O tribunal de exceção

 

 "O Legionário" N° 205, 16 de agosto de 1936

 

Em nosso último artigo, procuramos demonstrar que é o "egoísmo" - termo elegante que Tristão de Ataíde forjou, - a mola secreta que anima a nossa política de bastidores, e provoca o entrechoque surdo das sub-correntes políticas. As idéias como dissemos influenciam muito menos nossa vida política, do que os interesses pessoais. No entanto, no Brasil se vão constituindo diversas correntes ideológicas novas das quais as mais conhecidas são integralismo, o monarquismo e o comunismo. Ao par dessas correntes meramente políticas, vem crescendo o número dos católicos militantes, de 24 quilates. Qual a atitude dos nossos figurões perante tais correntes?

É muito lógica: o erro também tem sua lógica. Em geral, nossos "politicões" são conservadores ferrenhos, que querem a restauração pura e simples da Constituição de 1891, a qual ainda é, no segredo do coração de cada um deles, o modelo perfeito da organização política de um povo moderno. Em matéria religiosa, são, pois, laicistas. Consideram as reivindicações católicas como inovações deploráveis. Amaldiçoam o integralismo, o monarquismo, e outros "ismos" com uma veemência quase igual àquela com que odeiam o comunismo. Muito secretamente, ainda, tendem para o socialismo. Mas julgam imprudente tocar neste ponto atualmente.

Mas, como dissemos, em geral - nunca será demais dizermos que há exceções talvez mais numerosas do que muita gente imagina - em geral não são idealistas. E, por isto mesmo, estão dispostos a todas as concessões para os católicos, como para qualquer outra corrente influente. Mas, conservadores que são, suas concessões, sempre as menores possíveis, são feitas de tal modo que possam ser a qualquer momento canceladas.

É o que demonstra a história das câmaras legislativas eleitas em 1934, da Constituinte da II República. Em relação às correntes novas, o seu lema tem sido este: ceder sempre, mas ceder o menos possível.

O que se tem dado com o Catolicismo é típico. Que nos conste, nenhuma das Câmaras eleitas em 1934 regulamentou qualquer das emendas religiosas vitoriosas na Constituinte Federal. Cortesias à Igreja não têm sido, nunca, recusadas. Morre um Bispo, as Câmaras aprovam um voto de pesar. É sagrado outro Bispo, as Câmaras o felicitam. Há um jubileu, elas se fazem representar. Há um aniversário, elas exprimem seus votos de prosperidade. Neste terreno das formalidades, não há uma única gentileza que seja omitida. No entanto, ao mesmo tempo em que nos prodigalizam seus sorrisos, os políticos de "corpo mole" boicotam as reivindicações religiosas. Dá-se-nos de boa vontade o acidental, contanto que não tenhamos o essencial. Não que nossas reivindicações sejam rejeitadas. Mas, ou não são apresentadas, ou, quando o são, vão prontamente para o arquivo.

Ainda há pouco foi isto que se deu com o casamento religioso na Câmara Federal. Não foi rejeitado, mas sumiu. E ninguém é capaz de dizer onde foi parar o projeto tão truculentamente comentado pelo Sr. Waldemar Ferreira.

É nas atuais manobras da Câmara federal, que essa política atinge o auge da astúcia. Um deputado propôs que uma comissão representasse a Câmara no Congresso Eucarístico. Sem a menor dificuldade, o requerimento foi aprovado, e uma comissão de 22 deputados irá a Belo Horizonte homenagear o Rei Eucarístico, em nome do Congresso Brasileiro. Nada de mais belo. Mas é esta mesma Câmara, que discute, que adia, que protela, que dificulta a ação do Executivo Federal, na repressão ao comunismo. Com a mesma moleza com que os acatólicos aderem a uma manifestação religiosa, recuam ao ter de golpear a fundo a hidra comunista.

Vem a propósito, examinar aqui da questão dos tribunais de exceção. O público não ignora do que se trata. As leis vigentes estabelecem um processo excessivamente longo e aberto à maior publicidade, para a apuração das responsabilidades políticas da intentona comunista. As delongas irão, certamente, beneficiar os comunistas, que se aproveitarão de todas as chicanas forenses, para afastar o dia em que devam ser condenados. Quando, enfim, este dia vier, a opinião pública que é essencialmente versátil, já terá esquecido a gravidade do crime praticado pelos comunistas. E, por isto, será mais sensível a qualquer campanha sentimentalista, tendente a amenizar a pena dos mazorqueiros de 1935.

Evidentemente, é razoável o desejo do governo, de que se organizem tribunais novos, para, por meio de um processo rápido e eficaz, aplicar quanto antes, aos comunistas, a punição que o sangue de suas vítimas reclama.

Mas o Sr. João Neves - cujas hostes se farão certamente representar no Congresso Eucarístico - não está de acordo com isto. É preciso enfraquecer o governo, porque com isto lucram seus interesses políticos pessoais. Portanto, é indispensável que se dê a todos os seus adversários a maior liberdade de ação possível. E isto ainda que tais adversários sejam, não simplesmente inimigos da situação dominante, mas inimigos da própria civilização. Seu eleitorado aumentará certamente com mais alguns votos da Aliança Libertadora, em virtude de sua atual atitude. E, para contentar Deus e o diabo, far-se-á representar no Congresso Eucarístico de Belo Horizonte. Isto lhe valerá algumas simpatias católicas.

E, no entanto, o Sr. João Neves não é um monstro, na nossa fauna política. É apenas um oportunista como outros muitos. Ao seu lado, cerram fileiras, atualmente, muitos elementos que eram defensores decididos da ordem, e adversários acérrimos do comunismo em 1930. E, nas hostes governamentais, figura muito "politicão" que procurou aliança dos comunistas, para derrubar o governo do Sr. Washington Luiz.

O mais triste de tudo isto, porém, é que muitos católicos parecem não perceber nada. Anestesiados pelas gentilezas oficiais, têm os olhos fechados para o seu verdadeiro alcance. Até quando continuarão a dormir?