Sete Dias em Revista

 

"O Legionário" Nº 206, 23 de agosto de 1936

 

A Câmara Federal teve a gentileza de aumentar de 22 para 30 o número dos deputados que comporão a comissão incumbida de a representar no Congresso Eucarístico. Mas ainda não teve a gentileza muito mais vantajosa e expressiva para os católicos, de dar qualquer andamento à regulamentação, às conquistas religiosas de 1934, ou à lei instituindo um tribunal especial para julgar os comunistas.

Confere.

* * *

Os jornais nos informam que foram vultosas as despesas feitas pelo Governo, na repressão à intentona de Luiz Carlos Prestes. Só a Polícia especial gastou mais de 500 contos. E trata-se de despesa real, pois que o Tribunal de Contas, examinada a documentação comprobatória, autorizou seu registro.

Com esta quantia, somada às muitas outras que foram despendidas por outros departamentos públicos, na última bernarda, muito benefício se poderia fazer às classes trabalhadoras, como por exemplo a construção de pequenos postos sanitários populares e gratuitos, instalados nas zonas mais pobres e menos saudáveis de nossas grandes metrópoles, Rio e São Paulo.

Mas o Sr. Luiz Carlos Prestes queria ser ditador...

* * *

Aliás, o socorro às classes pobres é a menor das preocupações dos comunistas.

Notícias procedentes da Argentina, nos informam que mãos criminosas colocaram uma bomba em um estabelecimento de salesianos, destinado a amparar as classes proletárias.

Que os inimigos da Igreja atentassem contra algum jornal católico, contra alguma Universidade católica, contra algum Dignitário da Igreja, seria criminoso, mas seria compreensível.

Mas o que se não pode sequer conceber é que sua sanha se volte contra as obras do suave Dom Bosco, destinadas exclusivamente ao alívio das misérias que o comunismo pretende suprimir.

* * *

Quereríamos também que algum comunista nos explicasse a vantagem que o proselitismo rubro auferiu com a destruição, por um incêndio provocado por marxistas, do edifício da municipalidade de Chanar, no Chile.

Ainda aí, teríamos o mesmo comentário a fazer. Embora fosse censurável, seria compreensível que se atentasse contra um quartel, onde estão os defensores da lei, contra um tribunal, onde estão os inimigos do crime, contra um banco, contra um lugar de diversão de burgueses gastadores.

Mas qual o proveito que pode haver, em destruir um inócuo edifício de municipalidade, que amanhã será reconstruído?

* * *

O valente diário católico de Minas Gerais publica uma notícia altamente interessante, que nossa imprensa não registrou. Informa ele que a polícia carioca, apreendendo uma célula comunista de que faziam parte os dirigentes do movimento vermelho que estão substituindo os chefes presos, encontrou nos arquivos alguns documentos relativos à necessidade de fazer oposição ao projeto, ora discutido pela Câmara, de se criarem tribunais especiais para o julgamento dos revolucionários prestistas.

Fica patente, assim, que os elementos da Câmara, que estão fazendo oposição ao tribunal especial, são joguetes conscientes ou semi-conscientes de Moscou.

Isto projeta uma luz singularmente forte, sobre o que escrevemos no artigo de fundo da nossa última edição.

* * *

Outra atividade dos comunistas brasileiros, que ficou demonstrada pelos documentos acima mencionados, consiste na angariação de fundos para auxiliar o "governo" espanhol.

Enquanto os aliados brasileiros do Sr. Azaña e do camarada Stalin não descansam, também não dormem no Brasil os filhos da luz. Há uma verdadeira campanha de "Horas Santas" em prol da gloriosa e infeliz Espanha.

Não há dúvida de que o melhor apoio que possamos dar a nossos irmãos espanhóis está na oração. Mas bastará isso?

O que está fazendo o Itamaraty? Como respondeu ele à nota do Governo de Burgos, comunicando ao Brasil a sua constituição? Por que não foi publicada a resposta?

* * *

O Itamaraty publicou uma nota relativa à proposta uruguaia de uma intervenção diplomática nos negócios internos da Espanha.

Parece-nos que a intenção que inspirou a nota brasileira foi excelente. Quis ela dissociar nosso Governo de qualquer "démarches" internacional que venha a paralisar a marcha triunfal das forças anticomunistas.

No entanto, um dos argumentos sobre que ela se estriba é perigoso. Referimo-nos a isto porque o erro é, de per si, tão funesto, que não pode ser tolerado, nem mesmo quando uma argumentação especiosa procure pô-lo ao serviço do bem e da verdade.

* * *

O primeiro argumento invocado por nosso Governo é que o Brasil não deseja imiscuir-se em conflitos internos de outros países.

Ninguém pode afirmar que a repercussão e as conseqüências da guerra civil não ultrapassarão as fronteiras da Espanha.

A vitória do comunismo na Ibéria terá uma repercussão mundial. Nos combates da Serra de Guadarrama, não é apenas o destino da Espanha que está sendo jogado. Está em jogo o destino da civilização.

E, em tese, é permitido a uma nação intervir a favor da civilização contra a barbárie? A doutrina católica afirma que sim. A nota brasileira parece insinuar que não.

* * *

Não quer isto dizer que queremos botar a Cruz de cruzados sobre o peito do chanceler Macedo Soares, e muito menos do Presidente Getúlio Vargas. Compreendemos que, no terreno militar, a única atitude sensata para o Brasil é a abstenção. Mas seria conveniente que ficasse bem claro que, se não praticamos a intervenção, não é porque a julguemos ilegítima, mas porque a consideramos inviável no momento.

Só quem não tiver o menor senso jurídico poderá ver nessa ressalva um mero bizantinismo.

* * *

Um parágrafo final da nota brasileira afirma que nosso governo "não faria contudo, por amor à solidariedade americana, exceção à unanimidade se todos os governos americanos aceitarem a sugestão do Uruguai".

Nossos oradores políticos, atualmente, não se fartam em falar sobre a "civilização cristã".

Mas, no momento de dispensar a essa civilização um apoio eficiente, eles, que são tão valentes em doutrina, vacilam.

A situação, de fato, a que ninguém pode fechar os olhos, é esta: na Espanha se defrontam a civilização cristã e os filhos das trevas. E, à vista disto, é preciso perguntar se, sim ou não, somos pela primeira contra os segundos. A nota portuguesa enfrentou a questão com magnífica coragem.

A nota brasileira fecha os olhos a esse problema fundamental. Repugna-lhe uma mediação que salvaria os assassinos e os incendiários da Espanha. No entanto, aceitaria tal mediação "por solidariedade americana".

E a solidariedade humana, que devemos aos salvadores da Espanha? Não fica ela abaixo da problematissíssima "solidariedade americana"?

E a civilização cristã, de que estão tão cheios os discursos oficiais? Mandam-nas às urtigas?

* * *

No fundo de tudo isto, há o ecletismo, o indiferentismo, a timidez doutrinária, o oportunismo do século XX.

Nenhum agrupamento político brasileiro, ao que parece, está isento desse pecado.

"A Bandeira", ainda tão nova, já prestou tributo ao espírito do século. Alguns de seus dirigentes se dizem católicos, e falam em tradições brasileiras etc., com um entusiasmo incessante. Para tornar mais autêntico o cunho religioso e tradicionalista de seu movimento, colocam na sua fachada nomes como o de Affonso Taunay. Mas, em surdina, vão angariando o apoio de "oves et boves".

Em Ribeirão Preto, o fundador da "Bandeira" é o "Reverendo" Guaracy da Silveira...

Schoking, diria um inglês.

* * *