No momento em que se aproximam as
eleições presidenciais, quando a opinião pública procura formar impressões
sobre as diversas candidaturas em jogo, não poderia deixar o “Legionário” de
dizer uma palavra para orientar os seus eleitores.
Antes de fazê-lo, porém, quer ele hipotecar mais
uma vez sua irrestrita submissão às autoridades eclesiásticas. Incumbindo a
estas, e a mais ninguém, orientar a opinião católica em todos os assuntos em
que esteja em jogo o interesse da Igreja, o “Legionário” declara desde já que
as opiniões que externar neste, como em outros assuntos, valerão se e enquanto
aprovados por quem de direito. E de antemão protesta submeter-se a todas as
diretrizes no sentido da ação ou da abstenção, da luta ou da expectativa.
Estabelecida, porém, esta preliminar indispensável, parece ao “Legionário” que
ele trairia seu dever jornalístico silenciando sobre um assunto que, além de
ser do máximo interesse para o Brasil, é ainda de grande alcance para a Igreja.
* * *
Antes de mais nada, é preciso que os católicos
tenham uma idéia bem exata da situação em que se encontram. Sem isto, não lhes
será possível agir com acerto.
Francamente, achamos que são pouquíssimos os
católicos, mesmo entre os mais ardorosos, que tem uma noção exata da situação
da Igreja no Brasil. Em matéria de combate aos seus adversários religiosos, os
católicos brasileiros conhecem quase exclusivamente o sistema medieval de
combates, com densas e maciças cargas de cavalaria em campo aberto e raso.
Ignoram eles, em geral, as artimanhas subtis da arte militar. Desdenham as
posições estratégicas. Abandonam ao adversário as culminâncias
de onde um tiro vale por cem e um homem por mil. E, por isto, enquanto reúnem
em suas associações massas populares compactas e fervorosas para a pugna em
campo raso, os seus adversários, habilmente emboscados e admiravelmente
municiados, conquistam terreno a cada passo, a despeito de sua inferioridade
numérica.
Quais são, no Brasil, as grandes posições
estratégicas? Em primeiro lugar, o jornalismo, o rádio e o cinema. Um jornal de
tiragem comum, como o “Estado de São
Paulo” ou o “Diário de São Paulo”,
tem uma saída diária de mais de 40.000 exemplares. Sentado na sua sala de
redação, o jornalista escreve, pois, para 40.000 leitores diários. São 40.000
pessoas a receber quotidianamente um alimento intelectual ou será vida ou morte
para as suas almas, conforme for a orientação do jornalista. A eficiência da
Imprensa para a disseminação do bem é, pois, absolutamente incontestável. O
mesmo se poderia dizer do rádio ou do cinema. Entretanto, corramos os olhos
pelo Brasil. O que tem feito os católicos neste terreno? Não é necessário que
nos submetamos à dor de dar uma resposta.
Se o rádio, o jornal e o cinema tem grande
influência para a formação do público em geral, a Universidade é um meio
incomparável para a formação das “elites”.
A questão religiosa é, no Brasil, em grande parte um problema de “elites”. O povo, em
geral, é católico. Ou ao menos não é anticatólico.
Mas as “elites” intelectuais ou
sociais são, em geral, hostis ao catolicismo. Conservam certos hábitos de
inspiração cristã, como por exemplo o de dar esmolas, o de receber o batismo ou
de se casar religiosamente... quando não se é divorciado. Mas é só. Enquanto o
Brasil não tiver Universidades católicas, não poderá ter “elites” católicas. E, enquanto não tiver “elites” católicas, não terá sido resolvida em suas fronteiras a
questão religiosa. Entretanto, o que fazem as Universidades no Brasil?
Examinem-se as preleções de grande número de seus Mestres. E a resposta
dolorosa não se fará esperar: são em geral fábricas de comunistas, de ateus ou
de céticos.
Mas o Brasil tem outro problema: a questão militar.
