Catolicismo, N° 525, setembro 1994, pags.11 e 12 (www.catolicismo.com.br)

 

Bastidores da aprovação do divórcio no Brasil

 

Num lance da vida nacional: a implantação do divórcio, a responsabilidade de um Episcopado, a argúcia de um leigo, a confissão de um Prelado

 

 

Não é o objetivo deste artigo historiar as lutas pró e contra o divórcio que marcaram a fundo a vida religiosa do Brasil nesta segunda metade do século, nem de relatar o papel de destaque incontestável que nelas teve a TFP em triunfais campanhas (1).

A razão do presente artigo é assinalar o acerto do discernimento com que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira apontou aquela que viria a ser a causa principal da aprovação do divórcio no País. Em sua opinião – confirmada bastante tempo depois por um ilustre Prelado – o divórcio só seria introduzido se a CNBB não defendesse com a máxima energia e coesão a indissolubilidade do vínculo matrimonial.

Foi movido pela convicção da grande influência que então o Episcopado ainda exercia sobre a opinião pública brasileira, que o Presidente da TFP dirigiu aos senhores Bispos respeitosos e filiais apelos, implorando sua intervenção naquela emergência.

Transcrevemos a seguir trechos mais significativos de alguns deles.

 

 

A súplica do Centurião

 

“....Isto dito, volto-me para a CNBB.

Sabem os srs. bispos que a indissolubilidade do casamento foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, e que lei humana alguma tem o direito de a abolir. Sabem também que eles, mais incomparavelmente mais do que à TFP, ou a quem quer que seja, cabe velar por que as leis civis não atentem contra o que Jesus Cristo instituiu.

Para a defesa do vínculo, caso venha a ser ameaçado por algum truque do sr. Nelson Carneiro, peço aos srs. bispos tão somente um documento revestido das características pouco acima enumeradas. E a este propósito lhes dirijo, como católico, ligeiramente adaptada, a súplica do Centurião dizei uma só palavra, e nossa pátria estará salva. Pois aos srs. bispos não é necessário que se movam nem que se esforcem. Bastará que falem, mas falem deveras, para que os leigos façam o resto, e levem à derrota às hostes divorcistas.

Teremos ou não teremos o divórcio? Esta pergunta redunda em outra: falarão ou não falarão contra ele nossos bispos, num pronunciamento da CNBB, compacto e sem discrepâncias?

Se — como de direito — emitirem a palavra salvadora, o laicato católico do Brasil sobressaltará. E qualquer iniciativa clara ou veladamente divorcista morrerá "in ovo".

Não quero crer que, essa palavra, eles a recusem. Se a recusassem, o desalento no laicato católico poderia ser bem grande. Pois em tão surpreendente hipótese se lhes poderia aplicar a frase de Camões: "um fraco rei faz fraca a forte gente".

Se, em tal caso, o divórcio vencesse, o causador capital desta vitória não seria o sr. Nelson Carneiro” (2). (Grifos nossos)

 

A CNBB: Corcovado ou formiga?

 

Daí meses depois o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira insistia em afirmar que em matéria de divórcio tudo está nas mãos do clero. “...Em outros termos, tal é a influência moral da religião em nosso País, que tudo está nas mãos do clero. Se ele falar logo, falar claro, falar alto, falar coeso, e sem cessar, a consciência católica do País — povo e legisladores — despertará do triste e explicável letargo em que está. Será então impossível ao sr. Nelson Carneiro fazer passar o divórcio, como é impossível a uma formiga derrubar o Corcovado. ....

“Animar, coordenar e levar à luta nossas tão imensas e tão desditosas multidões de católicos do Brasil, é obra que só um grande trabalho poderá levar a cabo. Se tal trabalho for feito a fundo, a vitória desde já é certa. O sr. Nelson Carneiro será a formiga, e a maioria católica o Corcovado. Se, pelo contrário, tal trabalho não tiver a amplitude e o vigor que as circunstâncias exigem, o divorcismo será o Corcovado e nós, a quase totalidade do Brasil, seremos... a formiga.

