Fora, Sr. Mariani, fora do Brasil!!

 

O "Legionário" n.º 69, 23 de novembro de 1930

 

É um dever imperioso de todos os católicos brasileiros auxiliar com todas as suas energias, e com toda a sua alma, a nacionalidade, no momento em que esta envida os mais ingentes esforços para levar a efeito sua reconstrução. No atual momento, não podemos deixar de lançar um olhar retrospectivo sobre a vida política da situação que caiu, sobre todas as irregularidade e abusos que um exame imparcial está denunciando.

A história de nossos quarenta anos de República se presta, sem dúvida, a considerações mais interessantes do que o ataque impiedoso e sistemático aos homens que a onda revolucionária derrotou. Reconhecemos, com toda a sinceridade, que no meio da podridão que andava pela administração pública havia também alguns idealistas abnegados que, na medida de suas forças, procuraram lutar contra a imoralidade que grassava em nosso funcionalismo. Reconhecemos que, entre os membros do Partido Republicano Paulista, hoje apontado à execração pública, havia pessoas de comprovada honestidade, que se vinham esforçando, em cargos diferentes, por tornar menos intolerável a situação que acaba de ruir. Mas tudo isto, nós o reconhecemos não com a intenção de diminuir os méritos do movimento revolucionário, nem com a idéia de despertar em quem quer que seja qualquer movimento de "saudosismo". Nós o reconhecemos, pelo contrário, animados por um espírito cristão de serena justiça, que nem as agitações das massas, nem os delírios da vitória podem vencer.

Prestamos respeitosa homenagem à legitimidade das autoridades ora constituídas, associando-nos de todo o coração à atitude que, a este respeito, manteve o Episcopado paulista.

Homenagem de reconhecimento àqueles, dentre os vencidos, que procederam bem, homenagem de respeito e solidariedade aos vencedores, dos quais esperamos que agirão melhor do que os vencidos, eis a atitude, ao mesmo tempo justa e razoável, que assume a opinião católica.

É absolutamente incontestável que este movimento teve um grande mérito: foi um movimento de regeneração, que manifestou um grande amor à moral, ao bem, à virtude, e uma grande força de conservação, contra os fatores perigosos que contribuíam cada vez mais para o empobrecimento moral e pecuniário do País. Foi, pois, e isto nunca o podemos perder de vista, um movimento essencialmente conservador.

E nós, brasileiros da Congregação de Santa Cecília, que sobre sermos brasileiros, somos católicos, não podemos deixar de manifestar nossa inteira e irrestrita solidariedade a tudo quanto as autoridades constituídas, no louvável intuito de preservar da ruína a Terra de Santa Cruz, quiserem empreender, dentro das normas de nossos intangíveis princípios e do respeito às nossas sagradas tradições.

Causou-me a mais agradável e profunda emoção o ouvir, na Faculdade de Direito, o Sr. Professor Cardoso de Mello Netto, encerrando as aulas do 5º ano, declarar que, na atual revolução, tudo estaria perdido, se se perdessem os princípios; tudo estaria salvo, se estes se conservassem intactos, na alvura imaculada de seu idealismo.

E é para preservar da corrupção estes princípios, para manter intacto o seu brilho, que levantamos agora nosso protesto indignado contra a conferência pronunciada pelo Sr. Mário Mariani, no dia 14 p.p.

Assim como as marés que trazem às praias, misturadas com as mais belas conchas, restos imprestáveis de objetos lançados ao mar pelos passageiros, assim também as revoluções cercam de grande notoriedade tanto caracteres adamantinos quanto aventureiros. E o trabalho cuidadoso do País deve consistir em fazer a seleção, dando a cada um o que merece, na estima ou execração pública, conforme suas obras.

É o que vamos fazer com o Sr. Mário Mariani. Este senhor foi expulso pelo Governo do Dr. Washington Luís, sob a alegação de ser comunista. Idêntica punição já tinha o mesmo sofrido dos governos francês, belga, espanhol e, se não me engano, suíço, depois de ter perdido a cidadania italiana. Quando as autoridades quiseram purificar o ambiente nacional, removendo do Brasil o indesejável em questão, levantaram-se diversas personalidades eminentes, desconfiadas de que fosse o Sr. Mariani apenas uma inocente vítima de uma perseguição injusta por parte do Sr. Mussolini.

O habeas-corpus impetrado em seu benefício foi rejeitado pelo Supremo Tribunal, depois de ter este cuidadosamente estudado o caso, e de ter pedido mais de uma vez informações ao Ministro da Justiça. Por fim, nosso supremo órgão judiciário decidiu não conceder o habeas-corpus impetrado. E os íntegros ministros Dr. Firmino Whitacker (irmão do atual Ministro da Fazenda) e Dr. Soriano de Souza declararam estar absolutamente convictos de que o Sr. Mariani era comunista.

