Legionário, N.º 259, 29 de agosto de 1937

O perigo comunista na classe operária

 

A nossa situação é esta: estamos aptos a ter um dos operariados mais católicos ou mais bolchevistas do mundo, dependendo tudo de quem tomar a dianteira, se os propagandistas de Deus e de sua Santa Igreja, se os de Satanás e da III Internacional.

 

No último artigo de fundo, protestamos contra os boatos recentemente espalhados, e que continuam a circular embora com insistência menor, sobre um imediato perigo de insurreição comunista. Esta tática errada produziu o fruto que tinha de produzir. Mostrando o exagero que havia nos boatos alarmistas de origem anticomunista, certos políticos das nossas tristemente famosas “esquerdas” aproveitam a oportunidade para dar a entender que não existe perigo comunista no Brasil. É evidente que esta manobra, incalculavelmente mais nociva do que a primeira, merece ser denunciada e combatida “à outrance pelos católicos.

Dissemos em nosso último editorial que os católicos, neste assunto, não deveriam ser otimistas nem pessimistas, mas realistas. Para não ficarmos no vago - uma vez que todos os disseminadores de boatos otimistas ou pessimistas também se inculcam como realistas - vamos falar claro a respeito do que pensamos sobre o perigo comunista.

Será o único meio para dissiparmos, entre nossos leitores, o ambiente de tenebrosa confusão com que se procura turvar nossa política muito habilmente, “et pour cause”.

*  *  *

Vamos, em primeiro lugar, examinar a situação entre os operários e ver no que consiste o perigo comunista nesta classe.

Podemos afirmar categoricamente que não há, no nosso operariado, uma corrente comunista numerosa e organizada. Não quer isto dizer apenas que a maioria dos operários paulistas não é comunista. Quer dizer mais: que não há, entre os operários, uma corrente comunista de proporções avultadas. De sorte que, a nosso ver, não é de se recear que, hoje ou amanhã, o operariado faça causa comum com os agitadores de Moscou.

Com isto destruímos uma impressão que, intencionalmente ou não, os boatos pessimistas provocaram: de que qualquer trabalho social junto às massas operárias já era tardio, e que só a força era um anteparo contra as investidas comunistas. Esta impressão está errada. Ainda é tempo para se procurar pelo operário, evangelizando-o, formando-o, defendendo-lhe os direitos legítimos e conquistando sua simpatia. Neste como nos demais campos, a Ação Católica é o único antídoto contra as atividades comunistas e,  sem ela, fracassará qualquer repressão policial, por mais necessária e hábil que seja.

 Não importa isto, entretanto, em dizer que não existe um  perigo comunista entre os operários. A classe operária, tanto ou mais do que qualquer outra, está profundamente contaminada pelos erros modernos. O cinema, a imprensa que vive do noticiário de crimes e dos folhetins pornográficos, e mais do que tudo ignorância religiosa, destruíram na mentalidade operária quase todos os liames que a prendiam ao espírito de nossa civilização católica. De sorte que, com as exceções existentes em cada classe, a mentalidade de qualquer operário está entulhada de pontos de vista contrário à doutrina da Igreja. E isto implica em afirmar que ela está entulhada de pontos de infecção aptos a servir de ambiente para o desenvolvimento dos micróbios comunistas.

Acresce a isto - convêm dizê-lo embora desagrade a certa gente - com muita freqüência as condições de vida do operário são verdadeiramente desumanas. A famosa afirmação de que no Brasil não se morre de fome, só a fazem os que não conhecem os operários devorados pela tuberculose que a má nutrição ocasionou. É inútil dizer que esta circunstância torna particularmente apto o terreno, para a semeadura de idéias comunistas.

Ao lado de todas estas predisposições para o comunismo, existe, porém, muito freqüentemente, uma barreira: a Fé. O sentimento católico é, no coração de muitos operários, como aquelas graciosas plantas que se obstinam em crescer nas anfracturas dos mais áridos rochedos. A despeito das condições morais e sociais desfavoráveis à vida católica, os operários têm muito freqüentemente um sentimento religioso cândido e sincero que, graças à ignorância religiosa tão generalizada em todas as classes sociais, coexiste neles com idéias absolutamente incompatíveis com a doutrina da Igreja.

Por mais comprimido que seja este sentimento à sombra da civilização pagã do século XX, é absolutamente incontestável que ele pode ser desenvolvido por uma ação católica vigorosa.

Como conseqüência, afirmamos peremptoriamente que os operários têm, no seu atual estado de espírito, ótimas e péssimas tendências, que coexistem muitas vezes sem se chocar. É paradoxal, mas a realidade é esta.

Se a Ação Católica chegar ao operariado quanto antes - insistimos mais uma vez “quanto antes”, e não daqui a pouco ou muito tempo -, poderá desenvolver nele a Fé e extinguir as plantas daninhas. Se ela tardar, a ação comunista a precederá, extinguindo a Fé e desenvolvendo os maus germens. E a Ação Católica terá o lugar tomado.

A nossa situação é esta: estamos aptos a ter um dos operariados mais católicos ou mais bolchevistas do mundo, dependendo tudo de quem tomar a dianteira, se os propagandistas de Deus e de sua Santa Igreja, se os de Satanás e da III Internacional.

Perigo comunista imediato nas classes operárias, não o vemos.

Mas, se os católicos brasileiros não souberem trabalhar atualmente entre os operários, o Brasil terá o destino da Rússia e, o que é pior, ele o merecerá.

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Vamos, agora, aos otimistas.

A maior prova de que os otimistas estão profundamente errados ou mentem com malícia verdadeiramente satânica, é que as greves começam a estourar agora por toda a parte. Além da greve dos padeiros - dos quais alguns timbram tolamente em se chamar manipuladores de pão”, como se houvesse vergonha em ser padeiro - houve outra na Fábrica Klabim, outra ainda nas Fábricas Votorantim de Sorocaba, e mais algumas certamente arrebentarão.

O que significam estas greves? Não é preciso ser muito arguto para percebê-lo. De acordo com a tática comunista, os dirigentes dos sindicatos operários - que são muito freqüentemente comunistas aí colocados com a aquiescência, note-se bem, do Ministério do Trabalho - formulam reivindicações justas e outras inexeqüíveis, e promovem a greve. Ou o patrão cede e a indústria se anarquiza, ou o patrão não cede e o operário se irrita. Em uma como em outra hipótese, fica o campo preparado para a propaganda comunista.

Se bem que os chefes de sindicatos comunistas não se atrevam a fazer propaganda comunista declarada, preparam a fogueira. E, no dia do incêndio, já encontrarão material seco e apto a queimar depressa.

As greves denunciam a existência de uma trama comunista. Esta trama não é tão poderosa que justifique o desânimo, nem tão frágil que justifique a inércia. O que é preciso é desenvolver a ação católica junto aos operários.

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Não é sem certo constrangimento que fazemos estas observações. Mostrar aos católicos que eles devem trabalhar entre os operários para combater o comunismo é apenas argumentar com um lado da questão. Os católicos não devem fazer ação católica só para combater o comunismo. O fim da ação católica não é apenas o de destruir o mal, mas sobretudo o de fazer o bem.

Mas há hoje corações tão endurecidos que só à vista de um perigo os abre, tornando-os generosos de seu tempo ou de seu dinheiro.

É este perigo que mostramos honesta e claramente, sem  exageros otimistas nem pessimistas. No nosso próximo artigo trataremos de outro assunto: o perigo comunista entre os militares.