Legionário, N.º 251, 4 de julho de 1937

Os Católicos e a sucessão presidencial

No momento em que se aproximam as eleições presidenciais, quando a opinião pública procura formar impressões sobre as diversas candidaturas em jogo, não poderia deixar o “Legionário” de dizer uma palavra para orientar os seus eleitores.

Antes de fazê-lo, porém, quer ele hipotecar mais uma vez sua irrestrita submissão às autoridades eclesiásticas. Incumbindo a estas, e a mais ninguém, orientar a opinião católica em todos os assuntos em que esteja em jogo o interesse da Igreja, o “Legionário” declara desde já que as opiniões que externar neste, como em outros assuntos, valerão se e enquanto aprovados por quem de direito. E de antemão protesta submeter-se a todas as diretrizes no sentido da ação ou da abstenção, da luta ou da expectativa. Estabelecida, porém, esta preliminar indispensável, parece ao “Legionário” que ele trairia seu dever jornalístico silenciando sobre um assunto que, além de ser do máximo interesse para o Brasil, é ainda de grande alcance para a Igreja.

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Antes de mais nada, é preciso que os católicos tenham uma idéia bem exata da situação em que se encontram. Sem isto, não lhes será possível agir com acerto.

Francamente, achamos que são pouquíssimos os católicos, mesmo entre os mais ardorosos, que tem uma noção exata da situação da Igreja no Brasil. Em matéria de combate aos seus adversários religiosos, os católicos brasileiros conhecem quase exclusivamente o sistema medieval de combates, com densas e maciças cargas de cavalaria em campo aberto e raso. Ignoram eles, em geral, as artimanhas subtis da arte militar. Desdenham as posições estratégicas. Abandonam ao adversário as culminâncias de onde um tiro vale por cem e um homem por mil. E, por isto, enquanto reúnem em suas associações massas populares compactas e fervorosas para a pugna em campo raso, os seus adversários, habilmente emboscados e admiravelmente municiados, conquistam terreno a cada passo, a despeito de sua inferioridade numérica.

Quais são, no Brasil, as grandes posições estratégicas? Em primeiro lugar, o jornalismo, o rádio e o cinema. Um jornal de tiragem comum, como o “Estado de São Paulo” ou o “Diário de São Paulo”, tem uma saída diária de mais de 40.000 exemplares. Sentado na sua sala de redação, o jornalista escreve, pois, para 40.000 leitores diários. São 40.000 pessoas a receber quotidianamente um alimento intelectual ou será vida ou morte para as suas almas, conforme for a orientação do jornalista. A eficiência da Imprensa para a disseminação do bem é, pois, absolutamente incontestável. O mesmo se poderia dizer do rádio ou do cinema. Entretanto, corramos os olhos pelo Brasil. O que tem feito os católicos neste terreno? Não é necessário que nos submetamos à dor de dar uma resposta.

Se o rádio, o jornal e o cinema tem grande influência para a formação do público em geral, a Universidade é um meio incomparável para a formação das “elites”. A questão religiosa é, no Brasil, em grande parte um problema de “elites”. O povo, em geral, é católico. Ou ao menos não é anticatólico. Mas as “elites” intelectuais ou sociais são, em geral, hostis ao catolicismo. Conservam certos hábitos de inspiração cristã, como por exemplo o de dar esmolas, o de receber o batismo ou de se casar religiosamente... quando não se é divorciado. Mas é só. Enquanto o Brasil não tiver Universidades católicas, não poderá ter “elites” católicas. E, enquanto não tiver “elites” católicas, não terá sido resolvida em suas fronteiras a questão religiosa. Entretanto, o que fazem as Universidades no Brasil? Examinem-se as preleções de grande número de seus Mestres. E a resposta dolorosa não se fará esperar: são em geral fábricas de comunistas, de ateus ou de céticos.