Pois nem diante de fatos tão significativos cessou a faina dos defensores do Sr. Mariani! Explorando habilmente o nacionalismo, mostravam-se indignados contra uma intromissão indébita do Sr. Mussolini em nossas coisas. Diga-se de passagem que, para se suspeitar desta intromissão, seria necessário desconfiar que também os governos francês (que acolhe todos os inimigos de Mussolini de braços abertos), belga (na Bélgica, foi há pouco escandalosamente absolvido o autor de um atentado contra o herdeiro do trono italiano e genro dos reis belgas), espanhol, etc., tinham sido influenciados pelo Sr. Mussolini, de modo vergonhoso, e que este tinha comprado os votos dos Drs. Whitacker e Soriano, contra cuja honestidade nada se pôde, jamais, dizer! A opinião pública, ou antes, uma parcela da opinião pública continuou a suspeitar sempre de uma intervenção de Mussolini, e a protestar sempre contra esta intromissão de estrangeiros em nossa política interna.

Pensávamos que o Sr. Mariani, chegando a São Paulo, de permeio com as conchas preciosas que a revolução nos trouxe, procurasse tomar ao menos uma atitude digna. Qual não foi nosso espanto ao deparar com o livro do Sr. Mariani, novamente à venda em nossas livrarias, livro em que o autor diz da própria mãe as piores coisas que se possam dizer de uma mulher! Ainda assim julgávamos que, limitando à publicação do seu livro os ultrajes feitos à moral brasileira, o Sr. Mariani se encerrasse em um silêncio discreto. No entanto, nova desilusão! "O Estado de São Paulo" publicou, no dia 15, a conferência por ele pronunciada na véspera, e na qual, além de uma inaceitável ingerência em problemas políticos internos nossos, só nossos, e muito nossos, ele se refere desprezivelmente à Mãe brasileira.

Não nos espantou, porém, a sua atitude contra o amor materno no Brasil. A Mãe brasileira é profunda, essencialmente cristã; ela é mesmo a melhor garantia da nacionalidade contra a infiltração yankee, ou a vitória da bandeira de Moscou. Por isto é ela detestada por todos os inimigos do Brasil e de Cristo!

Não quero insistir mais sobre este tristíssimo, deplorável trecho da conferência do Sr. Mariani, senão como o médico que só se refere às chagas para curá-las. Por que, a título de que liberdade, a título de que licenciosidade, se permite que, no Brasil, venham estrangeiros a nos diminuir o cioso sentimento de nacionalidade, o sublime e puríssimo amor de mãe, e o vivaz e sagrado sentimento de Fé? Por que havemos de permitir que elementos considerados indesejáveis em grande número de países civilizados, venham atirar pedras contra nossos altares, insultos contra nossas mães e desprezo contra a independência de nossa Pátria?

O Sr. Mariani sustenta que a Mãe brasileira ama mais o filho do que a própria Pátria! O Sr. Mariani quer reduzir o amor de nossas mães a sentimento quase animal, absolutamente hipertrofiado! Esquece-se, ou desconhece o caso célebre de uma mãe brasileira que, tendo perdido seu oitavo e último filho na guerra, deu um grande baile por ser a mãe de oito heróis? Esquece-se de que, em todas as lutas sustentadas pelo Brasil, nosso país se saiu airosamente, sem que, uma única vez, o braço de uma mãe procurasse reter junto a si seu filho, para satisfazer seu amor e não o deixar partir para a guerra? Esquece-se de que, desde os tempos os mais remotos, a Mãe brasileira, a santa e abnegada Mãe brasileira, tem sido uma das maiores obreiras de nossa nacionalidade e o esteio mais forte de nossas famílias? Onde quer o Sr. Mariani chegar, nesse seu afã incompreensível de destruir toda a moral, todo o sentimento que, por pouco que seja, se eleve sobre o nível comum dos sentimentos meramente animais?

Sr. Mariani! Para mentalidades como a sua, para demolidores como o Sr., para adversários irreconciliáveis de tudo quanto temos de mais caro, interpretando a voz da própria raça brasileira, estribando-me nas memórias majestosas dos nossos grandes homens que se foram, apegando-me com carinho e firmeza ao símbolo da Cruz, e invocando a proteção deste Jesus que o Sr. tanto odeia, só tenho uma palavra a lhe dirigir: Fora, Sr. Mariani, fora do Brasil!

 

*   *   *