Legionário, N.º 253, 18 de julho de 1937

Um erro funesto que não deve ser repetido

Que lucraram os católicos na Constituinte? Porque perderam suas reivindicações?

 

O dia 16 de julho assinala, simultaneamente, três comemorações gratíssimas aos católicos: a festa de Nossa Senhora do Carmo, a promulgação da Constituição Federal e o “dia do Congregado Mariano”.

Não é uma simples coincidência que acumulou, em um mesmo dia, três datas tão salientes. Há, entre essas datas, um nexo íntimo que não pode escapar à atenção de um observador perspicaz. Nossa Senhora é a Padroeira do Brasil. A Constituição Federal - por mais defeituosa que seja, como realmente é, sob o ponto de vista político - assinala o maior triunfo obtido pelos brasileiros na esfera legislativa, em todos os 437 anos de existência. E o “dia do Congregado Mariano”, instituído exatamente no dia da Promulgação da Constituição, por proposta do Ex.mo Rev.mo Sr. D. Gastão Liberal Pinto, torna bem claro que sem a cooperação da mocidade mariana de todo o Brasil, e particularmente de São Paulo, o triunfo da causa católica ou não se teria verificado, ou teria sido muito menos brilhante do que realmente foi. A festa de 16 de julho assinala, pois, o triunfo obtido em um dia consagrado a Nossa Senhora, pelos soldados de Nossa Senhora, em benefício da causa de Nossa Senhora, em um país dedicado à Nossa Senhora.

Mandaria, pois, a natureza de tão festiva data que escrevêssemos um artigo laudatório sobre a grandeza da vitória realizada e a legítima ufania que os Congregados Marianos tem o direito de sentir, quando se lembram de seu grande  feito.

Mas já se foi o tempo dos artigos laudatórios. O momento não exige frases, mas ação, e muita ação. Em lugar de dizer algumas coisas que todo o mundo já conhece sobre a data de 16 de julho, será preferível que o “Legionário” teça algumas considerações que nem todos terão tido bastante argúcia para fazer.

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Nua e cruamente, a questão de que pretendemos tratar é a seguinte: do que valeu aos católicos brasileiros a vitória que obtiveram a 16 de julho de 1934?

Quase nada.

A opinião católica agiu, depois da promulgação da Constituição de 1934, como costumam fazer certas crianças malcriadas que choram, gritam, brigam e protestam, enquanto se lhes não dá determinado objeto. Apenas elas o tem na mão, no entanto, atiram-no para o lado, e pensam em outra coisa. Contenta-as o estéril prazer de se sentirem proprietárias do objeto. Quanto ao seu uso, bem pouco lhes importa. Antes de 1934, os católicos fizeram uma intensa propaganda pelo país inteiro. Afirmavam que era mister evitar o divórcio, instituir o ensino religioso, etc., etc. Em 1934, foi-lhes dado - ou melhor, eles arrancaram - tudo quanto desejavam. Tiveram a proibição do divórcio, casamento religioso com efeitos civis, o ensino religioso, as capelanias nas forças armadas, e a liberdade sindical. Sorriram. Fizeram um pouco de festas. E, depois, atiraram tudo isto a um canto, sentindo-se muito contentes com a idéia de que venceram, e despreocupando-se inteiramente de colher os frutos da vitória.

Se lançarmos, hoje, um golpe de vista sobre a utilidade prática que os católicos tiraram de suas conquistas, seremos forçados a constatações dolorosas.

O ensino religioso é, de todas as reivindicações católicas, a que foi aproveitada de modo melhor. E, no entanto, podemos dizer que é quase ineficiente. O que, em São Paulo, se passa a este respeito, é absolutamente significativo. Uma admirável organização conseguiu estabelecer o ensino religioso, ministrado apenas durante meia hora por semana, é absolutamente insuficiente para formar a mentalidade católica da mocidade escolar. A Religião aparece aos olhos dos alunos como a mais insignificante das matérias que estudam, pois que, de todas, é a que consome menor espaço de tempo no horário escolar. E, por isso, o ensino religioso produz efeitos imensamente menos benéficos que se poderia desejar.

Quanto ao divórcio, realmente foi proibido. Mas continuam as anulações fraudulentas de casamento, sem que ninguém, entre nossos legisladores, se lembre de providenciar a este respeito. Ao menos, não conhecemos um único projeto sobre tão palpitante assunto.

O casamento religioso com efeitos civis foi regulamentado. Mas de modo tão infeliz, que nem um único Bispo se sentiu com coragem de o por em execução.

A assistência religiosa às forças armadas não existe.

E os sindicatos católicos ainda não se puderam organizar, graças às manobras do Ministério do Trabalho, que se opõe à promulgação de qualquer lei contrária à unidade sindical.

De sorte que, se formos examinar as coisas com espírito positivo, chegaremos à seguinte conclusão: das cinco reivindicações católicas, só uma foi aproveitada. E assim mesmo de modo muito imperfeito e incompleto.

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Mas, a despeito disto, os católicos, iludidos e satisfeitos, continuam certos de que o Brasil é deles. Contentam-se em ler as reivindicações na Constituição. Quanto aos frutos, ao proveito, à utilidade, pouco lhes importa.

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Já nos temos fartado de explicar a causa disto. Mas é conveniente insistir sobre o assunto.

Em 1934, os católicos compareceram às eleições federais e estaduais, embalados por promessas capciosas e empolgados por paixões políticas que nada tinham a ver com seus interesses religiosos.

Como promessas capciosas, figuravam as vagas afirmações de catolicidade que distribuíram os candidatos. Como paixões políticas, tivemos os pruridos perrepistas, peceistas etc., que fizeram com que os católicos se esquecessem de suas reivindicações, para pensar exclusivamente na politicagem.

A conseqüência não se fez esperar muito. Reunidas as Câmaras Legislativas, a opinião católica verificou com assombro que nenhuma delas era capaz de regulamentar as emendas católicas introduzidas na Constituição. E, com isto, ficou perdido todo o fruto dos trabalhos de 1933.

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Quererão os católicos sofrer em 1938 idêntico insucesso? Quererão esquecer-se novamente da Igreja, para lembrar-se apenas da politicagem? São essas as interrogações angustiadas que formulam todos os espíritos sensatos.

O que farão os católicos?

O Ministro Oswaldo Aranha disse a S. Ema o Cardeal D. Sebastião Leme que os católicos, em 1933, intervieram nas eleições de forma tão salutar, que salvaram o Brasil do comunismo.

Saberão eles fazer o mesmo em 1938? Ou renovarão eles o erro de 1934 que abriu para o país uma nefastíssima era, assinalada lugubremente pelos levantes criminosos de Novembro de 1935?