Self-Control

“O Legionário”, N.º 182, 13 de outubro de 1935

 

Permitir-me-á meu colega da “Crônica Internacional” que invada um pouco o terreno que ele cultiva com tanto êxito, para fazer algumas considerações em torno do conflito ítalo-abissínio. A invasão se justifica, ao menos em parte, porque vou encarar a questão do ponto de vista da política brasileira, que é o campo sáfaro de que eu tenho procurado retirar, para nossos leitores, com esforço penoso, alguns magros frutos de exemplos edificantes, juntamente com uma larga colheita de joio, que são as ações errôneas ou... menos nobres.

Evidentemente, os católicos são livres de presentear com suas simpatias a pátria de Michelangelo, ou a de Menelick. Enquanto a Igreja não se pronunciar sobre esta questão - e o Tratado de Latrão juntamente com sua sábia prudência parece que lhe indicam a abstenção de qualquer interferência nesta questão - ou enquanto não estiver em jogo o interesse da Religião, todos são absolutamente livres de opinar como preferirem.

No entanto, é preciso que usemos de toda a circunspecção quanto ao modo de externar nosso pensamento e ao ardor de nossas opiniões.

Primeiramente, é preciso que os católicos separem nitidamente a questão ítalo-etíope da questão de raças, que alguns pretenderiam agitar nesta oportunidade. O Brasil é um país de população heterogênea, em que a raça negra ombreia com os descendentes de italianos, de alemães, de tcheques, de espanhóis, lado a lado com o elemento mais numeroso, que descende de portugueses. Portanto, qualquer agitação que tivesse como conseqüência despertar um falso sentimento de solidariedade racial seria perigoso para nossa tranqüilidade. Além disto, seria contrário à caridade cristã. A ninguém é lícito desejar o aniquilamento da Abissínia pelo simples fato de pertencerem seus habitantes à raça negra, bem como não pode qualquer pessoa desejar a derrota de um país com as gloriosas tradições da Itália, simplesmente por alguma incompatibilidade de temperamento com o povo italiano. A caridade cristã se opõe a que odiemos negros por serem negros, italianos por serem italianos, ou ingleses porque a Inglaterra é uma nação conquistadora.

Por outro lado, é necessário acentuar que quaisquer ressentimentos devem ser muito controlados quando externados em solo brasileiro.

Quanto a nós, brasileiros, devemos desenvolver um sério esforço de self-control, para impedir que nossas simpatias por um dos lados nos faça esquecer nossos deveres da caridade, agravados pelos da hospitalidade. Sempre devemos ter em mente que os estrangeiros domiciliados aqui, ou os filhos de estrangeiros que, por uma legítima simpatia, se interessam pelos destinos da Pátria de seus pais, têm todo o direito à nossa consideração.

Por outro lado, devemos exigir também que nossos hóspedes procedam como tais, respeitando escrupulosamente o direito que temos de sermos senhores em nossa própria casa. Assim, portanto, qualquer atitude que possa fazer estalar no Brasil rancores que só se explicam na Europa ou na África deve ser energicamente reprimida.

Se formos inflexíveis conosco e com o próximo, na manutenção desta atitude, além de termos cumprido nosso dever, auferiremos com este procedimento duas preciosas vantagens.

A primeira é que a opinião pública acompanhará sempre serenamente o desenrolar dos acontecimentos e não arrastará o Brasil a uma eventual participação em um conflito em que nada tem que ver. Nossa missão histórica consiste em manter neste mundo que se defronta com uma conflagração universal, um oásis de paz dentro de nossas fronteiras. Assim, contribuiremos para evitar o alastramento do tremendo mal, que é a guerra. Por outro lado, nossas forças espirituais, sociais e econômicas se conservarão intactas, para uma eventualidade extrema, em que a civilização precise delas.

Por outro lado, impediremos que sentimentos nacionalistas exagerados venham despertar entre nós um excessivo sentimento de solidariedade para com as Pátrias distantes (excessivos, dizemos, porque um sentimento moderado é lícito e até indispensável), que dificulte a tarefa assimiladora dos elementos estrangeiros, que deve levar a cabo o povo brasileiro.

Não sabemos que procedimento terá, nesta emergência, o Governo brasileiro. Mas uma nota do “Diário Carioca”, cujo diretor é irmão do Sr. Ministro das Relações Exteriores, nos informa que o Brasil se absteve de participar de qualquer interferência no atual conflito ítalo-etíope, embora solicitado neste sentido pela Liga das Nações. Nossos aplausos francos a atitude tão criteriosa.