Em suma, tudo depende da CNBB. Desde que ela se atire à luta, vencerá com certeza.

“Só há para a CNBB dois papéis, o de Corcovado e o de formiga” (3). (Grifos nossos)

 

 

Pouca energia da Hierarquia na Itália: aviso para o Brasil

 

O pedido de advogados da OAB, em 1974, de implantar o divórcio no País, somado à aprovação do mesmo na Itália com a colaboração de sacerdotes e com a mínima reação da Hierarquia eclesiástica em defesa do matrimonio, levaram o Presidente da TFP a conclamar os Bispos a tomarem uma posição clara e urgente:

“...E chegamos ao ponto final. A tradição antidivorcista ainda é tão viva em nosso povo, que bastará um sério empenho da Hierarquia católica nacional para dissipar, nesta matéria, a fumaça de Satanás, e impedir que o divórcio seja aprovado.

Os Emmos. Srs. Cardeais, os Exmos. Revmos. Srs. Arcebispos e Bispos tomem o ocorrido na OAB como um sinal de alarma. Ergam-se, ensinem, proclamem, se necessário fulminem. Caso o façam desde logo, o divórcio não passará. – Que alegria, que glória para a Igreja, que o façam o quanto antes!

O fracasso da ofensiva divorcista depende deles. Inteiramente” (4) (Grifos nossos).

 

 

A grande Pastoral Coletiva... que não veio

 

Logo após a introdução do divórcio na Constituição, em 1977, assim se exprimiu o Presidente da TFP:

“O know-how mandaria que, nesta emergência, o episcopado nacional publicasse, logo quando dos primeiríssimos rumores de perigo divorcista, uma grande Pastoral coletiva, assinada pela totalidade dos Srs. Cardeais, Arcebispos e Bispos do Brasil. …”

“O Brasil tem ao todo 267 Bispos. Destes, apenas 104 se pronunciaram contra o divórcio....

 

De outra parte, a quase totalidade dos que falaram - e alguns falaram muitas vezes - pouco disseram....

 

Simples foguetório antidivorcista, em lugar da grande bombarda doutrinária da Pastoral coletiva que fora necessário detonar....

 

“Como espantar que, nessas condições, certo número de deputados e senadores tivesse vacilado, na dúvida sobre o verdadeiro rumo do pensamento católico de amanhã?” (5) (Grifos nossos).

 

 

O depoimento do Cardeal-Arcebispo do Rio

 

Não haveria algum exagero, na opinião sustentada pelo presidente da TFP quanto à responsabilidade da CNBB na aprovação do divórcio? Poderia perguntar algum espírito timorato.

Nada melhor para aquietar tal excesso de escrúpulo que transcrever as palavras de um observador eclesiástico altamente colocado para pronunciar-se a respeito do assunto. Com efeito, cinco anos após a aprovação do divórcio, D. Eugênio Salles, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, confirmava o prognóstico que o insigne pensador católico vinha sustentando há tanto tempo. Afirmou o Prelado:

Se a Igreja no Brasil tivesse lutado como o Cardeal Motta, o divórcio não teria sido aprovado” (6) (Grifos nossos).

 

João Sérgio Guimarães

 

 

 

NOTAS:

 

(1) Para quem quiser conhecer a atuação da TFP, inclusive em campanhas públicas contra o divórcio, ver:

Um homem, uma obra, uma gesta – Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira, Edições Brasil de Amanhã, São Paulo, 1989, pp. 85 a 88 e 113-114.

(2) Plinio Corrêa de Oliveira, Dizei uma só palavra...,  "Folha de S. Paulo", 21/2/71.

(3) Idem, Corcovado ou formiga?,  "Folha de S. Paulo", 25/4/71.

(4) Idem,  Inteiramente,  "Folha de S. Paulo", 25/8/74.

(5) Idem, Foguetório e não bombarda, "Folha de S. Paulo", 25/6/77.

(6) “O Globo”, 21/9/82.