Legionário, N.º 230, 7 de fevereiro de 1937

Dois Processos

Simultaneamente estão se desenrolando dois processos, um na Rússia e outro no Brasil. Na Rússia, trata-se de apurar a culpabilidade de pessoas que atentaram contra o regime. No Brasil também. No entanto, a diferença entre os dois processos é radical. Na Rússia, os conspiradores não quiseram substituir o regime vigente, por outro qualquer.

Quiseram simplesmente substituir os homens que estão no poder e aplicar, com mais rigor, com mais radicalismo, com mais “ortodoxia comunista”, os princípios oficialmente professados pelo Estado russo e por seus atuais dirigentes.

Tanto isso é verdade, que basta lançar um rápido golpe de vista sobre a Rússia e ver se os conspiradores queriam alterar qualquer das características do regime vigente.

A primeira característica do regime russo é o ateísmo radical. Trotzky e os conspiradores que estão sendo julgados não procuraram modificar o ateísmo oficial. Pelo contrário, tudo indica que tornariam ainda aguda a perseguição religiosa. Se Stalin é ateu, os conspiradores são ultra-ateus. São puros entre os puros. Se pecaram, seu pecado está em se ter excedido na virtude... comunista do ateísmo.

Outra característica é a supressão da propriedade individual. Qual a queixa dos conspiradores a este respeito? Tentam porventura restaurar a propriedade banida e excomungada por Stalin? Nem por sombra. Pelo contrário, acusam o atual governo de tendências burguesas. E querem uma reforma das leis econômicas que exceda, em vigor coletivista, a situação atualmente existente. Ainda aí, portanto, não são demolidores do regime. Pelo contrário, querem conservá-lo e aplicar seus princípios com vigor. Se pecaram, pecaram por excesso de amor.

Outro traço próprio do regime russo é a supressão da liberdade individual substituída por um regime autoritário absolutamente despótico.

O que queriam os conspiradores? A supressão da autoridade do Estado? Sua limitação? Garantias liberais para os adversários do regime? Nunca. Pelo contrário, querem e queriam que todas as cravelhas fossem apertadas, todos os laços reforçados, todos os freios consolidados. Abominam o ocidente burguês. Abominam muito mais ainda a civilização católica. E, se fosse possível exceder a Stalin em despotismo anticatólico, antiburguês, e anti-individualista, certamente os conspiradores o excederiam.

Finalmente, quanto à família, de parte a parte o programa era o mesmo. Tanto trotzkistas quanto stalinistas execram o instituto da família. Nenhuma divergência há entre um e outro grupo.

Tudo isto faria supor que o governo russo tratasse com benignidade os conspiradores. Para um idealista sincero, nada é mais próprio a despertar simpatia do que a contemplação de outro homem animado pelo mesmo ideal. No caso, os ideais são idênticos. Compreende-se, até certo ponto, que o trotzkista considere o stalinista como um traidor. Mas o que não se compreende é que o stalinista tenha ódio ao trotzkista. Para o stalinista, o Trostskista não é senão um puro, um intransigente, um exaltado. Mas é um idealista que se consome de amores pelo próprio ideal comunista, que Stalin só não pratica na íntegra por motivos transitórios e acidentais, mas aos quais continua indefectivelmente apegado.

O mundo, no entanto, assiste a uma cena inteiramente diversa.

Acusados de traidores, de agentes teutônicos ou japoneses, de vis masorqueiros, os tribunais russos os tratam sem dó nem piedade. E ninguém ignora a sorte que os espera.

Por que? Porque, para o stalinista, o crime de atentar contra os princípios comunistas se paga com a efusão total do sangue. Sem isto, não há perdão.

Se os Trotskistas estivessem no poder, tratariam do mesmo modo os stalinistas. Princípios estão acima de vidas ou interesses individuais. Alguém ataca os princípios que eles professam? A solução é simples: suprima-se-lhe a vida.

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À vista disto, afirmamos: as testemunhas que têm deposto no inquérito dos presos processados em virtude da rebelião de novembro de 1935 estão procedendo com a mais criminosa e mais imperdoável cegueira.

Realmente, enquanto os que odeiam a civilização vigente não dão tréguas nem quartel aos seus adversários, o que fazem os defensores do atual estado de coisas? Deixam-se embair pelos argumentos sentimentais de uma meia dúzia de sofistas, e vão aos tribunais, a fim de depor coisas realmente pasmosas.

Todos eles, salvo raras exceções, têm medo de dizer a verdade. A ouvi-los, a Revolução de 1935 deveria passar para a História com o nome de “Revolução que Ninguém Fez”.

Realmente, a Revolução é um fato histórico tão recente que ninguém ousaria negá-lo. Mas os que eram apontados pela opinião pública como os principais responsáveis, os co-réus mais evidentemente implicados no motim, são inocentados pelas testemunhas mais chegadas a nosso regime, por motivos sentimentais evidentemente falsos.

Enquanto isto, há altos elementos burgueses que se interessam pelo soltura dos “intelectuais” comunistas, e o Sr. Sussekind de Mendonça é excluído da lista das pessoas justificáveis, sem julgamento e sem acusação, por motivos até hoje conservados em sumo mistério.

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Sobre isto tudo, timbramos em falar insistentemente.

Nosso fito é muito claro. Queremos que nossos leitores nos respondam o seguinte: qual é o parlamentar católico que tenha denunciado altamente toda esta tramóia?

Por que nenhum se levanta?

Por que ninguém denuncia S. Ex.a o Sr. Responsável principal?