O fato capital das
últimas eleições municipais não será a vitória do PC ou do PRP, como pensa muita gente que só sabe o que quer dizer
política, quando se escreve essa palavra com “p” pequeno.
A nota mais saliente das últimas eleições foi a
sensível baixa do eleitorado, baixa quantitativa e qualitativa.
Percebendo o desinteresse da opinião pública já nas
vésperas do pleito, todos os jornais inseriam, em gordos caracteres, a notícia
de que os eleitores que não votassem seriam punidos com multa que variaria de
dez mil réis a um conto, conforme as posses do eleitor faltoso. Impressionada
com essa notícia, muita gente, que preferiria abster-se, compareceu às seções
eleitorais. E, no entanto, a despeito de tudo isto, a freqüência observada foi
a mais baixa que se tenha verificado em São Paulo depois de 1933.
Por outro lado, não apenas quantitativa, mas também
qualitativamente, as eleições foram fracas. Quem, em 1933 ou 1934, passasse por
certas seções eleitorais da Capital, como por exemplo o Grupo Escolar da Barra
Funda, teria a impressão de que, em tais prédios, não se estavam realizando
eleições, mas reuniões sociais do elemento mais seleto de São Paulo. Realmente,
era extraordinária a afluência de cavalheiros da maior projeção nos círculos
intelectuais ou comerciais da cidade e de damas da mais alta representação
social. Tinha-se a impressão de que a “vieille roche” paulista, as
mais autênticas estirpes de bandeirantes da terra começavam a se interessar
vivamente pela política. E essa circunstância dava no ambiente eleitoral uma
elevação, uma dignidade, uma nota de superioridade que o Brasil não conhecia
desde 15 de Novembro de 1889.
Nas eleições deste ano, porém, tal não se deu.
Exatamente as seções mais freqüentadas pelas “elites” intelectuais e sociais da
cidade eram aquelas que davam a impressão mais forte de abandono. Pouca gente
nas salas e pelos corredores. E, principalmente, gente pouco conhecida. Em
lugar de formar grupos para palestrar e comentar os prováveis resultados do
pleito, os eleitores e eleitoras entravam apressadamente nas cabines para dar o seu voto, e saíam imediatamente, com o
evidente sentimento de alívio de quem cumpriu o dever.
Qual a razão deste fato?
O melhor elemento eleitoral da cidade é, sem
dúvida, aquela parte de nossas “elites” intelectuais e sociais que vive inteiramente
afastada da política e independente do Governo.
Gente que não tem interesses pessoais empenhados no
pleito, mas que dispõe de cultura suficiente para considerar lucidamente as
questões políticas do ângulo dos interesses nacionais, será sempre gente de
“elite” do ponto de vista eleitoral.
Ora, em geral, essa gente não votou ou, se votou,
votou quase sempre em branco.
Por que?
Porque o atual Código eleitoral não foi feito para
eleitores cultos, mas para votantes de cabresto. Realmente, ele dá às direções
dos partidos políticos a faculdade de confeccionar as chapas como bem
entenderem. E, ao eleitor, só cabe o recurso de escolher uma das chapas já
feitas, ou de votar em branco. Quanto ao voto avulso, que dá eleitor de escol o
direito de selecionar, sem paixão partidária, os elementos mais aproveitáveis
de uma ou outra corrente, foi inteiramente abolido. E, como conseqüência, as
“elites” ou votam no cabresto ou se abstém de votar. Não foi outra a causa do
desinteresse do melhor elemento da cidade pelas eleições municipais.
Exatamente por isto, nas vésperas do pleito só se
ouvia uma pergunta: em quem votar? Ninguém tinha candidatos ou chapas de preferência.
E com isto muita gente votou em branco ou - o que é muito pior - nesta ou
naquela indiferentemente, sem ter
motivos sérios para preferir uma chapa à outra.
Esse fato é da maior gravidade. Leia-se Bryce, comentador insigne da Constituição norte-americana, e
veja-se que importância esse escritor fanaticamente democrático atribui à
participação das “elites” na política, nos regimes populares. E deduza-se daí o
prejuízo que decorre para o Brasil da abstenção eleitoral dos mais cultos e
competentes de seus filhos.
A culpa toda é do Código confeccionado em 1934 para
enforcar a Liga Eleitoral Católica. É assim que se suicida uma Nação, pela mão dos seus
legisladores.