxiliar a boa
orientação da opinião católica. A disciplina partidária nos impediria de
criticar esse partido quando fosse preciso, sob pena de, pelas nossas críticas,
perdermos a confiança dos seus mentores, e consequentemente, a possibilidade de
influir eficientemente no sentido de orientar o partido segundo os rumos da política
que desejamos ter. Além disso, seríamos forçosamente considerados suspeitos
pelos católicos neutros ou pertencentes a outros partidos.
Que garantia de imparcialidade apresentaríamos aos
nossos leitores criticando o P.R.P. ou o P.C. se
fôssemos integralistas, ou criticando o integralismo se fôssemos filiados aos partidos liberais?
Na ausência de uma grande corrente
partidária que corresponda ao nosso ideal político, julgamos não nos dever
filiar a nenhuma das correntes atualmente em choque na vida política
brasileira, para fazer do “Legionário” o observador imparcial capaz de auxiliar
a imprimir à opinião católica a orientação que ela deve ter.
Assim poderemos consagrar-nos inteiramente ao
trabalho penoso e delicado, conquanto imensamente eficaz, de colaborar
eficientemente na formação da opinião política dos católicos no verdadeiro
sentido da Igreja.
Para chegar a essa formação, é preciso antes de
mais nada mostrar como é salutar e indispensável que haja um estado de justo
descontentamento entre os nossos católicos diante da situação política
brasileira. Se os nossos católicos se contentam com o que lhes dão as forças
políticas atualmente existentes no Brasil, será vão todo e qualquer trabalho
feito em prol de uma reforma política no sentido católico, porque não
encontrará eco algum. É preciso que percebam e sintam os males que, por vezes,
se revelam nas nossas organizações político-partidárias.
E sentindo-o, não se poderão dar por satisfeitos.
Não basta esse primeiro trabalho de remoção de
obstáculos. É preciso, sobretudo, construir.
Diante do esplêndido tesouro doutrinário de que a
Igreja é escrínio, o católico não se pode cingir à estéril atitude de uma
admiração meramente especulativa. Cumpre-lhe agir com todas as suas forças,
para que tais princípios tenham a mais larga e mais minuciosa aplicação.
Os princípios católicos precisam ter no Brasil uma
larga e minuciosa aplicação.
Com os olhos voltados para a tão
falada, porém, tão ignorada realidade brasileira, o “Legionário” procurará,
tanto quanto possível, conhecer objetivamente nossas condições políticas,
econômicas e sociais.
No laicato católico, encontram-se pessoas que
tenham uma noção teórica bastante exata da doutrina social católica. Mas é uma
raridade encontrar quem tenha idéias precisas e sistematizadas sobre o modo
concreto e objetivo pelo qual os princípios de tal doutrina se devem aplicar
entre nós. E a razão deste gravíssimo mal, capaz de inutilizar ou prejudicar
gravemente os frutos de longos anos de apostolado, é a ignorância da famosa “realidade brasileira”.
Ora, sendo nossa obrigação aplicar ao Brasil os
princípios católicos, precisamos procurar conhecer o ambiente em que devem ser
aplicados tais princípios.
É esta a tarefa fundamental que temos diante de nós
se queremos transportar o ideal de um Brasil católico do plano dos sonhos para
o das realidades.
Para dar da extensão e gravidade desta lacuna uma
idéia nítida, bastará que apontemos alguns dos mais angustiosos problemas
sociais do Brasil, e indaguemos o que, a seu respeito, se conhece de concreto;
a) Que fatos positivos e concretos são conhecidos a
respeito da orientação dada pelos nossos governos às Universidades e à educação
em geral?
b) Concretamente que correntes de pensamento
dominam nas forças armadas?
c) Que influências dominam em nossos sindicatos
neutros?
d) Que dificuldades ou que facilidades oferece o
ambiente econômico brasileiro para a introdução do salário mínimo e do salário
familiar?
Estas questões, tiradas dentre as mais candentes,
comprovam nossas afirmações anteriores.
Passando do terreno social para o político, podemos
fazer uma pergunta análoga: dentro de que medida podem os católicos contar com
os homens ou os partidos do Brasil, como instrumentos da construção de uma
grande nação católica?
A importância da questão é óbvia. Não podendo levar
a cabo imediatamente a grande tarefa de pesquisas sobre a qual queremos
alicerçar nossa obra - não se esqueça o leitor de que os elementos do
“Legionário” não podem, evidentemente, por suas próprias forças, preencher em
um dia uma lacuna que não foi preenchida em muitos anos - iniciamos desde logo
um trabalho de esclarecimento sobre a questão que encabeça este tópico,
trabalho este de mais fácil realização imediata.
Dia por dia, em um esforço informativo imparcial e
completo, vimos comentando as atitudes dos homens de nossa vida pública. E, por
numerosas cartas que guardamos em nosso arquivo, sabemos quanto este trabalho
tem sido proveitoso para a orientação e esclarecimento de nossos leitores.
