Legionário, N.º 257, 15 de agosto de 1937

Diretriz salvadora

 

“Buscai primeiro que tudo o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais Vos será dado de acréscimo”.  S. Matheus VI, 33.

 

Estamos seguramente informados de que, na última reunião ordinária do Clero, S. Ex.a Rev.mo o Sr. Bispo Auxiliar  transmitiu aos Rev.mos Srs. Sacerdotes as instruções do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano acerca de sua conduta no atual momento político.

Começou S. Ex.a Rev.ma por fazer ler a magnífica circular do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo ao seu Clero, em 1934, quando a luta partidária atingia seu auge, devido à proximidade das eleições. Lembrou Sua Ex.a Rev.ma que essas magnificas palavras conservavam em 1937 toda a sua atualidade, nada se lhes devendo acrescentar ou retirar.

Lembrou Sua Ex.a Rev.ma que as dificuldades tormentosas da atual situação devem ser consideradas com o olhar sereno da Fé. Por maiores que sejam as dificuldades que tenha de enfrentar, a Igreja não precisa de “salvadores”, bastando-lhe, em todas as emergências, seu Divino Salvador. A Igreja não precisa de forças humanas que a salvem. Garantida sua indestrutibilidade pela promessa divina, a Igreja não receia ser deglutida pelas  tormentas suscitadas pelos homens ou pelo espírito das trevas. E sua vida, durante as maiores perseguições, não é menos gloriosa do que quando floresce tranqüilamente à sombra de regimes que lhe são favoráveis. Pelo contrário, a Igreja vive esplendidamente sua vida, em nossos dias, sob o rigor das perseguições religiosas no México,  na Alemanha, na Rússia e na Espanha. À vida da Igreja não são essenciais as suntuosas  catedrais e os aparatos festivos das grandes cerimonias litúrgicas. Sua finalidade consiste na santificação das almas. E onde floresce o martírio sob o guante da perseguição, a Igreja  produz seu fruto próprio, que é a santidade. É falta de Fé, portanto, esperar de homens, de “messias”, a salvação de uma Igreja indestrutível por ser protegida pelo único verdadeiro Messias, que é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nestes termos, não há razão para que as paixões se extremem em favor de um ou de outro campo político. Só o que deve apaixonar os corações crentes é a Santa Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os Rev.mos Sacerdotes, portanto, não devem tomar posição a favor deste ou daquele partido político. Pastores de almas, devem cuidar exclusivamente da salvação das almas, não assumindo atitudes partidárias incompatíveis com o seu ministério.

Quanto às associações ou outras instituições religiosas, vigoram para elas as mesmas determinações. Não podem tomar atitude partidária de qualquer natureza, mantendo-se rigorosamente dentro de seu campo religioso. Fica-lhes, também, terminantemente proibido subvencionar, sob qualquer pretexto, qualquer corrente política, direta ou indiretamente.

Quanto aos membros de associações religiosas, já filiados a correntes partidárias, podem conservar-se nelas, desde que em nada o seu programa e a orientação de seus dirigentes contrarie a doutrina católica.

Finalmente, quanto ao membros de associações religiosas ainda não inscritos em correntes partidárias, é muito louvável que se mantenham livres de qualquer compromisso político, a fim de reservar exclusivamente para a Igreja o seu voto, caso ele lhe seja necessário.

Sem dúvida nenhuma, não pretende a Igreja imiscuir-se na política. Desde que, porém, essa venha a imiscuir-se em questões de interesse para Religião, será conveniente que um grande contingente de católicos sem compromissos políticos possa, a qualquer momento, tomar uma atitude livre e eficiente.

Não é necessário acrescentar que essas diretrizes, verdadeiro modelo de orientação política superior e esclarecida, através de cuja extraordinária lucidez e oportunidade se reflete claramente a ação do Espírito Santo, causaram em todos os presentes a mais justificada satisfação.

* * *

Estamos certos de que essa informação despertará, no coração de inúmeros católicos, um verdadeiro júbilo. Pelo conhecimento muito exato que todos, de todas as tendências da opinião católica da Arquidiocese, estamos em condições de afirmar que há uma verdadeira multidão de católicos que se sentiam angustiados pela falta de uma diretriz a seguir no atual momento. Repugnava-lhes aceitar essa diretriz de lábios outros do que as da Autoridade Eclesiástica, a única que autenticamente  tem o direito de invocar os interesses da Santa Igreja, para baixar palavras de ordem aos fiéis. Por outro lado, percebiam eles nitidamente que nossa situação pode tomar, de um momento para outro, rumos de tal maneira imprevistos, que os mais sagrados interesses da Igreja e da civilização podem vir a ser envolvidos pela luta que, de um extremo ao outro do País, se trava atualmente no terreno político. Como agir? Qual o caminho do dever? Era esta a pergunta angustiosa que aflorava a todos os lábios, à vista das tormentas que rugem pela imprensa e na tribuna do Parlamento.

Graças a Deus, a diretriz veio. Ela veio clara, superior, insofismável. Não proíbe aos católicos qualquer atitude política incompatível com a doutrina da Igreja. Mas, aconselha aos mais dedicados, aos que não se contentam em ser corretos mas querem ser perfeitos, que se abstenham de compromissos, caso ainda não os tenham assumido.

Essa solução é perfeita. O católico modelar, que dirige todas as suas ações no sentido de salvar as almas, deve desejar fazer de seu voto um instrumento de apostolado, certíssimo de que, assim, atenderá de modo perfeito aos mais fundamentais interesses da Pátria.

Ora, se é a salvação das almas e à defesa dos princípios católicos da civilização que se quer utilizar do voto, o que de melhor, o que de mais seguro, o que de mais perfeito, do que reservar este voto para uma eventualidade em que o reclame a Autoridade estabelecida pelo Redentor para salvar as almas e tutelar a civilização?

E se esse voto não for reclamado, não é com a mais inteira tranqüilidade de consciência que o católico irá depositá-lo na urna de acordo com suas preferencias políticas, certo de que cumpriu integralmente o seu dever para com a Igreja?

 

“Um só é o nosso partido: o dos Apóstolos, o partido de salvar almas” - PIO XI (alocução aos bispos Italianos).

 

A diretriz comunicada pelo Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo Auxiliar não contentará, entretanto, tão somente os que tinham alguma interrogação sobre a posição a assumir perante os partidos políticos. Ela constitui também motivo de intenso júbilo para aqueles que assumiram compromissos partidários com reta intenção.

Não há um único de nossos partidos políticos que seja, sob o ponto de vista religioso, homogêneo. Todos tem, ao lado de apreciável soma de católicos, numerosos espíritas, protestantes, etc. Todos esses partidos, portanto, estão expostos ao perigo de uma influência contrária à orientação da Igreja. Se os católicos se deixassem absorver em massa pelos partidos políticos, e o ardor partidário viesse a amortecer neles o espírito de dedicação irrestrita à Igreja, seria fácil aos maus elementos apossar-se dos partidos e desorientá-los. Mas desde que haja, pairando acima das disputas partidárias, uma massa eleitoral católica disciplinada, disposta a recusar seu voto a qualquer partido mal orientado, e a dá-lo exclusivamente no sentido da Igreja, os elementos nocivos que se encontram em todas as correntes perceberão que devem respeitar a orientação de seus correligionários católicos, sob pena de atraírem contra seu partido essa grande massa eleitoral extra-partidária.

Orientação como essas, seguras, eficientes, claras, positivas, úteis, confortam os corações, dilatam as consciências e enchem todos os católicos da maior confiança pelo destino da pátria.