À Margem dos Fatos

 

"O Legionário" Nº 197, 10 de maio de 1936

 

"Podemos afirmar que a noção cristã do trabalho e da justiça preside e norteia a nossa legislação trabalhista", diz o Sr. Presidente da República na mensagem que dirigiu ao Poder Legislativo. Não apoiado. De cristão, só o que existe em nossa legislação social é o propósito de conservar a propriedade e a família. Quanto ao mais, isto é, quanto ao modo de organizar a vida econômica especialmente com o que se relaciona à vida de família, nossa legislação social oscila incessantemente entre um cru individualismo e, o que é mil vezes pior, um socialismo ainda mais cru.

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Ainda na sua mensagem, o Sr. Presidente da República demonstra que o comunismo deve ser combatido principalmente nas escolas. E o meio que S. Ex.a lembra para ferir tal combate é uma forte doutrinação a favor dos princípios democráticos.

De nossa parte, lembramos que, o pseudo-evangelho de Rousseau e da Revolução Francesa nunca poderá substituir como cimento da ordem social, o Evangelho autêntico e imortal, de Nosso Senhor Jesus Cristo...

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Louvores irrestritos nos merece o tópico da Mensagem, em que se afirma a necessidade de manter dentro da disciplina as classes armadas.

Essa disciplina, porém, só existirá quando e enquanto as classes armadas a quiserem, pois que, do momento em que seus elementos mais destacados resolvessem destruir a ordem civil, não haveria barreiras a lhes opor.

O problema, pois, consiste em fazer com que o elemento são predomine sempre - como no momento predomina - no seio das classes militares. Quer o Sr. Presidente um conselho a este propósito? Inicie a reforma do exército pela reforma da Escola Militar. Enquanto perdurarem lá os últimos resquícios de comtismo, o Brasil não terá encerrado a era das revoluções.

Alce decididamente a Cruz dentro dos quartéis, e S. Ex.a terá consolidado a obra disciplinadora que, auxiliado por um valoroso grupo de militares, S. Ex.a vem empreendendo no Exército, de tempos a esta parte.

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Pomos também em destaque o trecho da mensagem que se refere à formação de um bloco de nações americanas. O Sr. Presidente da República é diplomata por demais sutil, para, desde já, se pronunciar sobre a "Liga das Nações Americanas".

De nossa parte, porém, continuamos a fazer calorosos votos para que o Brasil oriente sua política num sentido principalmente latino-americano.

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O Congresso de Academias de Letras, que se realiza no Rio, está tendo larga repercussão em nossos círculos intelectuais.

Apraz-nos registrar que, sem trabalho algum dos elementos católicos, figuram ali diversos representantes do pensamento católico, entre os quais os Srs. Everardo Backheuser, Waldemar Falcão, e outros.

Ao lado destes, figura, o conhecido comunista, Sr. Bruno Lobo.

Sempre o duelo entre Roma e Moscou...

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Lamentamos profundamente que, na lista de leis a elaborar para cumprimento da Constituição Federal, o Sr. Presidente do Senado, em seu discurso de abertura dos trabalhos parlamentares, não tenha mencionado as leis que devem regulamentar a aplicação dos artigos inscritos pela opinião católica, na Constituição Federal.

Terão os deputados católicos (rari nantes in gurgite vasto) forças suficientes para obter a aprovação de tais leis, de que está tão esquecido o ilustre rotaryano, Senador Medeiros Netto?

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As polêmicas em seção livre assumem, em nossa imprensa quotidiana, uma feição cada vez menos nobre.

Não podemos deixar sem protesto o fato de ter "O Estado de S. Paulo", em sua seção livre, transcrito um artigo, do Sr. Senador (!) Macedo Soares, de título tão pouco limpo, que nem sequer para lembrá-lo, uma folha católica o pode repetir.

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A notícia publicada pelo "Diário de São Paulo", sobre a satisfação do Santo Padre pela conclusão do conflito ítalo-abissínio, deve ser entendida no seu sentido exato, e não no em que o título que lhe puseram, talvez inadvertidamente, pode insinuar.

Conquanto nascido na Itália, o chefe da Cristandade está colocado em tal altura, que não o sentimento de Pátria, mas o de paternidade sobre todos os homens, fala nele ao apreciar os acontecimentos internacionais.

Assim, o que Sua Santidade agradeceu à Providência foi de ter permitido a cessação do conflito, sem que ele se generalizasse em guerra mundial.

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Só Cristo e seu Vigário são considerados infalíveis pelos católicos. Quanto aos não católicos, a infalibilidade papal lhes tem constantemente servido de pedra de escândalo.

Hitler, porém, quer ser infalível... e não lhe faltam, entre os sequazes livres-pensadores, adeptos fervorosos.

No "Senado de Cultura" de Berlim, o Sr. Goebels fez um discurso em que declarou que "os homens de cultura da Alemanha sabem que é do Führer que lhes advém sua autoridade"...

Assim, a autoridade da ciência, hoje em dia, já não emana do valor intrínseco da própria ciência, mas da vontade onipotente do novo Cristo (?!) nórdico.

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Por isto é que o Evangelho de Cristo vai sendo substituído pelo Evangelho (?!) de Hitler.

Noticiam os jornais que todos os casais alemães receberão de presente, no ato do casamento, de 1º de Maio em diante, um exemplar do livro de Hitler, "Mein Kampf".

A Sagrada Escritura já encontrou, portanto, quem a substituísse como norma de vida.

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Notícias telegráficas informam que os católicos irlandeses receberam a murros um cortejo comunista que pretendia atravessar um cemitério católico.

Quando aprenderemos também nós, católicos brasileiros, a empunhar o látego que expulsou do templo os vendilhões?