Em nosso último número, fizemos uma crítica leal e
aberta ao Governo que pôs em liberdade algumas centenas de indivíduos que
estavam sendo acusados de atentar contra a Igreja, a Civilização e a Pátria.
Nossa crítica nos mereceu aplausos que muito nos
alegraram. Mas suscitou também reparos aos quais devemos toda a consideração.
Por isto tornamos a examinar em consciência nossa atitude, e chegamos à
convicção de que ela foi exatamente o que deveria ter sido, pelo que não se lhe
tiramos ou acrescentamos nem uma linha ou um ponto. Vamos, novamente, insistir
sobre a matéria, que é da maior importância. Com isto, teremos oportunidade
para desenvolver mais detalhadamente nossas observações e definir com clareza
absoluta a nossa posição.
Recapitulemos, primeiramente, os fatos.
Em Novembro de 1935, irrompeu na Capital Federal,
em Recife e em Natal, uma rebelião comunista que se caracterizou imediatamente
por atos de violência vandálica, ante os quais se encheu de indignação a
opinião pública.
As autoridades começaram imediatamente a
providenciar. Colocou-se o País em estado de guerra. Suspenderam-se as
garantias constitucionais. Estabeleceu-se a censura à imprensa. Todos os
partidários do governo proclamaram bem alto que o perigo comunista tinha
penetrado muito a fundo em nossa sociedade e que só um prolongado regime de
exceção poderia debelar o mal. Encheram-se as prisões de pessoas acusadas de
cumplicidade com a revolução. E, na Câmara, os representantes da maioria afirmavam
bem alto que essas prisões estavam sendo feitas com a máxima imparcialidade,
atingindo somente pessoas contra as quais pesavam sérios indícios de
culpabilidade.
Revelou-se um ano inteiro para instituir os
Tribunais de exceção. O erro assim cometido foi monstruoso. Na volúvel e infiel
memória do nosso público, apagou-se o horror aos crimes praticados. O olvido
foi descendo sobre os nomes das principais vítimas. O ambiente se foi tornando
cada vez mais propício ao perdão e à desídia. E quando, finalmente, o Tribunal
de Segurança foi instalado, começou a funcionar com extraordinário vagar, em
grande parte pela deficiência dos meios que o Governo punha ao seu alcance. De
sorte que arrefeceu muito a indignação popular contra os bandidos de 1935. Enquanto isto, continuava as prisões de elementos nocivos à ordem
pública. Por que? Porque todas as autoridades persistiam em afirmar a iminência
do perigo comunista. Excetuou-se apenas o Sr. Getúlio Vargas que no seu discurso
de Ano Bom de 1937, dirigido pelo rádio a todos os brasileiros, afirmou que a
ordem estava restabelecida. O que não impediu S. Ex.a de manter por mais meio
ano a fio o estado de guerra, a tal ponto lhe era impossível manter a
tranqüilidade social sem medidas de exceção, aliás o próprio Presidente da
República modificou o otimismo de suas palavras de Ano Bom, afirmando, no seu
famoso e ainda recente discurso aos militares de Petrópolis,
que terríveis maquinações urdem atualmente contra as instituições vigentes.
Dias depois, o ministro da Guerra discursava aos militares, afirmando que o
perigo comunista continuava a nos ameaçar. O Sr. Filinto
Müller continuava
incessantemente a descobrir células comunistas. E ainda há 10 dias atrás a
Polícia carioca noticiava a prisão de elementos do Comitê de Transportes do
Partido Comunista Brasileiro. O que significa a existência de um “Comitê de Transportes” senão uma extraordinária perfeição no aparelhamento da propaganda comunista? Qual o partido
burguês que, no Brasil, se dá o luxo de ter um “Comitê de Transportes”? O P.C. e o P.R.P., por exemplo, não o tem.