Enquanto o Exército e a Armada continuarem trabalhando pelo extremismo,
enquanto a mentalidade laica e contista
dirigir certas altas esferas de nossas forças armadas; enquanto o soldado raso,
o oficial intermediário ou a alta patente não tiverem o espírito da Igreja, o
Brasil católico corre risco. Porque bastará que se aproxime a fagulha comunista
do paiol perigoso que está latente em tantos e tantos círculos militares, e o
Brasil será teatro das cenas as mais dolorosas. Querem uma prova: leiam os
jornais de novembro de 1935. O que fez o operariado naqueles dias dolorosíssimos? Conservou-se inerte. Não marchou ao lado
dos comunistas. Não teve nem sequer um frêmito de entusiasmo platônico a favor
dos pretensos libertadores. Onde se recrutaram na sua quase totalidade os
conspiradores? Nas nossas “elites”
que são na realidade pseudo-elites, e nas nossas
Forças Armadas. O que fazem os católicos neste terreno? Poupem-nos a dor de
dizer: quase nada.
Dissemos que a massa não marchou ao lado dos
comunistas. É verdade. Mas também uma outra coisa é verdade: a massa não
marchou contra os comunistas. E dificilmente marcharia. O operariado nacional
não tem ainda convicções comunistas. Mas as condições sociais se lhe apresentam
muitas vezes tão duras que ele não sente o menor apego ao instituto da propriedade
privada, por ele injustamente acusado de causador de seus sofrimentos. Além
disto, sua ignorância religiosa é tão grande que ele tem o espirito aberto ao
vento da revolta que sopra em nossos dias contra toda e qualquer autoridade. O
que fazem os católicos neste terreno? Muito, certamente. Mas um “muito” que é pouquíssimo à vista do que
se tem a fazer.
No dia em que tivéssemos ótima imprensa católica,
excelentes estações de rádio, ótima organização cinematográfica, Universidades
Católicas florescentes, perfeitíssima organização da Ação Católica nas Forças
Armadas, organização sindical católica irrepreensível, poderíamos estar
tranqüilos.
Mas em lugar de procurar a conquista destes
importantíssimos pontos estratégicos, o que fazem os católicos? Dedicam-se, em
geral, no trabalho ingrato de arregimentação de
massas, pela conquista de indivíduo a indivíduo. O que eqüivale a dizer que
tentam a conquista religiosa dos 40 milhões de brasileiros pelo sistema ingrato
do conta-gotas. Procuram atrair para a Igreja a imensa massa de nossa população
fazendo-a passar pelo funil excessivamente estreito de uma propaganda meramente
individual.
Importa isto em uma censura? Não. Seria preciso ser
imbecil para ignorar as dificuldades que se erguem no caminho de cada uma das
grandes realizações que apontamos. Essas dificuldades só agora começam a
parecer removíveis, mercê do estupendo renascimento religioso que se vem
operando no Brasil e que tem congregado grandes massas sob a bandeira da
Igreja.
Feito, porém, este trabalho ingrato entre todos da arregimentação dos primeiros milicianos, importa abrir os
olhos para os segredos da estratégia. Não nos exponhamos inutilmente no
trabalho em campo raso. Conquistem para nós as batalhas, os labirintos, os
subterrâneos e as trincheiras em que estão aninhados nossos adversários. Não
podendo conquistá-las, façamos para nosso uso outras iguais. Em qualquer caso,
tratemos de nos colocar em posição estratégica. Assim, ganharemos tempo,
ganharemos trabalho, e principalmente ganharemos terreno. Porque nossos
inimigos estão correndo ao nosso encontro. Não tardará muito, talvez, que o
Brasil esteja sufocado por um grupo deles, aninhado em nossas posições
estratégicas.
Católicos! O Brasil pode ser conquistado por nós,
para a Santa Igreja de Deus.
Para isto, basta que queiramos e que saibamos
rezar; mas que queiramos e saibamos também combater.
Santo Inácio dizia que devemos
rezar como se tudo dependesse de Deus e nada de nós. E depois agir como se tudo
dependesse de nós e nada de Deus.
Não é verdade que há muita gente que faz o
contrário: desdenha a oração como se tudo dependesse de si e nada de Deus; e
foge à ação como se tudo dependesse de Deus e nada de si?
* * *
Ao cabo da leitura deste artigo, muita gente
perguntará o que tem de ver isto com a sucessão presidencial. Os leitores que a
si mesmos fizeram esta pergunta podem desde já fazer sobre si mesmo o seguinte
juízo: ignoram o A.B.C. da nossa política.
No nosso próximo número diremos porque.