Toda a Nação esperava com ansiedade o discurso que
o Presidente da República ia pronunciar no dia 7 de Setembro.
Para tanto, sobravam as razões. Em primeiro lugar,
o Sr. Getúlio Vargas é
incontestavelmente, no terreno político, o homem mais poderoso do Brasil.
Segundo a tradição republicana, todos os Presidentes, ao cabo do primeiro
biênio, entram em decadência política, e, nos últimos dias do quatriênio, já não
valem nada. O Sr. Getúlio Vargas, pelo contrário, conserva seu prestígio tão
fresco e tão intacto como se tivesse assumido ontem a suprema magistratura da
Nação. A prova manifesta disto está na conduta que os Srs. José Américo e
Armando Sales assumiram perante S. Ex.a. Destemperado como é, o Sr. José
Américo não tardaria a
dizer algumas coisas desagradáveis ao Sr. Getúlio Vargas. E disse-as. Mas,
comparando as pedras que atirou ao Presidente da República com as que costuma
atirar a todos e quaisquer cidadãos que têm a desventura de lhe desagradar,
vê-se que elas não passaram de insignificantes pedregulhos de jardim, projétil
bom para folguedos entre crianças ou namorados, e nunca arma adequada para
polêmicas de caráter partidário. A verdade é que o Sr. José Américo parece ter
respeito e medo do Sr. Getúlio Vargas.
E é preciso confessar que não é fácil meter medo no
intrépido político nordestino. Quanto ao Sr. Armando Salles, assumiu perante o Sr. Getúlio Vargas uma atitude
perfeitamente getuliana. Rompeu com ele. Aliou-se a
todos os seus adversários. Lança ao Sr. Flores da Cunha um olhar cheio de
compaixão e de solidariedade. Porém nunca abandona a precaução eminentemente getuliana de não fazer uma única declaração que lhe possa
fechar a retaguarda para uma eventual reconciliação com o ilustre habitante do
Palácio Guanabara. Ao menos até o presente momento, é o que se nota. Estes
fatos e muitos outros provam que o Sr. Getúlio Vargas continua a ser o árbitro
da política nacional, e que é ainda dos lábios sibilinos de S. Ex.a que sairão
as palavras que marcarão os rumos que o Brasil seguirá nos dias tormentosos que
vivemos.
Por tudo isto, e porque são inúmeros e gravíssimos
os problemas que dependem de uma solução presidencial, esperava a opinião
pública que o Sr. Getúlio Vargas fizesse no dia 7 de setembro um discurso
político de larga sensação.
* * *
Que rumo tomará o Brasil? Ou,
melhor, por que rumo empurrarão o Brasil?
Indubitavelmente, havia certa ingenuidade em
esperar-se do Sr. Getúlio Vargas um discurso de sensação. S. Ex.a é inimigo das
coisas barulhentas, porque barulho e despistamento
são coisas inconciliáveis. Mas, apesar de todos os pesares, havia uma razão que
parecia justificar a expectativa geral. É que inúmeros boatos circulam atualmente
e, neles, se atribuem ao Sr. Presidente da República intenções algumas das
quais são muito pouco lisonjeiras. O Sr. Pedro Vergara, prestigioso político dos mesmos pampas em que o Sr.
Getúlio Vargas nasceu, escreveu há dias, em letra de forma clara e legível, que
o Sr. Getúlio Vargas está preparando um golpe comunista “pour épater les bourgeois” e ter pretexto para se desvencilhar da
Constituição. Outros propalam que o Sr. Getúlio Vargas chamará ao poder os integralistas, abandonando o candidato escolhido
pessoalmente por S. Ex.a com o qual foram assumidos compromissos gravíssimos.
Outros, finalmente, dizem que o Sr. Getúlio Vargas ainda não abandonou a idéia de
um “tertius”
misterioso cujo nome ninguém conhece, mas cujas iniciais até mesmo os que são
muito pouco maliciosos adivinham: G. V. Outros dizem que não é bom assim, mas
GG.
À vista disto, pareceria do interesse do Sr.
Getúlio Vargas definir-se. Está disposto a reprimir o comunismo? Quer continuar
a governar sob o signo do barrete frígio? Prefere
mandar às urtigas o fraque presidencial para envergar uma camisa verde? Quer
voltar às doçuras da vida privada? Pareceria urgente uma definição.
Entretanto, essa definição S. Ex.a não a fez. Em
alguns tópicos, há críticas que tanto se pode supor que foram dirigidas ao Sr.
José Américo, como ao Sr. Plinio Salgado e até, se se
quiser, ao Sr. Armando Sales. Outro trecho faz o elogio das democracias fortes.
Ora, o Sr. José Carlos de Macedo Soares deu a entender que
é preciso consolidar o poder do Estado no regime democrático atualmente
vigente, enquanto o Sr. Plinio Salgado afirma que vai
implantar no Brasil a democracia forte que só se realizaria plenamente sob o
regime integralista. Com qual das duas receitas de
“democracia forte” ficará o Presidente da República? Por outro lado, em um dos
tópicos de seu discurso, o Sr. Getúlio Vargas afirma que é essa a última
alocução que dirigia aos Brasileiros como Presidente da República, e, um pouco
mais adiante, insinua que é preciso revogar as constituições que atrapalham a
vida política de um país. O que fará S. Ex.a? Cumprirá a Constituição, deixando
o poder? Ou revogará a Constituição? Seu discurso abre margem para ambas estas
hipóteses.
* * *
A opinião pública está extenuada com os atuais acontecimentos
políticos de que ela é mera paciente espectadora.
Infelizmente, pois, o País não ouviu, no seu
natalício político, a palavra clara e tranquilizadora que queria ouvir. E por
isto os boatos continuarão a fervilhar incoerentes, alarmantes, contraditórios
e anarquizadores.
Mas ninguém se contrariou. A opinião pública está
extenuada. Nada mais a comove, nada mais lhe causa pasmo, nada mais a pode
indignar. No atual estado de coisas, quando se desenrola uma política de que
ela é mera paciente e espectadora, ela não procura intervir, nem reclamar, nem
mesmo compreender. É nessa dolorosa situação, que o Brasil festejou o 115º
aniversário de sua independência.