Legionário, N.º 233, 28/02/1937

Ecletismo

Sob o pseudônimo de “Atahualpa”, um colaborador ou redator de um diário desta Capital publicou um suelto favorável ao divórcio a vínculo. O suelto, considerado em si, é insignificante. No entanto, o que nos interessou foi a circunstância de ser ele publicado em um jornal de altas responsabilidades perante a opinião pública, pois que representa uma das mais fortes e a mais tradicional das correntes partidárias do Estado.

O que o suelto dizia era, em suma, o seguinte:

1) No Antigo Testamento, era admitido divórcio seguido de novo casamento dos cônjuges divorciados;

2) Nosso Senhor Jesus Cristo aceitou o divórcio a vínculo, mantendo, portanto, a tolerância admitida pela Lei mosaica;

3) A Igreja tolerou o divórcio até o Concílio de Trento;

4) A decisão do Concílio, que condenou o divórcio a vínculo, pode ser reformada e revogada por outro Concílio;

5) Em sã doutrina jurídica, o casamento só é valido quando contraído por mútuo e livre consentimento. Cessando o recíproco consentimento, isto é, desejosos os cônjuges de desfazer a união livremente feita, deve cessar o matrimônio. E os cônjuges estão prontos para novo casamento.

Não nos daremos o trabalho de refutar este conjunto de fatos, alguns mal interpretados, e outros manifestamente falsos. O suelto de Atahualpa não merece refutação.

Mas interessa-nos sobremaneira fazer, a respeito do suelto, algumas considerações.

Nas eleições de 1934, a maioria, senão a totalidade dos candidatos a deputado pelo P.R.P., apoiava as reivindicações católicas.

O programa do Partido prometia manter as conquistas católicas inscritas na Constituição Federal. E, entre essas conquistas, ocupa lugar de primeira plana a indissolubilidade do vínculo conjugal consagrada especialmente por nossa Magna Carta.

Assim, pois, o P.R.P., quer pela sua direção partidária, que é a guardiã do programa do partido, quer por sua representação federal e estadual, é, ou tem obrigação de ser, contrária ao divórcio.

No entanto, o jornal do Partido publica um suelto que, não se limitando a pregar o divórcio, prega francamente o amor livre.

Não se pode negar que o suelto em questão prega o amor livre. Quem afirma que o casamento deve ser desfeito quando não há o mútuo desejo de manter a união conjugal, e que a esse casamento desfeito se devia seguir novas núpcias, que outra coisa faz senão pregar o amor livre, tal e qual ele se pratica na Rússia?

Todos nós sabemos que o P.R.P. conta, em seu seio, com muitos católicos de valor.

Isto não obstante, o órgão do Partido, indócil aos seus deveres para com o eleitorado católico do mesmo Partido, infiel ao programa que o Partido mantém, e indiferente às convicções de muitos e muitos dos próceres do partido, vem pregar o amor livre e ensinar que a Igreja não tem razão ao opor-se ao divórcio a vínculo.

Quem não pode ver, em tudo isto, a precariedade do apoio que nossos partidos políticos afetam prestar à Igreja?

Tais Partidos contam no seu seio com católicos de valor. Repetimos essa afirmação mais uma vez, para tornar bem claro que não pretendemos contestar essa verdade.

Mas é incontestável, pela atitude de seus próprios órgãos jornalísticos que, em tais partidos, também há inimigos da Igreja muito e muito influentes.

Na eventualidade de ter o Partido de optar pró ou contra a Igreja, o que fará ele?

Ninguém o sabe. E ninguém pode prever se ele se pronunciará pró ou contra Deus.

Realmente, se os católicos alistados em tais Partidos nem sequer conseguem conter as traquinadas anti-católicas dos seus jornalistas, conseguirão eles porventura conter todo o Partido?

Estamos certos de que se o Partido se pronunciasse contra a Igreja, muitos dos católicos nele inscritos sairiam de suas fileiras.

Mas isto não contribuiria para orientar o Partido para o bem. Pelo contrário, deixá-lo-ia entregue às correntes anti-católicas.

* * *

Fazendo essas ponderações, não temos o intuito de hostilizar o P.R.P. Não é ele o único Partido que merece a observação que fazemos a propósito do suelto de Atahualpa”. Pelo contrário, parece-nos que não há, em São Paulo, um único Partido que não mereça idêntica censura, a propósito de alguma atitude análoga.

Não achamos, pois, que o P.R.P. é pior do que qualquer outro Partido. Nem queremos ferir de qualquer modo uma corrente merecedora, como outras correntes, de nosso respeito.

Entretanto, como não deplorar o ecletismo constante que caracteriza, em matéria religiosa, nossos dois grandes partidos?