A esta altura, o Sr. José Carlos de Macedo Soares assume a pasta da
Justiça e solta 308 presos, de uma só vez. Depois, vieram outras solturas.
Quem foi a gente que S. Ex.a soltou? No último
número, já falamos sobre a filha do Sr. Deputado Justo de Moraes. Ninguém ignora quem é o Sr. Justo de Moraes. Deputado,
grande advogado, jornalista, portador de um nome de grandes tradições e de uma
fortuna apreciável, o Sr. Justo de Moraes goza do maior conceito no Rio de
Janeiro. É, pois, muito fácil imaginar o escândalo ocasionado na sociedade do Rio
pela prisão de sua filha. Que atitude tomou o Sr. Justo de Moraes quando esse
deplorável acontecimento se verificou? Protestou na tribuna da Câmara? Não.
Rompeu com o Governo a quem dava seu apoio? Não. Tomou qualquer atitude da qual
se deduzisse a convicção de que sua filha era inocente? Também não. Para que
mais formal confissão? E foi essa moça que o Sr. Macedo Soares pôs em
liberdade.
O “Estado de
São Paulo”, há dias, publicou uma relação de extremistas rio-grandenses soltos. Um deles, José de Macedo, foi o chefe do movimento em Natal, e roubou 110 contos
no Banco daquela cidade. Epiphanio Guilhermino foi o principal
autor dos ataques a bancos daquela cidade. Francisco Gregório, antigo assassino, chefiou o movimento comunista nas
docas. Jonas Reginaldo, Joel Paulista e José Lopes Bastos promoveram levantes
em Mossoró e Assu, onde diversas pessoas
perderam a vida. Toda essa gente foi posta em liberdade pelo atual Ministro da
Justiça.
Pareceu que não seria necessário dizer mais para
provar a imperdoável leviandade - e leviandade ainda é o que de melhor se possa
dizer no assunto - com que se procedeu na soltura dos comunistas.
Se havia 308 pessoas detidas sem razão, o Sr.
Macedo Soares deveria
responsabilizar por isto o Sr. Getúlio Vargas e o Sr. Filinto Müller. Deveria considerá-los tiranos da pior espécie, e
indignos do convívio com um homem de bem. Mas isto não se deu. O Sr. Macedo
Soares aceitou o cargo de subordinado do Sr. Getúlio Vargas e chefe do Sr. Filinto Müller. Se os 308
indivíduos que o Sr. Macedo Soares soltou eram inocentes ele andou mal reingressando no Ministério. Se eram culpados, [errou] ao
restituí-los à liberdade.
Quem será capaz de dizer que este raciocínio está
errado?
Se andou mal o Sr. Ministro da Justiça, então
deve-se dizer que andou muito mal. Porque quem faz um mal muito grande anda,
evidentemente, muito mal. O Sr. de La Palisse e o
Conselheiro Acácio já tinham descoberto esta verdade.
Dirá alguém: mas o Sr. Ministro da Justiça
declarou-se sempre católico. Quererá o “Legionário” duvidar de sua sinceridade?
O “Legionário” não quer duvidar, negar, ou afirmar. Só Deus, que “sonda os rins e o coração” com seu
olhar penetrante, saberá dizê-lo.
Como jornalistas, julgamos os atos
das pessoas. Não, porém, as próprias pessoas, isto é o grau de responsabilidade
que têm pelos atos que praticam.
Dir-se-á que faltou apenas, ao Sr. Macedo Soares,
quem o orientasse, mostrando-lhe o verdadeiro alcance de seu gesto.
Façamos justiça à inteligência do Sr. Macedo
Soares: S. Ex.a não precisa do auxilio de quem quer que seja para perceber a
inconveniência patente de seu gesto. Qualquer indivíduo de medianas luzes
intelectuais ve-lo-ia logo. Quanto mais S. Ex.a, que
é Embaixador, ex-secretário do Estado, ex-Deputado federal e ex-Ministro
do Exterior!