No Diário de São Paulo do dia 31 p.p., o Sr. Alceu
Amoroso Lima publicou, sob o conhecido pseudônimo de Tristão
de Athayde, um artigo sobre “Espírito
Partidário”, que desejamos transcrever para ser lido por aqueles de nossos
leitores que, porventura, não o tenham visto no grande matutino paulista.
Essas palavras tem excepcional significação na hora
que passa, à vista da merecida influência que o grande leader católico e escritor
carioca tem em todos os círculos católicos do Brasil.
Não julgamos necessária, para sua perfeita
compreensão, qualquer glosa ou comentário. Bastará o conhecimento dos fatos
concretos a que ele se aplica, para que qualquer pessoa possa ajuizar de sua
importância e de seu grande alcance.
“Fugi deste contra-senso doutrinário, pelo qual querem alguns
identificar a religião com este ou aquele partido político, a tal ponto que
chegam quase a declarar que seus adversários não são mais cristãos” Leão XIII
Diz o Sr. Amoroso Lima:
Um dos fenômenos indiscutíveis do momento social
que estamos vivendo, no Brasil, é o renascimento do espírito de partido. Não
sei dizer com segurança, e só os profetas o saberiam, se essa renovação é,
apenas, como há meio século vem sendo, fruto da sucessão presidencial ou se
desta vez representa a conseqüência de uma evolução política da mentalidade e
do ambiente em que hoje vive o Brasil. Inclino-me a esta segunda hipótese, mas,
seja como for, o incontestável é que, no momento, está em pleno vigor o espírito
partidário. Será um bem? Será um mal? Pode ser uma ou outra coisa, pois dele
derivam, em geral, duas conseqüências contraditórias. De um lado, uma
intensificação sadia do espírito público, sem o qual decaem e morrem as
nacionalidades e os regimes, a própria
civilização, podemos dizer. De outro, uma exacerbação de paixões
pessoais, que elevam, a deturpação consciente ou inconsciente das idéias e das posições
alheias - atendendo à justiça que deve invariavelmente presidir a todos os
juízos humanos. O espírito partidário, pois, não é um mal nem um bem “em si” e apenas segundo o modo como for
empregado. De qualquer forma é uma arma de manejo delicado que facilmente
deflagra.
Vemo-lo, agora mesmo, nos juízos precipitados com
que se critica a posição dos católicos em face da política e com que se
interpretam contraditoriamente a doutrina da Igreja e as palavras de seus
dirigentes. E o erro desses juízos, de que os próprios católicos não se isentam
por vezes, é querer colocar a Igreja “entre
os partidos”, no mesmo nível que eles, tomando posição por uns contra
outros e dispondo-se, segundo as preferencias partidárias - à “direita” ao “centro” ou à “esquerda”.
Há quem sustente, apoiado em palavras oficiais ou oficiosas, cada uma dessas
três atitudes, como sendo “a” atitude
“da Igreja”. E há mesmo quem queira
ditar regras à consciência dos católicos apoiado em considerações dessa ordem.
Ora, é um grave erro, perdoável aos não católicos,
mas imperdoável aos católicos, querer nivelar a Igreja a um partido, julgar que
ela favorece necessariamente um partido contra outro ou colocá-la, por
natureza, à direita, ao centro ou à esquerda. A Igreja não é um partido; não
apoia incondicionalmente este ou aquele partido, nem se coloca em qualquer
dessas três posições, em que se convencionou distribuir os partidos segundo
suas idéias conservadoras, moderadas ou avançadas. A Igreja é um todo: aprova
ou desaprova qualquer partido, de acordo com a posição deste em face de suas
doutrinas e se coloca, não à direita ao centro à esquerda, mas “acima” de qualquer destas três posições
e noutro plano, pois Deus transcende a essas divisões meramente convencionais e
terrenas e a Igreja é, acima de tudo, divina.
Essas palavras não exprimem uma opinião pessoal,
mas a doutrina mais ortodoxa. Foi o que há dias repetiu o cardeal Pacelli em Paris, quando
disse que - “a Igreja não pretende
favorecer ou combater qualquer classe social ou partido político”. E foi o
que Pio XI, disse, em 18 de
dezembro de 1927, ao dirigir-se à Federação Universitária Católica Italiana: “A Igreja e todos
os seus representantes, em todos os graus de hierarquia, não podem ser um
partido político, nem fazer a política de um partido (sic),
o qual, por sua própria natureza, promove interesses particulares ou, quando
visa o bem comum, sempre o faz pelo prisma de pontos-de-vista particulares”.
São palavras que reproduzem a mesma invariável doutrina que Leão XIII acentuara na
Encíclica “Cum
Multa”: -“Fugi deste
contra-senso doutrinário, pelo qual querem alguns identificar a religião com
este ou aquele partido político, a tal ponto que chegam quase a declarar que
seus adversários não são mais Cristãos. Tal concepção tem o defeito de levar as
divisões políticas ao terreno sagrado da religião; impede toda concórdia
fraterna e abre as portas a toda espécie de desgraças”. O mal não é novo, portanto.
E na sua famosa carta ao cardeal Betram, Pio XI vai além e explica que não se pode obrigar um
católico a entrar em um partido político, mesmo quando fosse exclusivamente
composto de católicos.“Tudo isso - paz e segurança da sociedade -
obterá a Ação Católica, tanto mais seguramente quanto mais evite imiscuir-se,
de modo algum, como dissemos, nos interesses dos partidos, mesmo quando
composta de católicos (sic), aos quais é
perfeitamente permitido divergir de opinião em questões controvertidas e
deixadas a livre discussão” (13 - novembro, 1928).
Aqueles que dizem o contrário estão, pois,
expressamente contraditando o Santo Padre.
Será então que este, pessoalmente, ou a Igreja,
oficialmente, condenem os partidos políticos? Não. E é ainda em documento
pontifício que me fundo para assim responder de modo categórico. É na carta ao
cardeal Segura, de 6 de novembro de 1929, que Pio XI assim claramente se
exprime:
“Nada
impede aos fiéis de pertencer aos partidos políticos que lhes agradam, desde
que a ação desses partidos em nada se oponha às leis de Deus e da Igreja”.
Essa é a palavra oficial da Igreja, sempre serena e
superior, sempre num plano em que tudo se coloca à luz da verdade suprema das
coisas, em que a autoridade de Deus e a liberdade do homem são respeitados de
acordo com a própria natureza das coisas. Essa é a posição da Igreja em face
dos partidos e essa, portanto, deve ser a dos católicos, por obrigação e, por
bom senso, a dos que entendem respeitar a sabedoria dessa instituição que só
tem contra si os homens de má vontade.