Julgamos de nosso estrito dever fornecer a nossos
leitores um comentário tão completo quanto possível do discurso do Governador
do Estado, proferido no banquete que S. Ex.a ofereceu às classes armadas.
Reservando para a “nota de fundo” apenas o
aspecto essencial do discurso, abordamos em nossa seção “À Margem dos Fatos” mais
de um detalhe merecedor de comentário. E, na seção intitulada “Comentando”, fazemos uma declaração sobre nossa situação perante a política
do País.
O pensamento central do discurso do Governador do
Estado se resume nos seguintes itens:
1) O perigo comunista
exige uma repressão enérgica, e o Brasil não está disposto a adormecer às
portas do cataclismo, como certas democracias européias;
2) no cenário da
política nacional, São Paulo está disposto a
apoiar com todo o peso de seus valores políticos e sociais, a luta contra o
comunismo;
3) no entanto, cumpre
ponderar que qualquer alteração no regime presidencial vigente só pode ser
inócua quando não inconveniente;
4) que o comunismo visa resolver
um problema que tende a desaparecer espontaneamente do cenário mundial e que
nunca adquiriu forma e consistência no Brasil: a saber, a hipertrofia do
capitalismo, a qual está sendo abolida na maior parte dos países europeus, e
que nunca existiu no Brasil;
5) que o mal é moral, e
principalmente pela educação pode ser corrigido;
6) que para remediá-lo
o Estado se deve apoderar da Educação, e fazer circular nesta uma forte
corrente de nacionalismo;
7) que esse trabalho
deve ser feito principalmente nas Universidades civis e nos cursos militares
superiores;
8) que, na luta contra
o comunismo, devem cooperar todas as forças sociais, máxime
a Igreja, aliada natural de todos quantos defendem a civilização cristã.
Francamente, somos de opinião que as linhas mestras
do discurso do Governador são excelentes.
Vejamos, por exemplo, a tese 7. Agrada-nos ouvir
dos lábios de um chefe do Executivo
paulista, palavras em que se reconhece bem alto o cunho fundamentalmente
católico de princípios que o comunismo visa destruir, e a necessidade que tem o
Estado de apelar para a cooperação da Igreja, na defesa de instituições que
interessam tanto a Religião quanto a Pátria. Egressos que somos de um regime de
laicismo ferrenho, vivendo sob uma Constituição que
ainda professa oficialmente o princípio da separação da Igreja e do Estado, as
palavras do Governador são para nós índice seguro de uma mudança de
mentalidades que prognostica dias melhores para o futuro. Realmente, cumpre
notar que o Sr. Armando de Salles Oliveira foi expoente do
órgão mais laicista e mais liberal de nossa terra, e que é justamente a figura
mais representativa do pensamento desse órgão que proclama a catolicidade
congênita da nossa civilização.
Isto posto, quanto à tese 6, devemos fazer um
adendo às palavras do Sr. Governador. O nacionalismo, por si só, não basta.
Terá ele salvo a Alemanha de um partido que,
como o nazista, sob pretexto de combater o comunismo, estabeleceu um regime que
é primo-irmão do de Moscou? Por mais nobre que seja,
terá o nacionalismo virtudes suficientes para desinfetar todos os ambientes do
vírus comunista? E se assim é, como se explica que os chefes da Aliança
Libertadora nenhuma dificuldade sentiram em pregar o nacionalismo ao lado do
comunismo, para iludir nossas massas? É certo que, para homens cultos,
nacionalismo e comunismo “hurlent de se trouver ensemble”. No
entanto, para a ignorância do homem da rua, nenhuma incompatibilidade existe
entre uma e outra coisa, e, para o temperamento acomodatício do brasileiro será
muito fácil aceitar uma forma de comunismo que, na prática senão na doutrina,
se harmonize com pregações hiper-nacionalistas.
Tudo quanto signifique exaltação do sentimento
nacional, encontrará nos católicos, entusiastas ardorosos. Mas é preciso ir
mais longe, dirigir “excelsior”
o pensamento. O cosmopolitismo é um mal, mas não é o mal, e o nacionalismo,
sendo um remédio, não é, no entanto, o remédio.
Não se pode acorrentar o pensamento humano e
obrigá-lo a trabalhar dentro de um campo limitado pelo dedo do estadista ou do
filósofo. Não basta dizer ao homem, axiomaticamente, que deve ser nacionalista
e, partindo deste ponto, fazê-lo deduzir um amor entranhado à pátria e um ódio
veemente a todas as doutrinas que a combatem.
O homem perguntará inevitavelmente ao filósofo ou
ao estadista por que motivo deve ser nacionalista e não egoísta, isto é, porque
razão deve antepor aos seus, os interesses nacionais.
E, com isto, entramos em pleno campo filosófico e
religioso.
Realmente, se queremos um nacionalismo sincero,
devemos desejar um nacionalismo baseado em convicções profundas, alicerçado em
argumentos satisfatórios, e não apenas nos entusiasmos ocasionais provocados
pela audição do hino nacional ou do “Porque
me ufano”, de saudosa memória.
Se queremos fazer do nacionalismo a base da
regeneração nacional, poderemos pretender que esta base se alicerce no terreno
movediço dos sentimentos humanos? Ou iremos alicerçá-lo na rocha firme da
inteligência, esteando-o com as escoras indestrutíveis da razão?
Ora, nacionalismo sem Religião é coisa impossível.
Porque nacionalismo significa patriotismo. Patriotismo significa sacrifício aos
interesses superiores do País.
E sacrifício ou é ato da religião, ou é tolice.
Porque só um crente tem motivo suficiente para sacrificar-se pelo próximo: o
amor de Deus. E só um tolo é capaz de um sacrifício por uma humanidade incapaz
de gratidão na imensa maioria dos casos, quando não se indica como razão do
sacrifício um motivo religioso.
O discurso do Sr. Governador representa sem dúvida
um grande passo no sentido da destruição do laicismo
brasileiro. Mas para que este passo seja proveitoso, é mister que seja completo.
Esperemo-lo.