Um comunicado da Secretaria da
Segurança, que inserimos em outra seção desta folha, informa a opinião pública
sobre o destino dos comunistas presos por ocasião da mazorca de 1935. Por esse
comunicado, verificamos que grande número dos supostos revolucionários tem sido
restituído à liberdade, e que há toda a probabilidade de que, em virtude de
futuras sentenças judiciárias, um número ainda maior de pessoas venha a ser
dispensada do estágio obrigatório no Presídio do Paraíso.
Esse fato não é peculiar a São Paulo. Reflete ele
uma linha de conduta adotada no Brasil inteiro a partir de dezembro de 36. Até
essa época, todos os rigores pareciam poucos, todas as grades fracas, todas as
fechaduras insuficientes. Em dezembro de 36, apertadas certas molas políticas
ou “super-políticas”,
a situação se transformou inteiramente. E os partidos burgueses, tanto os
situacionistas quanto os oposicionistas, inauguraram uma política de tolerância
que vem sendo invariavelmente seguida de então até agora.
Isto posto, dever-se-ia deduzir que o perigo
comunista está em franco declínio, e que é tal o grau de imunização da opinião
pública contra o vírus moscovita que todos os agentes de infeção comunista,
reputados perigosos em 35, são, hoje em dia, inteiramente inofensivos e podem
circular livremente pelo Brasil, sem perigo para as instituições sociais.
Isto, entretanto, não se dá. É, ao menos, o que
devemos deduzir da mensagem em que o Sr. Presidente da República pede ao Poder
Legislativo a prorrogação do Estado de Guerra por 90 dias. Nessa mensagem, S.
Ex.a declara, inicialmente, que o perigo comunista continua de pé, e ainda se
conserva tão forte que não se pode, sem imprudência, restabelecer as garantias
individuais consagradas pela Constituição de 1934.
A afirmação de S. Ex.a está de inteiro acordo com
as notícias que, quase quotidianamente, os jornais nos trazem a respeito de
células comunistas descobertas nos mais remotos rincões do país. Ora é em um
insignificante lugarejo do litoral paulista que se descobre uma trama
moscovita. Ora é em uma aldeola do Estado do Rio que a Polícia percebe
atividades suspeitas. Ora, finalmente, é em algum vilarejo perdido no nosso
mais fundo “hinterland”
que se percebe a ação do dedo vermelho da III Internacional.
Sendo a propaganda comunista orientada, no mundo
inteiro, com uma incontestável habilidade, é bem de se supor que os esforços da
III Internacional não se hão de cifrar na doutrinação de qualquer Jacarepaguá ou qualquer faxina perdida por essa imensidão
brasileira. Evidentemente, se em nossos menores lugarejos o dedo da III
Internacional age com audácia e eficiência, essa audácia e essa eficiência devem
ser dez vezes maior ao se tratar dos grandes centros urbanos que interessam mil
vezes mais aos conspiradores subornados pela Rússia.
O perigo comunista, portanto, continua vivo e
próximo. As próprias autoridades o afirmam e pedem, por isso, que o Poder
Legislativo as invista de atribuições excepcionais, requeridas pela excepcionalidade do perigo.
Isto posto, como explicar a inércia, a covardia, a
cumplicidade dos grandes partidos burgueses, das grandes corporações burguesas,
das grandes “forças conservadoras” que parecem dormir tranqüilamente sobre o
vulcão, comprazendo-se em ouvir os estalidos subterrâneos que prenunciam o
próximo terremoto com a mesma volúpia com que algum viveur adormeceria
ao som de qualquer “berceuse”
de Chopin?
Há meses atrás, o Brasil viu, com assombro, que na
maior parte das Câmaras Estaduais, maioria e minoria, num acordo idílico,
abriam as portas das prisões aos agitadores comunistas para lhes restituir a
liberdade. A respeito de tudo e a respeito de nada, brigam as facções
estaduais. Sobre uma coisa, porém, não houve entre eles desacordo: a necessidade
de soltar os comunistas.
Comentamos, há poucos dias, o
gesto da Congregação da Faculdade de Direito da Universidade do Rio a favor dos
comunistas. Esse gesto já fora precedido de outro idêntico da Congregação da
Escola de Medicina da mesma Universidade.
Enquanto essas defecções se dão, o que fazem as
“forças conservadoras”? O que fazem, em São Paulo, por exemplo, a Associação
Comercial, a Sociedade Rural Brasileira, as Associações de Industriais, etc. etc.?
A verdade é dura de se dizer. Mas toda essa gente
se desinteressa da repressão ao comunismo no Brasil como se tratasse de apagar
um incêndio no planeta Marte.
Mas há outra verdade muito mais triste de se dizer.
Compreende-se que burgueses sejam incoerentes, como
se compreende que um cego esbarre por toda a parte, e um paralítico não se
saiba suster sobre as próprias pernas.
Mas - e aí é que vai a nota supremamente dolorosa -
o que não se compreende é que católicos malbaratem o Precioso Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo, pelo qual foram remidos.
Qual é a gente que compõe esses partidos burgueses,
inertes como os cães mudos, de que nos fala o profeta Isaias?
Qual é a gente que enche, em geral, as cátedras de
nossas Universidades?
Qual é a gente que ocupa a direção de nossas
associações conservadoras?
Em geral, católicos, e católicos que,
principalmente em vésperas de eleição, timbram em se proclamar tais.
Se os interesses econômicos, as mais sagradas
preocupações patrióticas, os mais delicados sentimentos familiares não lhes
ditam a menor reação, nem mesmo a Fé será capaz de estimular essa gente?
Essas almas pelas quais Nosso Senhor morreu na
Cruz, e a quem ele deu o dom inestimável da Fé,
não serão capazes do menor gesto de gratidão?
Ah, como nos vem à mente, nesse tempo de quaresma,
o impropério ardente que a Santa Liturgia põe nos lábios do Senhor, em uma das
cerimonias da Semana Santa! As almas eleitas para a vida da graça que preferem
ao Príncipe da Luz o príncipe das trevas. Nosso Senhor dirige uma queixa que,
despida das imagens bíblicas, é a seguinte:
“Oh!
Alma que eu havia escolhido! sou eu mesmo que te tinha criado; como mudaste tua
doçura em amargor, a ponto de me crucificar e de libertar Barrabás!”