Mas o Brasil tem outro problema: a questão militar. Enquanto o Exército e a Armada continuarem trabalhando pelo extremismo, enquanto a mentalidade laica e contista dirigir certas altas esferas de nossas forças armadas; enquanto o soldado raso, o oficial intermediário ou a alta patente não tiverem o espírito da Igreja, o Brasil católico corre risco. Porque bastará que se aproxime a fagulha comunista do paiol perigoso que está latente em tantos e tantos círculos militares, e o Brasil será teatro das cenas as mais dolorosas. Querem uma prova: leiam os jornais de novembro de 1935. O que fez o operariado naqueles dias dolorosíssimos? Conservou-se inerte. Não marchou ao lado dos comunistas. Não teve nem sequer um frêmito de entusiasmo platônico a favor dos pretensos libertadores. Onde se recrutaram na sua quase totalidade os conspiradores? Nas nossas “elites” que são na realidade pseudo-elites, e nas nossas Forças Armadas. O que fazem os católicos neste terreno? Poupem-nos a dor de dizer: quase nada.

Dissemos que a massa não marchou ao lado dos comunistas. É verdade. Mas também uma outra coisa é verdade: a massa não marchou contra os comunistas. E dificilmente marcharia. O operariado nacional não tem ainda convicções comunistas. Mas as condições sociais se lhe apresentam muitas vezes tão duras que ele não sente o menor apego ao instituto da propriedade privada, por ele injustamente acusado de causador de seus sofrimentos. Além disto, sua ignorância religiosa é tão grande que ele tem o espirito aberto ao vento da revolta que sopra em nossos dias contra toda e qualquer autoridade. O que fazem os católicos neste terreno? Muito, certamente. Mas um “muito” que é pouquíssimo à vista do que se tem a fazer.

No dia em que tivéssemos ótima imprensa católica, excelentes estações de rádio, ótima organização cinematográfica, Universidades Católicas florescentes, perfeitíssima organização da Ação Católica nas Forças Armadas, organização sindical católica irrepreensível, poderíamos estar tranqüilos.

Mas em lugar de procurar a conquista destes importantíssimos pontos estratégicos, o que fazem os católicos? Dedicam-se, em geral, no trabalho ingrato de arregimentação de massas, pela conquista de indivíduo a indivíduo. O que eqüivale a dizer que tentam a conquista religiosa dos 40 milhões de brasileiros pelo sistema ingrato do conta-gotas. Procuram atrair para a Igreja a imensa massa de nossa população fazendo-a passar pelo funil excessivamente estreito de uma propaganda meramente individual.

Importa isto em uma censura? Não. Seria preciso ser imbecil para ignorar as dificuldades que se erguem no caminho de cada uma das grandes realizações que apontamos. Essas dificuldades só agora começam a parecer removíveis, mercê do estupendo renascimento religioso que se vem operando no Brasil e que tem congregado grandes massas sob a bandeira da Igreja.

Feito, porém, este trabalho ingrato entre todos da arregimentação dos primeiros milicianos, importa abrir os olhos para os segredos da estratégia. Não nos exponhamos inutilmente no trabalho em campo raso. Conquistem para nós as batalhas, os labirintos, os subterrâneos e as trincheiras em que estão aninhados nossos adversários. Não podendo conquistá-las, façamos para nosso uso outras iguais. Em qualquer caso, tratemos de nos colocar em posição estratégica. Assim, ganharemos tempo, ganharemos trabalho, e principalmente ganharemos terreno. Porque nossos inimigos estão correndo ao nosso encontro. Não tardará muito, talvez, que o Brasil esteja sufocado por um grupo deles, aninhado em nossas posições estratégicas.

Católicos! O Brasil pode ser conquistado por nós, para a Santa Igreja de Deus.

Para isto, basta que queiramos e que saibamos rezar; mas que queiramos e saibamos também combater.

Santo Inácio dizia que devemos rezar como se tudo dependesse de Deus e nada de nós. E depois agir como se tudo dependesse de nós e nada de Deus.

Não é verdade que há muita gente que faz o contrário: desdenha a oração como se tudo dependesse de si e nada de Deus; e foge à ação como se tudo dependesse de Deus e nada de si?

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Ao cabo da leitura deste artigo, muita gente perguntará o que tem de ver isto com a sucessão presidencial. Os leitores que a si mesmos fizeram esta pergunta podem desde já fazer sobre si mesmo o seguinte juízo: ignoram o A.B.C. da nossa política.

No nosso próximo número diremos porque.