Permitir-me-á meu colega da
“Crônica Internacional” que invada um pouco o terreno que ele cultiva com tanto
êxito, para fazer algumas considerações em torno do conflito ítalo-abissínio. A
invasão se justifica, ao menos em parte, porque vou encarar a questão do ponto
de vista da política brasileira, que é o campo sáfaro
de que eu tenho procurado retirar, para nossos leitores, com esforço penoso,
alguns magros frutos de exemplos edificantes, juntamente com uma larga colheita
de joio, que são as ações errôneas ou... menos nobres.
Evidentemente, os católicos são livres de
presentear com suas simpatias a pátria de Michelangelo, ou a de Menelick. Enquanto a Igreja não se pronunciar sobre esta
questão - e o Tratado de Latrão juntamente com sua
sábia prudência parece que lhe indicam a abstenção de qualquer interferência
nesta questão - ou enquanto não estiver em jogo o interesse da Religião, todos
são absolutamente livres de opinar como preferirem.
No entanto, é preciso que usemos de toda a circunspecção quanto ao modo de externar nosso pensamento e
ao ardor de nossas opiniões.
Primeiramente, é preciso que os católicos separem
nitidamente a questão ítalo-etíope da questão de raças, que alguns pretenderiam
agitar nesta oportunidade. O Brasil é um país de população heterogênea, em que
a raça negra ombreia com os descendentes de italianos, de alemães, de tcheques, de espanhóis, lado a lado com o elemento mais
numeroso, que descende de portugueses. Portanto, qualquer agitação que tivesse
como conseqüência despertar um falso sentimento de solidariedade racial seria
perigoso para nossa tranqüilidade. Além disto, seria contrário à caridade
cristã. A ninguém é lícito desejar o aniquilamento da Abissínia pelo simples fato
de pertencerem seus habitantes à raça negra, bem como não pode qualquer pessoa
desejar a derrota de um país com as gloriosas tradições da Itália, simplesmente por alguma incompatibilidade de temperamento
com o povo italiano. A caridade cristã se opõe a que odiemos negros por serem
negros, italianos por serem italianos, ou ingleses porque a Inglaterra é uma
nação conquistadora.
Por outro lado, é necessário acentuar que quaisquer
ressentimentos devem ser muito controlados quando externados em solo
brasileiro.
Quanto a nós, brasileiros, devemos desenvolver um
sério esforço de self-control,
para impedir que nossas simpatias por um dos lados nos faça esquecer nossos
deveres da caridade, agravados pelos da hospitalidade. Sempre devemos ter em
mente que os estrangeiros domiciliados aqui, ou os filhos de estrangeiros que,
por uma legítima simpatia, se interessam pelos destinos da Pátria de seus pais,
têm todo o direito à nossa consideração.
Por outro lado, devemos exigir também que nossos
hóspedes procedam como tais, respeitando escrupulosamente o direito que temos
de sermos senhores em nossa própria casa. Assim, portanto, qualquer atitude que
possa fazer estalar no Brasil rancores que só se explicam na Europa ou na
África deve ser energicamente reprimida.
Se formos inflexíveis conosco e com o próximo, na
manutenção desta atitude, além de termos cumprido nosso dever, auferiremos com
este procedimento duas preciosas vantagens.
A primeira é que a opinião pública acompanhará
sempre serenamente o desenrolar dos acontecimentos e não arrastará o Brasil a
uma eventual participação em um conflito em que nada tem que ver. Nossa missão
histórica consiste em manter neste mundo que se defronta com uma conflagração
universal, um oásis de paz dentro de nossas fronteiras. Assim, contribuiremos
para evitar o alastramento do tremendo mal, que é a guerra. Por outro lado,
nossas forças espirituais, sociais e econômicas se conservarão intactas, para
uma eventualidade extrema, em que a civilização precise delas.
Por outro lado, impediremos que sentimentos
nacionalistas exagerados venham despertar entre nós um excessivo sentimento de
solidariedade para com as Pátrias distantes (excessivos, dizemos, porque um
sentimento moderado é lícito e até indispensável), que dificulte a tarefa
assimiladora dos elementos estrangeiros, que deve levar a cabo o povo
brasileiro.
Não sabemos que procedimento terá, nesta
emergência, o Governo brasileiro. Mas uma nota do “Diário Carioca”, cujo
diretor é irmão do Sr. Ministro das Relações Exteriores, nos informa que o
Brasil se absteve de participar de qualquer interferência no atual conflito
ítalo-etíope, embora solicitado neste sentido pela Liga das Nações. Nossos
aplausos francos a atitude tão criteriosa.