Foi uma pequena obra prima de literatura política a
nota discretíssima que as oposições coligadas enviaram à Frente Única do Rio
Grande do Sul, sobre as divergências surgidas em torno da sucessão presidencial. O bom político é, por natureza,
discretíssimo. E, por isto, aplaudimos a habilidade com que os próceres da
Frente Única souberam manifestar o seu pensamento de sorte a torná-lo claro
para os iniciados e conservá-lo, ao mesmo tempo, obscuro para os profanos.
Mas o jornalista
eficiente é, por profissão, indiscretíssimo. É o que
procuraremos ser, desvendando alguns aspectos do problema da sucessão
presidencial que, até agora, estão na sombra.
Reza a nota das oposições coligadas que elas estão
dispostas a cooperar em qualquer plano político tendente a escolher, em
harmonia com as demais correntes do País, o candidato que deverá, “sucedendo ao
atual Presidente, SUBSTITUÍ-LO na chefia da nação”.
À primeira vista tem-se a impressão de que as
palavras finais, “substituí-lo na chefia da nação”, constituem uma redundância
supérflua e deselegante. Claro parece que se algum candidato deverá suceder ao
Sr. Getúlio Vargas, implicitamente deverá substituí-lo. Mas isto é apenas a
aparência. Na realidade, pode haver um candidato que, sucedendo ao Sr. Getúlio
Vargas, não o substitua. Em outros termos: o Sr. Getúlio Vargas pode ser o
sucessor de si mesmo. Daí a redundância que se observa na nota das oposições,
que querem afastar a candidatura do atual Chefe do Governo.
O que, de todas as complicadas negociações gaúchas,
ressaltou com clareza é que o Rio Grande oposicionista estava trabalhando por
uma candidatura que seria muito cara ao Presidente da República; e que as
oposições coligadas, querendo embora a pacificação nacional,
recusavam o candidato que estava escondido atrás das cláusulas
fastidiosas e ocas dos octólogos, heptálogos,
pentálogos etc., dos políticos farroupilhas.
Quem seria este candidato tão do agrado do Sr.
Getúlio Vargas?
Quem este amigo em cujo benefício S. Ex.a estava disposto a promover uma larga série de
manobras políticas? O Sr. Getúlio Vargas já demonstrou ser um implacável
devorador de seus mais íntimos amigos. De toda a “troupe” revolucionária de
1930, o que resta? Onde está o Sr. Juarez? Onde está o Sr. José Américo? Onde o
Sr. Góes Monteiro? Onde o Sr. Pedro Ernesto? Onde o Sr. João Alberto, o Sr.
Waldomiro, o Sr. Rabello? Um deles na prisão - felizmente, aliás - e os demais
no ostracismo, trucidados politicamente por obra ou com o consentimento de seu
amigo Getúlio Vargas.
Mas há um amigo a quem o Sr. Getúlio tem sido
fidelíssimo, pelo qual ele vem lutando há oito anos, e ao qual tem sacrificado
tudo: amizades, tranqüilidade, repouso, etc. Este amigo do Sr. Getúlio é o
próprio Sr. Getúlio.
Por isto é que as oposições não se limitam, nas
suas cogitações, a examinar o problema da sucessão presidencial. Só as
interessa a substituição presidencial, isto é a sucessão com a concomitante
remoção do atual ocupante e a investidura de um novo Presidente.
O que fazem, em todo este complicado jogo de
xadrez, as principais correntes políticas? Diz-se que o P.R.P.
e o P.C. vão caminhar, doravante, de mãos dadas na
política nacional. Que São Paulo unido vai combater qualquer candidatura
gaúcha, mas que o Sr. Flores da Cunha, a despeito disto, insiste em ser candidato.
A realidade é mais ou menos esta. Mas se
examinarmos bem a fundo as coisas veremos que elas não são tão simples. Poderá
o P.C. fiar-se na solidariedade do P.R.P.?
Poderão ambos fiar-se no aparente dissídio entre os Srs. Flores e Getúlio? Não
haverá em tudo isto uma manobra do Rio Grande? E Minas? Que rumo tomará o
nebuloso Sr. Benedito Valadares? E o Sr. Oswaldo Aranha? O que fará a estas horas nosso embaixador em Washington,
que é o único homem que o Sr. Getúlio gostaria de ter como substituto,
verificada a absoluta inviabilidade de sua candidatura?
Há muitas nuvens, e não há olhar, por mais
perspicaz que seja, capaz de desvendar atrás dessa cortina de fumaça o que
realmente está ocorrendo. Nem mesmo os políticos de alto coturno poderiam
fazê-lo. Só há uma exceção: o próprio Sr. Getúlio.