Na expectativa

 

"O Legionário" Nº 206, 23 de agosto de 1936

 

Uma certa "União Cívica Evangélica" publicou, na secção livre do "Estado de São Paulo", uma declaração ao público, da qual a parte mais interessante é a condenação que formula contra os "extremismos", isto é, contra o comunismo e o integralismo.

Essa declaração nos dá oportunidade para abordar um dos mais delicados aspectos da doutrina integralista.

A posição do Integralismo perante o Catolicismo nunca foi minuciosamente definida. Não tem faltado à Igreja, é certo, calorosas manifestações de simpatia, de alguns dos chefes integralistas. Mas essas manifestações são contrabalançadas por declarações equívocas, feitas por outros chefes.

O Sr. Miguel Reale, por exemplo, publicou, na "Ofensiva", um artigo em que, estudando a causa da guerra que a maçonaria move ao Integralismo, afirma que nenhum motivo religioso pode ser invocado como explicação. E isto simplesmente porque não há diferença entre Deus que figura no lema integralista, e o Deus que certas lojas maçônicas afetam cultuar! E note-se que Miguel Reale escreveu este artigo, com a menção expressa de que era o Chefe do Departamento de Doutrina da Ação Integralista Brasileira!

Li uma vez um artigo publicado pela "Ofensiva", escrito por um espírita, que desenvolvia uma longa argumentação para provar que seus correligionários de espiritismo nenhum motivo deveriam ter, para combater os "camisas verdes", uma vez que nada existe, na doutrina integralista, que colida com a doutrina espírita. Li, também, um longo artigo escrito por um anglicano, desenvolvendo igual tese, em relação a seus irmãos de crenças. Vi, mais de uma vez, na "Ofensiva", a notícia de cerimônias religiosas celebradas em templos protestantes, por ocasião do aniversário do Sr. Plínio Salgado, ao mesmo tempo em que os integralistas católicos assistiam Missa por SSa em igrejas de nossa Religião.

Essas e muitas outras provas demonstram à saciedade que, se é verdade que o Integralismo não é ateu, é certo também que é interconfessional, e que procura observar uma estrita norma de neutralidade, nas suas relações com as diversas correntes religiosas existentes no País.

O Integralismo, pois, não é católico nem anticatólico. Teísta que é, considera por um prisma de pretensa neutralidade todas as religiões.

Penso que nenhum espírito sensato pode exigir do Sr. Plínio Salgado que só inscreva, em suas fileiras, cidadãos que sejam católicos praticantes. Essa exigência, que seria impolítica e inoportuna, teria, entre outros inconvenientes, um que seria imenso: viria criar uma confusão enorme entre a Ação Católica e a Ação Integralista. Esta é uma corrente política. Como tal, inscreve em seu programa diversas reivindicações de natureza meramente temporal. E a Igreja nunca poderia fazer oficialmente suas, a tais reivindicações, que escapam à sua esfera de ação.

Mas seria de se esperar que o Integralismo, tradicionalista como é, assegurasse a primazia da Igreja Católica sobre as demais correntes religiosas, às quais seria apenas facultada a liberdade de cultos devidamente regulamentada. Não é a Igreja a depositária fidelíssima das mais autênticas tradições de brasilidade, de que o Intregralismo se manifesta tão zeloso?

Por isso, nunca compreendi a posição religiosa dos legionários do sigma.

Expondo esse modo de ver a muitos amigos integralistas, eles me têm respondido que tal atitude alienaria necessariamente, dos integralistas, o apoio dos protestantes, dos espíritas etc. E que uma corrente que dá seus primeiros passos não pode prescindir de apoio algum, seja ele qual for, desde que não venha de comunistas.

O argumento me impressionou fracamente. Ninguém ignora que todos os espíritas, protestantes, muçulmanos etc., que possam aderir ao Integralismo confiados em sua neutralidade confessional, nunca perfariam um total tão imponente quanto o dos católicos que se inscreveriam na Ação Integralista, se sua posição religiosa fosse mais "integral".

Vem agora a condenação da União Cívica Evangélica. Ela lança o anátema contra o Integralismo. Por aí se vê que é muito fraco o prestígio da disciplina do integralista, junto a protestantes embebidos até a última fibra da alma, com os princípios anárquicos de sua confissão religiosa. Pela declaração da União Evangélica, ficará sabendo o Sr. Plínio Salgado - se é que já não sabe - que poucos serão os protestantes que se inscreverão sob suas bandeiras.

Perdeu alguma coisa o Integralismo, com a pedrada que lhe atirou um grupo de protestantes? Não. Pelo contrário, lucrou.

Há muita gente que professa ingenuamente a opinião de que duas quantidades inimigas de uma terceira são amigas entre si. Disparadas contra o Integralismo certas baterias protestantes, ficará provado e arquiprovado, para muita gente simples, que o Integralismo e o Catolicismo são irmãos siameses, e que um católico não integralista é apenas um meio-católico. E, com isto, engrossarão as hostes verdes.

E o Integralismo? Que atitude tomará? Manter-se-á na mesma posição, ou aceitará alguma transformação? Neste último caso, pensamos que procederá com habilidade. Mas, verificada a primeira hipótese, só uma conclusão nos resta:

- Não são apenas motivos táticos, que conservam ao Integralismo seu caráter interconfessional. Há, na medula de seu pensamento, uma tendência doutrinária má, que, se não for corrigida a tempo, prejudicará a fundo a A.I.B., e, quiçá, o Brasil.