Simultaneamente estão se desenrolando dois
processos, um na Rússia e outro no Brasil. Na Rússia, trata-se de apurar a culpabilidade de pessoas que
atentaram contra o regime. No Brasil também. No entanto,
a diferença entre os dois processos é radical. Na Rússia, os conspiradores não
quiseram substituir o regime vigente, por outro qualquer.
Quiseram simplesmente substituir
os homens que estão no poder e aplicar, com mais rigor, com mais radicalismo,
com mais “ortodoxia comunista”, os princípios oficialmente professados pelo
Estado russo e por seus atuais dirigentes.
Tanto isso é verdade, que basta lançar um rápido
golpe de vista sobre a Rússia e ver se os conspiradores queriam alterar
qualquer das características do regime vigente.
A primeira característica do regime russo é o
ateísmo radical. Trotzky e os conspiradores
que estão sendo julgados não procuraram modificar o ateísmo oficial. Pelo
contrário, tudo indica que tornariam ainda aguda a perseguição religiosa. Se
Stalin é ateu, os conspiradores são ultra-ateus. São puros entre os puros. Se pecaram, seu
pecado está em se ter excedido na virtude... comunista do ateísmo.
Outra característica é a supressão da propriedade
individual. Qual a queixa dos conspiradores a este respeito? Tentam porventura
restaurar a propriedade banida e excomungada por Stalin? Nem por sombra. Pelo
contrário, acusam o atual governo de tendências burguesas. E querem uma reforma
das leis econômicas que exceda, em vigor coletivista, a situação atualmente
existente. Ainda aí, portanto, não são demolidores do regime. Pelo contrário,
querem conservá-lo e aplicar seus princípios com vigor. Se pecaram, pecaram por
excesso de amor.
Outro traço próprio do
regime russo é a supressão da liberdade individual substituída por um regime
autoritário absolutamente despótico.
O que queriam os
conspiradores? A supressão da autoridade do Estado? Sua limitação? Garantias
liberais para os adversários do regime? Nunca. Pelo contrário, querem e queriam
que todas as cravelhas fossem apertadas, todos os laços reforçados, todos os
freios consolidados. Abominam o ocidente burguês. Abominam muito mais ainda a
civilização católica. E, se fosse possível exceder a Stalin em despotismo anticatólico, antiburguês, e anti-individualista, certamente os conspiradores o
excederiam.
Finalmente, quanto à
família, de parte a parte o programa era o mesmo. Tanto trotzkistas
quanto stalinistas execram o instituto da família.
Nenhuma divergência há entre um e outro grupo.
Tudo isto faria supor
que o governo russo tratasse com benignidade os conspiradores. Para um
idealista sincero, nada é mais próprio a despertar simpatia do que a
contemplação de outro homem animado pelo mesmo ideal.
No caso, os ideais são idênticos. Compreende-se, até certo ponto, que o trotzkista considere o stalinista
como um traidor. Mas o que não se compreende é que o stalinista
tenha ódio ao trotzkista. Para o stalinista,
o Trostskista não é senão um puro, um intransigente,
um exaltado. Mas é um idealista que se consome de amores pelo próprio ideal
comunista, que Stalin só não pratica na íntegra por motivos transitórios e
acidentais, mas aos quais continua indefectivelmente apegado.
O mundo, no entanto,
assiste a uma cena inteiramente diversa.
Acusados de traidores,
de agentes teutônicos ou japoneses, de vis masorqueiros,
os tribunais russos os tratam sem dó nem piedade. E ninguém ignora a sorte que
os espera.
Por que? Porque, para o
stalinista, o crime de atentar contra os princípios
comunistas se paga com a efusão total do sangue. Sem isto, não há perdão.
Se os Trotskistas
estivessem no poder, tratariam do mesmo modo os stalinistas.
Princípios estão acima de vidas ou interesses individuais. Alguém ataca os
princípios que eles professam? A solução é simples: suprima-se-lhe a vida.
À vista disto, afirmamos: as testemunhas que têm
deposto no inquérito dos presos processados em virtude da rebelião de novembro
de 1935 estão procedendo com a mais criminosa e mais imperdoável cegueira.
Realmente, enquanto os que odeiam a civilização
vigente não dão tréguas nem quartel aos seus adversários, o que fazem os
defensores do atual estado de coisas? Deixam-se embair pelos argumentos
sentimentais de uma meia dúzia de sofistas, e vão aos tribunais, a fim de depor
coisas realmente pasmosas.
Todos eles, salvo raras exceções, têm medo de dizer
a verdade. A ouvi-los, a Revolução de 1935 deveria passar para a História com o
nome de “Revolução que Ninguém Fez”.
Realmente, a Revolução é um fato histórico tão
recente que ninguém ousaria negá-lo. Mas os que eram apontados pela opinião
pública como os principais responsáveis, os co-réus mais evidentemente
implicados no motim, são inocentados pelas testemunhas mais chegadas a nosso
regime, por motivos sentimentais evidentemente falsos.
Enquanto isto, há altos elementos burgueses que se
interessam pelo soltura dos “intelectuais” comunistas, e o Sr. Sussekind de Mendonça é excluído da lista
das pessoas justificáveis, sem julgamento e sem acusação, por motivos até hoje
conservados em sumo mistério.
Sobre isto tudo, timbramos em falar
insistentemente.
Nosso fito é muito claro. Queremos que nossos
leitores nos respondam o seguinte: qual é o parlamentar católico que tenha
denunciado altamente toda esta tramóia?
Por que nenhum se levanta?
Por que ninguém denuncia S. Ex.a o Sr. Responsável
principal?