Pela sua finalidade essencialmente construtiva essa
tarefa não poderia deixar de ser considerada como uma contribuição útil à causa
católica. Assim, pelo menos, sempre entendemos nós. E assim também o entende a
Autoridade Eclesiástica, que nunca nos regateou a expressão espontânea e
carinhosa de sua particular benevolência.
Assim não entenderam, entretanto, alguns de nossos
leitores que, em uma época em que toda a imprensa do país ressoa com críticas
merecidas à decadência do nível moral de nossa política, talvez quiséssem que o “Legionário” fechasse os olhos à realidade.
Se uma obra severa e imparcial de
análise, toda ela feita com o fito de facilitar a construção de um Brasil
católico, é obra demolidora, é o caso de dizer-se que não há mais obra
construtiva no mundo, e que até o médico que ausculta o paciente e lhe analisa
os males antes de receitar o curativo, faz obra de destruição!
Não somos, não queremos ser demolidores. E para a
difícil e pesada tarefa construtiva de arquitetar um plano de ação para se
realizar entre nós uma política orientada segundo os princípios católicos,
convidamos todos os que nos criticam a cooperar conosco e não serem apenas
críticos...
Muitos deles, talvez, à vista desta exposição de
motivos de nossa atitude, que é ao mesmo tempo um clamor dirigido a todos os
católicos do Brasil sobre a necessidade de compreenderem e praticarem melhor
seus deveres políticos, objetarão o seguinte: diante do perigo iminente do
comunismo que ameaça a civilização e o Brasil, não devemos perder o nosso tempo
com distinções bizantinas e discussões inúteis (como costumam chamar todas as
discussões que não lhes convém), mas sim fazer frente comum com aqueles que
realmente combatem o comunismo.
Podem os católicos contar com os estadistas ou os
partidos do Brasil?
Esta “crítica”
poderá provir dos arraiais integralistas e a ela
queremos deixar antecipada a nossa resposta.
Negamos a qualquer partido o monopólio da ação
anticomunista. E por mais iminente que fosse o perigo comunista no Brasil, ele
não seria de molde a nos obrigar a uma atitude em que seríamos forçados
praticamente a abdicar de nossas convicções para nos abrigarmos à sombra
protetora de uma entidade messiânica.
Para a grandeza futura do Brasil, a contribuição da
Igreja, em suas diretrizes de ação católica, será de tal forma essencial e
decisiva, que não será perder tempo em discussões bizantinas proclamar clara,
positiva e decididamente que só pelo Catolicismo e pelos católicos como tais,
poderão ser resolvidos os mais graves problemas do Brasil moderno.
Esclareceremos sem desfalecimentos a opinião pública do país sobre a inocuidade de qualquer sucedâneo que se pretenda apontar em
lugar do Catolicismo. Exatamente por isto, se, forçados pelas circunstâncias,
como acontece na Espanha, nos devermos unir a correntes partidárias contra o
inimigo comum da civilização, isso nunca virá a significar para nós renúncia à
construção de um Brasil genuína e explicitamente católico e muito menos falta
de fé e confiança na Igreja.
Aliás, outra não foi a atitude do Santo Padre
condenando os erros do fascismo e do hitlerismo, que
pretenderam ser as maiores barreiras levantadas contra o comunismo. Essas
condenações encontram-se respectivamente nas Encíclicas “Non abbiamo bisogno” e “Mit brennender sorge”, provindas do mesmo Papa que nas Encílicas
“Caritata Christi Compulsi” e “Divini Redemptoris” apelou para uma união de todas as forças vivas contra o
comunismo.
Como católicos, ufanamo-nos de poder repetir as
palavras de S. Ex.a Rev.ma o Sr. Bispo Auxiliar de São Paulo na reunião do
clero realizada em Agosto último e transcritas no “Legionário”, por maiores que
sejam as dificuldades que tenha de enfrentar, a Igreja não precisa de “salvadores”, bastando-lhes, em todas as
emergências, o seu divino Salvador, único Messias, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Na situação atual do Brasil, o melhor remédio
contra o comunismo é estarem os católicos de sobreaviso, uma vez conscientes do
real valor do Catolicismo, esclarecidos na fé e unidos pela mais estrita
obediência à Igreja. E os católicos só estarão de sobreaviso contra qualquer
inimigo da religião e da pátria no dia em que começarem a confiar mais na
Igreja e menos nos homens.
Pelo advento desse dia é que trabalhamos certos de
que ele não tardará, confiando-o sempre aos planos da Divina Providência.
À vista da premência dos problemas contemporâneos,
certos leitores que não duvidariam dos frutos remotos de nossa atuação,
gostariam, entretanto, que nos pronunciássemos nitidamente por uma determinada
corrente política (cada qual entenda com isto a que lhe merece preferência), e
que procurássemos orientá-la em um sentido totalmente católico.
Acentuando de passagem a pronunciada ingenuidade
que tal conselho revela, queremos mostrar que nossa linha de conduta é útil a
todos os partidos políticos e, até mesmo sob o ponto de vista imediato, pode
produzir os melhores frutos.
