Kyrie eleison

 

"O Legionário" n.º 89, 1 de novembro de 1931

 

"Senhor, tende piedade de nós": Kyrie eleison, exclama a Igreja, em suas ladainhas, em suas orações, em seus ofícios. Kyrie eleison, deve exclamar hoje, mais do que nunca, a nação brasileira, que se defronta agora com um futuro sombrio e cheio de apreensões.

Sem querer intervir na esfera dos interesses políticos exclusivamente temporais, não podemos deixar de lançar um olhar aflito sobre o cenário da política brasileira, para apontar escolhos, examinar nuvens e prever tempestades.

A enigmática incoerência de nossa vida política desconcerta a quantos a observam.

Ora o Governo federal baixa um decreto instituindo o ensino religioso em nossas escolas públicas, ora baixa outro decreto, proibindo que se ensine filosofia católica no Colégio Pedro II, onde, de agora em diante, o estudo da Filosofia será obrigatória e exclusivamente positivista.

Ora os azares da política guindam ao poder um católico destemido, ora empossam, em Interventorias ou Ministérios, comunistas quase declarados ou ateus confessos.

Um sintoma característico deste nosso estado de coisas se encontra na atitude da Legião Mineira, em relação à Legião Revolucionária Paulista.

Quando esta realizou seu congresso, e elaborou seu programa diametralmente oposto à doutrina católica, assistiu às suas sessões, até o final, um representante da Legião Mineira, oficialmente delegado para este fim pelo Dr. Francisco Campos, autor do decreto sobre o ensino religioso!

Outros sintomas também característicos estão na atitude do Sr. Ministro da Guerra, que baixou uma resolução no sentido de se sujeitarem os seminaristas ao serviço militar obrigatório, e na deliberação do Sr. Interventor do Pará, que ameaçou demitir-se caso não se realizasse uma procissão em Belém, contra a vontade do Bispo.

Dias depois o Ministro revoga sua decisão, e o Interventor, apesar de não realizada a procissão, renuncia à demissão anunciada.

Nossos governantes falam freqüentemente em reformas sociais. Chegam às vezes a ter expressões quase irritadas para com o individualismo econômico (no que concordamos), cujos péssimos efeitos prometem corrigir. Mas, por outro lado, nunca nos informam sobre um ponto capital: se as reformas sociais serão reformas socialistas ou reformas cristãs, que são coisas essencialmente antagônicas.

E nem por acaso nos informam qual o ponto até onde pretendem ir com tais reformas. A indefinição e a indistinção são a característica invariável das resoluções oficiais.

Aliás, a desordem e a confusão são a nota dominante de nossa atual situação política. Não há correntes ideológicas nitidamente formadas. E não há, por isto, uma única corrente com tendências definidas.

Constitui, neste conjunto, uma flagrante e triste exceção a Legião Revolucionária de São Paulo, que já firmou seu estandarte no campo socialista, muito próximo ao pendão rubro de Marx e de Lenine. Mas, exceção feita dessa agremiação, tudo o mais é incoerente e heterogêneo.

Ora o pêndulo de nossa política se aproxima do Vaticano, ora se desloca bruscamente para o Kremlin. Qual destas orientações prevalecerá?

Que significado devemos atribuir às confusões intencionais, aos silêncios inoportunos, sobre as tendências de nossa legislação?

Revelam eles, a meu ver, que o Governo federal não tem mais força para desagradar os elementos esquerdistas. Trata-se, portanto, de fatos altamente significativos.

É inegável que dispomos de numerosos estadistas católicos, sinceramente anticomunistas, entre os quais ocupa lugar de particular destaque o benemérito Interventor federal, Dr. Laudo de Camargo, cuja atuação tem sido bem diferente da do Governo federal.

Vencerão esses elementos? Conseguirão eles que se ponha um paradeiro à fermentação que vai pelo País? Desunidas, freqüentemente incompatibilizadas umas com as outras, saberão as classes conservadoras ligar-se no combate ao inimigo comum?

Nós o desejamos, mas não o esperamos. A vitória será certamente nossa. Mas tememos que ela só nos venha depois de longas lutas, terríveis provações.

E, nessas conjunturas, constitui para nós um dever indeclinável incitar vivamente aos católicos que se unam em torno dos últimos elementos de estabilidade social e de ordem que ainda há entre nós, para que possamos defender dignamente os princípios que professamos.

O católico que, nas circunstâncias presentes, se entrega ao indiferentismo habitual dos brasileiros, reedita o gesto de Pilatos, lavando as mãos em relação à sorte de Jesus.

Ação, pois, ação constante e denodada. Nas conversações, nas ruas, nas famílias, nos colégios, nos clubes, o católico deve ser o porta-voz dos princípios de Deus.

E além desse dever, outro se nos impõe como supremo recurso: é de clamar com perseverança ao Céu:

KYRIE ELEISON, KYRIE ELEISON.

 

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