Plinio Corrêa de Oliveira

 

Reis, presidentes e ditadores

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 18 de outubro de 1936, N. 214

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Um dos fenômenos curiosos que nossa época vai assistir - e prometem ser tantos - é sem dúvida a transformação da fisionomia dos chefes de Estado. Os reis da velha geração, Afonso XIII, Jorge V, Víctor Manuel, Alberto I, etc., tinham uma fisionomia moral uniforme: elegância meticulosa, grandes uniformes constelados de condecorações, um sorriso invariável nos lábios, e uma atitude convencionalmente discreta, através da qual não filtrava nem um único pensamento, para gáudio dos primeiros ministros. Em uma época em que os monarcas eram bonecos de palha, cada vez mais imobilizados pelas restrições constitucionais, parece que o ofício de figura de proa deixou um selo indelével na fisionomia dos que o praticavam. E os reis europeus davam geralmente a dolorosa impressão de bonecos bem nutridos e bem vestidos, capazes de servir de elegantes “marionetes” aos ministérios que a opinião pública lhes impunha.

O aparecimento das ditaduras europeias transformou, porém, o gosto estético dos nossos contemporâneos, no que se refere a chefes de Estado. Ninguém mais, em nossos dias, teria admiração pela rústica simplicidade de um Pedro II, passeando tranquilamente na Quinta da Boa Vista com uma calça de brim e um fraque usado. As multidões, hoje em dia, exigem cenários imponentes, chefes autoritários, governantes aguerridos, capazes de lhes inspirar confiança, pela ousadia dos seus gestos e pelo feitio despótico de seu temperamento.

Se Mussolini despisse as vistosas fardas que enverga, para se trajar como um pequeno burguês, se Hitler abandonasse sua indumentária semimilitar e o decoro imponente das manifestações nazistas, para se trajar com a deselegância plebeia do Sr. Leon Blum, estaria comprometido seu prestígio. A bonomia, a simplicidade, a docilidade, e principalmente a nulidade são atributos que ninguém mais louva em um chefe de Estado.

Por esta razão, os monarcas da nova geração se têm assinalado por atitudes profundamente diferentes das de seus pais. Eduardo VIII tem simplificado sensivelmente o cerimonial da corte britânica, que Jorge V mantinha intacto, ou quase intacto. Cremos, porém, que se trate aí de uma medida de mera economia. Na realidade, o soberano britânico já se tem manifestado muito mais cioso de suas prerrogativas políticas, do que seu velho pai. Todos os seus gestos indicam seu propósito de participar ativamente dos negócios públicos de seu Império, e de ser, na realidade, o chefe da Nação, e não o boneco que esta aciona como quer. Em matéria de política internacional, ninguém ignora sua inclinação pela Alemanha. Nem todos os políticos ingleses são favoráveis a essa orientação do soberano. Ele, porém, tem feito prevalecer mais de uma vez seu ponto de vista e, quando lhe parece difícil guiar eficientemente seus embaixadores, toma ele próprio o avião, e vai negociar diretamente com as potências interessadas. Foi o que fez com as potências balcânicas, enquanto todo o mundo o supunha entregue a uma inocente pescaria. E, depois, repetiu o mesmo em Viena, assegurando embora, aos repórteres, que sua presença na capital austríaca era devida tão-somente a um tratamento de ouvidos que queria fazer com um famoso especialista residente na cidade imperial.

Outro soberano que promete seguir os trilhos dos modernos ditadores é Leopoldo III. Seu recente e sensacional discurso sobre a situação política da Bélgica perante uma possível conflagração europeia, foi uma peça modelar de firmeza e prudência política. Nada, no documento, indicava um Rei acionado pelos partidos políticos. Seu discurso foi uma definição pessoal de suas atitudes e de suas condições. A Bélgica teria de se conformar com elas porque o Rei assim o queria. Alberto I foi um homem de grande fibra moral. Mas os preconceitos liberais nunca lhe permitiram fazer uso de linguagem tão autoritária. O conde de Paris parece ter o vivo desejo de intervir diretamente na política francesa. Ele não parece disposto a seguir a linha de conduta sóbria e discreta de seu pai, o Duque de Guise. Pelo contrário, parece que ele quer expor pessoalmente, intervir pessoalmente, dirigir pessoalmente, e, se possível, reinar em nome próprio e nunca em nome de parlamentos.

Ainda hoje, o “Legionário” publica uma fotografia do herdeiro carlista ao trono espanhol. Seu porte não lembra em nada o débil Afonso XIII. Pelo contrário, parece um moço disposto a lutar com a mesma energia com que Isabel, a Católica, consolidou seu trono.

Otto de Habsburg também tem mostrado seu pulso forte com mais vivacidade, até, do que seus colegas.

Enquanto os monarcas evoluem, assim, para o tipo ditatorial com o quais tomarão uma fisionomia moral muito parecida com a de Luís XIV, parece que os presidentes da República, na Europa, tomam ares cada vez mais democráticos, para não dizer coisa pior.

O Sr. Lebrun, sob este ponto de vista, ainda é tolerável. Mas o Presidente do Conselho de Ministros da França, Sr. Blum, é de uma deselegância, de um desalinhamento, de uma trivialidade física digna de enrubescer as águas do Sena, em que se espelharam Luís XIV e a grande Mademoiselle. Aliás, não é só o Sr. Blum que está nestas condições. Quase todos os chefes de partido - os da esquerda, é claro - da França têm um físico que não deixa a menor dúvida sobre sua origem. (...)

Quanto ao Sr. Azaña, o presidente da Suíça, o da Polônia, o da Tchecoslováquia, embora um pouco menos desalinhavados, não estão longe do tipo (...) do Sr. Blum.

É curioso observar que, na eventualidade de uma guerra mundial, as repúblicas francesa, polonesa, tcheco-eslovaca e russa (e também a espanhola, se o Sr. Azaña vencer) ficarão constituindo um bloco inimigo do grupo monárquico-ditatorial, hostil ao qual só ficará a Inglaterra.

Dos chefes de Estado, que grupo vencerá? O dos “sans-culotte” ou dos Napoleões?


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