Para sermos absolutamente positivos, reportemo-nos
às recentes diretrizes que, por intermédio do Ex.mo e Rev.mo Sr. Bispo
Auxiliar, o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano houve por bem baixar em
recente reunião do clero a respeito da atitude política dos católicos no atual
momento.
Distinguiu S. Ex.a Rev.ma o Sr. Bispo Auxiliar,
implicitamente, em sua exposição, três atitudes possíveis:
1) filiar-se o católico a um partido incompatível
com a Igreja;
2) filiar-se a um partido compatível;
3) não se filiar a partido nenhum.
Quanto ao primeiro caso, não oferece margem a dúvidas:
merece uma condenação sumária.
Quanto ao segundo caso, podem os católicos
conservar-se nessa situação desde que realmente seu partido seja compatível com
a doutrina católica, mas devem empenhar o melhor de seus esforços para que o
partido se oriente o mais possível no sentido católico.
Quanto ao terceiro caso, que é de todos o mais
louvável, devem os católicos evitar compromissos, reservando para a Igreja a
liberdade de seu voto.
O “Legionário” quer cooperar com todos os católicos,
inclusive com os que estão filiados a correntes partidárias.
Vejamos que serviço pode o “Legionário” prestar aos
católicos, à vista de tais determinações.
Quanto aos católicos filiados em
partidos políticos, apontando-lhes constantemente o que de louvável e o que de
censurável fazem o Partido ou seus dirigentes, o “Legionário” oferece ensejo
para que os males do partido sejam combatidos pelos seus próprios membros e
suas qualidades sejam preservadas de qualquer deterioração. Um eleitor católico
que seja perrepista, peceísta,
etc., tem todas as razões para agradecer ao “Legionário” a crítica imparcial
que faz aos homens de seu Partido, porque lhe permitirá exigir que se reforme o
que precisa de reforma e se mantenha o que deve ser mantido.
Quanto aos católicos que reservam seu voto para a
Igreja, é propriamente para eles que o “Legionário” é da maior utilidade.
Realmente, para que eles possam compreender com toda a precisão a que ponto é
necessária esta atitude de abstenção partidária e de atividade política, nada
será melhor do que mostrar, ao par das qualidades, os defeitos que fazem, de
nossos partidos políticos, um grande ponto de interrogação para qualquer
brasileiro amante da Igreja e da Pátria.
Colocados fora das disputas partidárias e
esclarecidos por um órgão de imprensa realmente imparcial, os católicos extra-partidários poderão inclinar a imensa massa eleitoral
que representam a favor de um ou de outro partido, segundo as exigências do
ideal católico à vista das circunstâncias do momento.
Com isto, ficarão sabendo os dirigentes de todos os
partidos políticos que cada passo que derem em sentido contrário ao da Igreja
distanciará deles essa grande massa eleitoral. E compreenderão que o melhor
interesse de seu partido consiste em não entrar em conflito com a consciência católica
do País.
Quem não compreende que, no complexo dessa situação,
a orientação do “Legionário” é a que consulta mais perfeitamente os interesse
da Igreja?
Não se pense que advogamos a fundação de um partido
católico, o que o nosso Episcopado, na sua alta sabedoria, julgou não ser
necessário, até o presente momento, para os interesses espirituais do Brasil.
Seria realmente uma lástima a fundação de um
partido católico que viesse forçar todos os católicos a saírem dos partidos em
que estão colocando em choque contra a Igreja todos os atuais partidos
políticos. O “Legionário” nunca advogaria esse erro palmar, uma vez que lhe
parece que organizações de outro feitio podem prestar serviços maiores, sem
nenhum desses pesadíssimos e inevitáveis inconvenientes.
Antes de encerrar a definição de nosso pensamento e
de nossa atitude política, queremos acentuar nitidamente que, por mais
prementes que sejam os problemas de ordem institucional e social com que nos
defrontamos neste momento dramático, a nenhuma atividade política atribuímos
lugar superior ao que cabe à Ação Católica.
A Ação Católica é de todas as obras a mais
necessária.
Frutos amargos da paganização
de nosso século, os problemas sociais contemporâneos só poderão ser resolvidos
com o retorno da humanidade ao grêmio da Santa Igreja Católica. E como esse
retorno é, essencialmente, uma obra de transformação interna do homem, é, em
última análise, dessa obra que depende o sucesso de qualquer empreendimento
restaurador, levado a cabo por entre os escombros vacilantes de nossa
civilização.
O meio que a Providência dispôs nos dias de hoje,
pela voz augusta do Sumo Pontífice, para que se possa “instaurare in Christo”
uma organização político-social superior à que ora desaba fragorosamente,
é a Ação Católica. Em suas fileiras, é que os leigos devem, de preferência,
exercer seu zelo apostólico. Para ela devem reservar o melhor dos seus
esforços. E para obter o seu triunfo, devem fazer subir ao Céu suas mais
ardentes orações.
Interferindo no terreno político para evitar que a
política venha a criar para a Ação Católica um ambiente hostil, não
pretendemos, por um momento sequer, deixar o título de nobreza que, dentro do
grêmio abençoado da Santa Igreja, mais ambicionamos, e que é o de membros da
Ação Católica.