Legionário, N.º 256, 8 de agosto de 1937

A Igreja não se deixa enfeudar por qualquer corrente política

No Diário de São Paulo do dia 31 p.p., o Sr. Alceu Amoroso Lima publicou, sob o conhecido pseudônimo de Tristão de Athayde, um artigo sobre “Espírito Partidário”, que desejamos transcrever para ser lido por aqueles de nossos leitores que, porventura, não o tenham visto no grande matutino paulista.

Essas palavras tem excepcional significação na hora que passa, à vista da merecida influência que o grande leader católico e escritor carioca tem em todos os círculos católicos do Brasil.

Não julgamos necessária, para sua perfeita compreensão, qualquer glosa ou comentário. Bastará o conhecimento dos fatos concretos a que ele se aplica, para que qualquer pessoa possa ajuizar de sua importância e de seu grande alcance.

“Fugi deste contra-senso doutrinário, pelo qual querem alguns identificar a religião com este ou aquele partido político, a tal ponto que chegam quase a declarar que seus adversários não são mais cristãos” Leão XIII

Diz o Sr. Amoroso Lima:

Um dos fenômenos indiscutíveis do momento social que estamos vivendo, no Brasil, é o renascimento do espírito de partido. Não sei dizer com segurança, e só os profetas o saberiam, se essa renovação é, apenas, como há meio século vem sendo, fruto da sucessão presidencial ou se desta vez representa a conseqüência de uma evolução política da mentalidade e do ambiente em que hoje vive o Brasil. Inclino-me a esta segunda hipótese, mas, seja como for, o incontestável é que, no momento, está em pleno vigor o espírito partidário. Será um bem? Será um mal? Pode ser uma ou outra coisa, pois dele derivam, em geral, duas conseqüências contraditórias. De um lado, uma intensificação sadia do espírito público, sem o qual decaem e morrem as nacionalidades e os regimes, a própria  civilização, podemos dizer. De outro, uma exacerbação de paixões pessoais, que elevam, a deturpação consciente ou inconsciente das idéias e das posições alheias - atendendo à justiça que deve invariavelmente presidir a todos os juízos humanos. O espírito partidário, pois, não é um mal nem um bem “em si” e apenas segundo o modo como for empregado. De qualquer forma é uma arma de manejo delicado que facilmente deflagra.

Vemo-lo, agora mesmo, nos juízos precipitados com que se critica a posição dos católicos em face da política e com que se interpretam contraditoriamente a doutrina da Igreja e as palavras de seus dirigentes. E o erro desses juízos, de que os próprios católicos não se isentam por vezes, é querer colocar a Igreja “entre os partidos”, no mesmo nível que eles, tomando posição por uns contra outros e dispondo-se, segundo as preferencias partidárias - à “direita” ao “centro” ou à “esquerda”. Há quem sustente, apoiado em palavras oficiais ou oficiosas, cada uma dessas três atitudes, como sendo “a” atitude “da Igreja”. E há mesmo quem queira ditar regras à consciência dos católicos apoiado em considerações dessa ordem.

Ora, é um grave erro, perdoável aos não católicos, mas imperdoável aos católicos, querer nivelar a Igreja a um partido, julgar que ela favorece necessariamente um partido contra outro ou colocá-la, por natureza, à direita, ao centro ou à esquerda. A Igreja não é um partido; não apoia incondicionalmente este ou aquele partido, nem se coloca em qualquer dessas três posições, em que se convencionou distribuir os partidos segundo suas idéias conservadoras, moderadas ou avançadas. A Igreja é um todo: aprova ou desaprova qualquer partido, de acordo com a posição deste em face de suas doutrinas e se coloca, não à direita ao centro à esquerda, mas “acima” de qualquer destas três posições e noutro plano, pois Deus transcende a essas divisões meramente convencionais e terrenas e a Igreja é, acima de tudo, divina.

Essas palavras não exprimem uma opinião pessoal, mas a doutrina mais ortodoxa. Foi o que há dias repetiu o cardeal Pacelli em Paris, quando disse que - “a Igreja não pretende favorecer ou combater qualquer classe social ou partido político”. E foi o que Pio XI, disse, em 18 de dezembro de 1927, ao dirigir-se à Federação Universitária Católica Italiana: “A Igreja e todos os seus representantes, em todos os graus de hierarquia, não podem ser um partido político, nem fazer a política de um partido (sic), o qual, por sua própria natureza, promove interesses particulares ou, quando visa o bem comum, sempre o faz pelo prisma de pontos-de-vista particulares”. São palavras que reproduzem a mesma invariável doutrina que Leão XIII acentuara na Encíclica Cum Multa”: -“Fugi deste contra-senso doutrinário, pelo qual querem alguns identificar a religião com este ou aquele partido político, a tal ponto que chegam quase a declarar que seus adversários não são mais Cristãos. Tal concepção tem o defeito de levar as divisões políticas ao terreno sagrado da religião; impede toda concórdia fraterna e abre as portas a toda espécie de desgraças”. O mal não é novo, portanto. E na sua famosa carta ao cardeal Betram, Pio XI vai além e explica que não se pode obrigar um católico a entrar em um partido político, mesmo quando fosse exclusivamente composto de católicos.“Tudo isso - paz e segurança da sociedade - obterá a Ação Católica, tanto mais seguramente quanto mais evite imiscuir-se, de modo algum, como dissemos, nos interesses dos partidos, mesmo quando composta de católicos (sic), aos quais é perfeitamente permitido divergir de opinião em questões controvertidas e deixadas a livre discussão” (13 - novembro, 1928).

Aqueles que dizem o contrário estão, pois, expressamente contraditando o Santo Padre.

Será então que este, pessoalmente, ou a Igreja, oficialmente, condenem os partidos políticos? Não. E é ainda em documento pontifício que me fundo para assim responder de modo categórico. É na carta ao cardeal Segura, de 6 de novembro de 1929, que Pio XI assim claramente se exprime:

“Nada impede aos fiéis de pertencer aos partidos políticos que lhes agradam, desde que a ação desses partidos em nada se oponha às leis de Deus e da Igreja”.

Essa é a palavra oficial da Igreja, sempre serena e superior, sempre num plano em que tudo se coloca à luz da verdade suprema das coisas, em que a autoridade de Deus e a liberdade do homem são respeitados de acordo com a própria natureza das coisas. Essa é a posição da Igreja em face dos partidos e essa, portanto, deve ser a dos católicos, por obrigação e, por bom senso, a dos que entendem respeitar a sabedoria dessa instituição que só tem contra si os homens de má vontade.