Legionário, N.º 229, 31 de janeiro de 1937

Os Governadores

A visita dos quatro governadores que vieram ultimamente a São Paulo deve ser, para todos os brasileiros, sem distinção de Estado ou de partido, motivo de justo júbilo. Os sulcos da revolução de 1932 ainda estavam profundamente gravados na alma paulista. Uma prevenção latente continuava a dominar o espírito público, a despeito das cortesias protocolares e das gentilezas oficiais que foram restabelecidas entre São Paulo e o Brasil depois da ocupação militar. Essa prevenção era um verdadeiro depósito subterrâneo de dinamite. O menor incidente político, a menor exploração jornalística seria capaz de lhe restituir, em poucos dias, a forma aguda de que se revestiu a 9 de julho.

Ora, todos aqueles que amam com inteligência São Paulo e o Brasil, compreendiam a delicadeza dessa tremenda situação.

No momento em que se vai ferir o próximo pleito presidencial, os paulistas amantes de sua terra e de sua Pátria tinham todas as razões para sentir uma particular apreensão. Tanto mais que uma insidiosa campanha de origem comunista vinha criando, nos Estados do Norte e do Sul, uma prevenção anti-paulista tão estúpida e imensamente mais injusta do que a prevenção anti-brasileira de alguns paulistas exaltados.

O intercâmbio de visitas entre políticos brasileiros do Norte e do Sul, e políticos paulistas, produziu neste assunto os melhores resultados. Realmente, ninguém ama o que não conhece. Para a maior  parte dos brasileiros residentes às margens do Capeberibe, do Amazonas ou do Chuy, os habitantes do Tietê são irmãos desconhecidos, cujos hábitos, cujo progresso, cujo valor, lhe parecem determinar uma atitude de orgulho insolente, incompatível com o convívio fraternal de diversos Estados num único e grande Todo.

Por outro lado, o paulista se supõe, muito freqüentemente, invejado, espiado, caluniado. Olha seus irmãos não com a simpatia com que o morgado considera seus irmãos mais moços e menos favorecidos, mas com o terror com que o capitalista pensa na parentela invejosa, insaciável e caluniadora.

Essa situação, que descrevemos com a máxima objetividade, fora criada - nunca é supérfluo repetir esta verdade - pelos erros dos revolucionários de 30 e pela perfídia dos comunistas.

O intercâmbio entre os diversos Estados veio desfazer esta impressão.

O paulista aprendeu a considerar o Norte como o que realmente ele é: um repositório de riquíssimas tradições brasileiras e um depósito de matéria prima com que o paulista, mais uma vez, construirá a grandeza do Brasil.

O Nortista, conhecendo de perto a São Paulo, pode sentir com que despretensão, com que simplicidade e eu diria quase com que inocência o paulista se enriquece e enriquece o Brasil.

Principalmente, o Nortista e o Sulino puderam sentir que a destruição estúpida e indizivelmente criminosa de São Paulo, que alguns facínoras sonharam, representaria a destruição do coração do Brasil.

* * *

Depois destas palavras que provam à saciedade o vigor de nosso sentimento brasileiro, e nosso sincero reconhecimento pela obra de aproximação nacional a que o Governo de São Paulo está procedendo, seja-nos lícito formular uma pergunta.

Durarão por muito tempo estas grinaldas tecidas pela mão inconstante da política? Durará por muito tempo o eco dos banquetes esplêndidos que reuniram em torno de uma mesma mesa brasileiros do Norte, do Centro e do Sul, e durante os quais se trocaram as provas de carinho próprias a irmãos brigados, que tinham saudades, uns dos outros?

Francamente, é lícito recear que tal não se dê. Banquetes, discursos, gentilezas, podem desfazer muitas prevenções. Somos dos primeiros a reconhecê-lo, e a reconhecê-lo com prazer.

Mas é insuficiente a simples obra de destruição das intrigas políticas que separavam irmãos feitos para viver em paz.

É necessário, além disto, que se faça uma obra positiva de amalgamação dos espíritos, dentro de uma mesma mentalidade que, assegurando a unidade nacional, não prejudique as peculiaridades regionais.

Essa obra, só a Igreja poderia fazê-la. E só ela a fará.

Mas, em tantos discursos, em tantas solenidades, em tantos telegramas retumbantes, quem se lembrou de fazer justiça à obra unificadora da Igreja? Quem se lembrou de lhe reclamar mais uma vez o indispensável apoio?

Ninguém. Infelizmente, não tanto para a Igreja, como para o Brasil.