Muito bem e pouco barulho

 

"O Legionário" Nº 200, 21 de junho de 1936

 

Há muita gente bem intencionada, para quem a única forma de combate contra o comunismo consiste em vociferar de braços cruzados, contra a doutrina de Marx, e a falar dia e noite em fuzis, em metralhadoras, em patas de cavalo e coisas afins.

Evidentemente, todos esses meios não são para se desprezar. E se, algum dia, o Brasil precisar do sangue de seus filhos, para se defender contra a invasão russa, os Congregados Marianos, que representam a parte mais moça das falanges católicas, reclamarão para si a honra de marchar na vanguarda dos heróis da Igreja e da Pátria.

Isto posto, é preciso acentuar mais uma vez que, como dizia São Francisco de Salles, "o barulho faz pouco bem, e o bem faz pouco barulho". Não é com imprecações e ameaças, que transformaremos a mentalidade das massas. Faz-se mister lançar mão de meios seguros e mais seguros e mais profundos.

Por esta razão, os católicos, embora acusados às vezes de não combater o comunismo com a devida energia, vão organizando nas diversas camadas da população uma ação espiritualizadora, que é o antídoto mais seguro contra os venenos de procedência moscovita.

Para que nos persuadamos de que a recristianização das massas é a barreira suprema contra o comunismo, não é necessário que recorramos à argumentação dos teólogos ou ao testemunho dos Pontífices Romanos. Bastará que apelemos para o depoimento dos "leaders" comunistas. Não foi do maior dentre eles, que partiu a famosa afirmação de que a religião é, no espírito do povo, um ópio que faz amortecer nele qualquer espécie de instinto revolucionário? Que maior apologia para as virtudes imunizadoras do Catolicismo, do que esta afirmação de seus adversários?

A ação anticomunista dos católicos não se faz sentir apenas no terreno da recristianização. Não é apenas às almas, mas também aos corpos, que atende a solicitude maternal da Igreja, no meio das dificuldades contemporâneas. É preciso que o proletário sinta que, pregando-lhe a Verdade, a Igreja não tem em mira tão somente a neutralização de sua sanha revolucionária, mas que, compadecida das misérias que oprimem atualmente as classes trabalhadoras, ela as procura com o coração cheio de afeto e as mãos cheias de donativos para lhe minorar os sofrimentos.

Estabelecimentos que atestam essa preocupação inteligente e caridosa dos católicos, nós os temos em São Paulo em tal cópia, que seria excessivamente longa qualquer enumeração.

Em especial destaque, porém, queremos pôr a Assistência Vicentina aos Mendigos, cujo relatório acabamos de receber, e que constitui, a nosso ver, o padrão ideal de uma obra católica de assistência social.

O primeiro traço que nos impressionou no relatório que recebemos, foi o perfeito equilíbrio entre as preocupações materiais e espirituais. Muito freqüentemente, ressentem-se nossas obras sociais de excessos no sentido material. Nota-se grande atenção quanto ao amparo dos corpos. Pouco, quanto à proteção dispensada às almas. Os assistidos, freqüentemente saem com o estômago mais cheio do que quando entraram, mas com o coração inteiramente vazio de ensinamentos salvadores e consoladores. Ora a preterição do espiritual em benefício do material é uma aberração entre católicos, que devem sobrepor a qualquer outra preocupação, a da salvação das almas.

Na Assistência Vicentina, porém, o equilíbrio é perfeito. E, ao mesmo tempo em que verificamos que o aspecto material da obra é cuidada com um zelo completo, vemos com prazer que o apostolado se desenvolve pujante, paralelamente à caridade corporal, e que as estatísticas referentes ao movimento espiritual acusam só em 1935, um total de 6.639 Comunhões, 2.055 Confissões, e 11.164 jaculatórias!

Um outro aspecto que queríamos destacar, quanto à Assistência Vicentina, é a perfeição de seus serviços estatísticos.

Sou de opinião que todas as obras de beneficência católica se deveriam entrelaçar, para manter um Bureau de Estatísticas. A estatística, nas obras sociais, não é apenas uma tola manifestação de vaidade, como poderia pensar algum observador superficial. A estatística é para a assistência social o que o farol é para o automóvel, a quem indica o caminho a percorrer, acentuando todas as dificuldades e obstáculos com que espera o transeunte desatento. Se nas nossas obras sociais, além da assistência, tivéssemos um serviço de estatística, os católicos teriam à sua disposição riquíssimos dados, capazes de lhes orientar convenientemente a atividade.

Para documentar nossa afirmação, colhemos ao acaso algumas informações extraídas das numerosas e modelares estatísticas da Assistência Vicentina. Cada uma delas vale por todo um artigo de jornal.

Vamos aos exemplos. O serviço de sindicância apurou que 3/4 das famílias que apelam para a Assistência não têm razões suficientes para viver da caridade pública. Se soubesse disto o Cidadão Rabello! As estatísticas nos revelam, ainda, que os dedicados cooperadores vicentinos fizeram, em 1935, 26.530 visitas domiciliares às famílias socorridas. Um dos médicos da Assistência, Presidente de uma Congregação Mariana, atendeu, só ele, 209 doentes gratuitos! Das famílias protegidas pela Assistência, 467 deixaram de utilizar, por se terem tornado desnecessários, os socorros que lhes eram fornecidos. É um indício animador da situação de nosso operariado. A estatística das profissões das pessoas socorridas revela uma porcentagem alarmante em relação às domésticas, que foram 654, enquanto em todo o operariado só se apresentaram 269. Por quê?

Muitos outros aspectos da atividade da Assistência Vicentina mereceriam detalhada análise.

Infelizmente, o espaço não nos permite que a façamos aqui. Mas deixamos consignado um conselho a nossos leitores: querem um modelo de obra de assistência social, paulista e católica? Leiam o relatório da Assistência Vicentina.