Legionário, N.º 210, 20 de setembro de 1936

 

O candidato predileto

 

Foi uma pequena obra prima de literatura política a nota discretíssima que as oposições coligadas enviaram à Frente Única do Rio Grande do Sul, sobre as divergências surgidas em torno da sucessão presidencial. O bom político é, por natureza, discretíssimo. E, por isto, aplaudimos a habilidade com que os próceres da Frente Única souberam manifestar o seu pensamento de sorte a torná-lo claro para os iniciados e conservá-lo, ao mesmo tempo, obscuro para os profanos.

Mas o jornalista eficiente é, por profissão, indiscretíssimo. É o que procuraremos ser, desvendando alguns aspectos do problema da sucessão presidencial que, até agora, estão na sombra.

Reza a nota das oposições coligadas que elas estão dispostas a cooperar em qualquer plano político tendente a escolher, em harmonia com as demais correntes do País, o candidato que deverá, “sucedendo ao atual Presidente, SUBSTITUÍ-LO na chefia da nação”.

À primeira vista tem-se a impressão de que as palavras finais, “substituí-lo na chefia da nação”, constituem uma redundância supérflua e deselegante. Claro parece que se algum candidato deverá suceder ao Sr. Getúlio Vargas, implicitamente deverá substituí-lo. Mas isto é apenas a aparência. Na realidade, pode haver um candidato que, sucedendo ao Sr. Getúlio Vargas, não o substitua. Em outros termos: o Sr. Getúlio Vargas pode ser o sucessor de si mesmo. Daí a redundância que se observa na nota das oposições, que querem afastar a candidatura do atual Chefe do Governo.

O que, de todas as complicadas negociações gaúchas, ressaltou com clareza é que o Rio Grande oposicionista estava trabalhando por uma candidatura que seria muito cara ao Presidente da República; e que as oposições coligadas, querendo embora a pacificação nacional, recusavam o candidato que estava escondido atrás das cláusulas fastidiosas e ocas dos octólogos, heptálogos, pentálogos etc., dos políticos farroupilhas.

Quem seria este candidato tão do agrado do Sr. Getúlio Vargas?

Quem este amigo em cujo benefício S. Ex.a estava disposto a promover uma larga série de manobras políticas? O Sr. Getúlio Vargas já demonstrou ser um implacável devorador de seus mais íntimos amigos. De toda a “troupe” revolucionária de 1930, o que resta? Onde está o Sr. Juarez? Onde está o Sr. José Américo? Onde o Sr. Góes Monteiro? Onde o Sr. Pedro Ernesto? Onde o Sr. João Alberto, o Sr. Waldomiro, o Sr. Rabello? Um deles na prisão - felizmente, aliás - e os demais no ostracismo, trucidados politicamente por obra ou com o consentimento de seu amigo Getúlio Vargas.

Mas há um amigo a quem o Sr. Getúlio tem sido fidelíssimo, pelo qual ele vem lutando há oito anos, e ao qual tem sacrificado tudo: amizades, tranqüilidade, repouso, etc. Este amigo do Sr. Getúlio é o próprio Sr. Getúlio.

Por isto é que as oposições não se limitam, nas suas cogitações, a examinar o problema da sucessão presidencial. Só as interessa a substituição presidencial, isto é a sucessão com a concomitante remoção do atual ocupante e a investidura de um novo Presidente.

O que fazem, em todo este complicado jogo de xadrez, as principais correntes políticas? Diz-se que o P.R.P. e o P.C. vão caminhar, doravante, de mãos dadas na política nacional. Que São Paulo unido vai combater qualquer candidatura gaúcha, mas que o Sr. Flores da Cunha, a despeito disto, insiste em ser candidato.

A realidade é mais ou menos esta. Mas se examinarmos bem a fundo as coisas veremos que elas não são tão simples. Poderá o P.C. fiar-se na solidariedade do P.R.P.? Poderão ambos fiar-se no aparente dissídio entre os Srs. Flores e Getúlio? Não haverá em tudo isto uma manobra do Rio Grande? E Minas? Que rumo tomará o nebuloso Sr. Benedito Valadares? E o Sr. Oswaldo Aranha? O que fará a estas horas nosso embaixador em Washington, que é o único homem que o Sr. Getúlio gostaria de ter como substituto, verificada a absoluta inviabilidade de sua candidatura?

Há muitas nuvens, e não há olhar, por mais perspicaz que seja, capaz de desvendar atrás dessa cortina de fumaça o que realmente está ocorrendo. Nem mesmo os políticos de alto coturno poderiam fazê-lo. Só há uma exceção: o próprio Sr. Getúlio.