Na fase dos sorrisos e das ciladas

 

 "O Legionário" Nº 202, 19 de julho de 1936

 

Reaberta a Câmara Legislativa do Estado e empossada a Câmara Municipal, a vida política vai entrar agora, em uma das suas fases mais delicadas: a preparação das candidaturas.

Em 1934, a situação política do Brasil era um caos. Nenhum estadista havia, por mais experimentado e arguto que fosse, capaz de traçar com precisão o mapa da distribuição das forças políticas nos Estados. Há quatro anos, que vivíamos em regime ditatorial. Ninguém conhecia exatamente a força que conservavam as antigas organizações eleitorais, e a que tinham adquirido as correntes novas. E, assim, para todos os partidos políticos dos Estados, as eleições de 1934 foram um perfeito salto no escuro.

Vieram, porém, as eleições. E, com elas pôde ser feita uma primeira fixação de nosso mapa político.

Mas faltava ainda uma importante batalha a ser desferida: a das eleições municipais. Para quem conhece o Interior, e a gravidade que assumem lá as questões municipais, não é difícil adivinhar o alcance político da luta travada em torno das Prefeituras e das cadeiras de vereador. Por isto, os pleitos foram renhidos.

Feita finalmente a apuração dessas últimas eleições, a situação política se esclarece inteiramente. Em S. Paulo, por exemplo, sabe-se exatamente de quantos votos dispõe o PRP, de quantos dispõe o PC, com quantos contam o Integralismo e o Socialismo. E o mesmo se dá em Minas, no Rio Grande, na Bahia, etc.

Por alguns anos, não teremos mais eleições. E, portanto, nada de substancial, dentro da órbita constitucional, pode ocorrer na distribuição das forças políticas dos Estados e dos Municípios.

Dentro da órbita constitucional, também a vida política da União e dos Estados está perfeitamente normalizada. Cada um sabe quantos partidários tem, e com quantos aliados pode contar.

Começam, agora, as combinações entre os diversos grupos representados nas assembléias legislativas.

Para que?

A opinião pública, "soi-disant" soberana, o ignora. Mas, para os iniciados, não é segredo o motivo das atuais sondagens políticas entre as diversas correntes. Desde já, nos bastidores, está sendo agitada a questão da sucessão à Presidência da República. Governadores há, que se consideram em condições de pleitear a "honrosa investidura" digna de Chefe da Nação Brasileira. Para isto, porém, precisam de amigos... e, em política, não é barato ter amigos.

Assim, pois, as sondagens começam. A primeira coisa com que se acena é o cargo de governador de Estado, eventualmente vago com a eleição, para o Catete, de seu atual ocupante. Evidentemente, o cargo de Governador de Estado é isca excelente, mesmo em algumas unidades de menor importância, como as há no Norte. Nada há de melhor para obter a adesão dos figurões do Partido oficial, eventualmente frios em relação à ascensão política do seu chefe.

E por isso soe ser oferecido, simultaneamente, a diversos "leaders", evidentemente sob o maior sigilo, para que a pluralidade dos convites não chegue ao conhecimento dos convidados.

Ao mesmo tempo, é preciso interessar certos chefes de ambições menos altas. Entram, então, nas combinações, as futuras pastas ministeriais. São oferecidas muitas vezes a políticos que não se sentem com força de exigir o Governo do Estado para si. Ou são reservadas como ficha de consolação, para os candidatos ao cargo de governador, descontentes com a sua preterição por outro mais do agrado do governo.

A promoção de tanta gente aos mais altos cargos políticos ocasionará, evidentemente, um certo número de vagas atualmente ocupadas por políticos "ad majora vocati".

Também essas vagas, portanto, são oferecidas, disputadas, recusadas ou prometidas, em diversas negociações sucessivas.

E, assim de alto a baixo, todos os cargos de nossa imensa hierarquia política são objeto de inúmeras transações, cuja complexidade deixaria assombrados os não iniciados no difícil "métier" de fazer política... gem.

Por enquanto, nada transpira pelos jornais. É que qualquer publicidade é prematura. Nossos trabalhos políticos, em geral, passam por três fases. A primeira é a do ajuste de interesses, feito entre sorrisos e ciladas. É nela, que nos encontramos atualmente. Cada qual procura para si os melhores aliados, e oculta suas manobras com uma pletora de sorrisos aos futuros adversários. Na segunda fase, as sondagens recíprocas já se verificaram. Os interesses estão ajustados em grupos importantes, solidamente constituídos. A tais grupos, só resta a luta aberta. Dos sorrisos, passa-se à difamação. Dos bastidores, passa-se à imprensa. É a segunda fase da luta, o período de propaganda pública, que precede as eleições. Finalmente, travadas as eleições, entra-se em uma terceira fase que, felizmente, parece estar saindo de uso na política paulista: a da conspiração. Os situacionistas procuram desagregar a minoria, jogando com as poderosas cartas de seu baralho: cartórios, contratos de obras públicas, transações de bolsa etc. Por outro lado, a minoria tenta derrubar a maioria... conspirando nos quartéis.

Atravessará mais uma vez o Brasil, por ocasião da sucessão do Sr. Getúlio Vargas, estas três quadras, que são o doloroso tríptico de todas as eleições presidenciais que a História da República nos conta?