O “Legionário” n.º 228, 24/1/1937

Cegos, mudos, paralíticos

Nossa seção “Revista”, na edição de hoje, traz uma relação fornecida pelo Governo de Burgos sobre as atrocidades cometidas pelos comunistas em algumas aldeias do sul da Espanha. Trata-se de um relatório pertencente a uma série que está sendo editada e que deve conter todos os atos de barbárie praticados pelos comunistas em toda a Espanha. Infelizmente, só temos o relatório sobre as aldeias do meio-dia [Sul] espanhol. A parte mais interessante, referente aos grandes centro urbanos, não nos chegou às mãos. Mas é suficiente o que publicamos, para o comentário que queremos fazer.

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Na Câmara Federal, trava-se atualmente um gravíssimo debate. Um deputado filiado à maioria - esta circunstância é importantíssima - denuncia o Ministro Interino da Justiça como cúmplice da propaganda comunista.

Para medirmos a gravidade da denúncia, basta que consideremos a pessoa a quem ela se dirige.

O Sr. Agamenon Magalhães tem em suas mãos duas das pastas ministeriais de que depende mais particularmente a repressão ao comunismo: Trabalho e Justiça. Da pasta do Trabalho, dependem todos os assuntos referentes à organização sindical e às relações entre operários e patrões. Da pasta da Justiça, depende toda a repressão policial aos comunistas. Prevenção e repressão estão, pois, nas mãos do Sr. Agamenon Magalhães.

Não sabemos que rumo tomarão os debates. Com a preocupação de sermos objetivos, cingimo-nos, na seção competente, a um simples noticiário. No entanto, o leitor inteligente verificará que o noticiário é eloqüente, e que o Sr. Agamenon Magalhães fez coisas realmente estranhas.

Um exemplo, entre muitos outros, convencerá nossos leitores.

Não há, nos círculos católicos do Rio, com os quais o Sr. Agamenon Magalhães tem mantido cordiais relações, quem ignore que o Sr. Professor Castro Rabelo é comunista público, declarado e militante. É impossível que algum dos católicos que tem contato com S. Ex.a não o tenha prevenido disto.

No Entanto, S. Ex.a aceita o Sr. Castro Rabelo para membro do Conselho do Trabalho e ainda afirma, em plena Câmara, que o referido professor era, nesse conselho, um dos elementos mais conservadores.

Perdoe-nos o Sr. Agamenon Magalhães, cuja inteligência admiramos, se dizemos que S. Ex.a agiu ingenuamente. Será possível que, à vista das acusações que pesavam sobre o Sr. Castro Rabelo, o Sr. Agamenon Magalhães não tenha tomado precauções um pouco mais diligentes do que a que tomou? Por que contentou-se o hábil político pernambucano em controlar a atitude do Sr. Castro Rabelo no Conselho? Por que não investigou mais a fundo? Eram, porventura, de “lana caprina” as questões confiadas ao exame do referido professor? Era brincadeira a responsabilidade de que o investiu o Ministério, admitindo-o a tomar parte em seu Conselho? Não era bem evidente que, no Conselho, o Sr. Castro Rabelo ocultou o mais possível suas idéias comunistas?

Entre outros pontos fracos, a defesa do Sr. Agamenon nada disto esclareceu.

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Vamos agora ao Sr. Adalberto Corrêa. S. Ex.a merece a admiração e a simpatia de todos os católicos brasileiros, pelo desassombro com que tem atacado o comunismo.

Em uma Câmara em que há tantos católicos “café com leite”, tantos reacionários mudos e paralíticos, tantos liberais capitalistas totalmente cegos, S. Ex.a tem sido um batalhador denodado, que não tem dado vasa aos comunistas.

A atitude de S. Ex.a, por mais simpática e enérgica que seja, não deixa, porém, de apresentar um ponto fraco.

O estado atual dos debates na Câmara não nos permite afirmar quem tem razão, se o Sr. Agamenon de Magalhães, se o Sr. Adalberto Corrêa.

Mas o Sr. Adalberto Corrêa, se tem a certeza de que o Sr. Agamenon Magalhães é comunista, não deve romper só com o Ministro do Trabalho...

Ninguém pode contestar a incoerência dessa conduta do valoroso político gaúcho.

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Imprevidente como se fossem cegos, silenciosos como se fossem mudos, inertes como se fossem paralíticos, muitos daqueles que mais razões teriam para atacar o comunismo, “deixam correr o marfim” segundo a expressão consagrada pela gíria.

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De tudo que ficou dito, desde já se pode tirar uma conclusão: o comunismo não está sendo combatido como deveria ser. Parece-nos que há tolerância, há politiquice, há falta de coragem, mesmo entre os mais denodados adversários que ele tem encontrado.

Quando, porém - o que Deus não permita - se atearem aqui os primeiros incêndios, correr o primeiro sangue, forem imoladas as primeiras vítimas de algum novo conflito social, o Brasil pedirá contas aos cegos, aos mudos, aos displicentes, dos crimes que, por sua cegueira, por sua mudez, por sua displicência, se tiverem praticado.

Neste dia, assim o esperamos, a consciência católica do povo se arvorará em juiz dos seus pilotos míopes.

Para os bons brasileiros, será um dia de glória. Para os outros parecer-se-á ao dia extremo, de que nos fala a Liturgia, no Oficio dos mortos: in die illo tremendo, calamitatis et miserie”.