Catolicismo,
janeiro de 1964, n° 157, pags. 4 e 5 (www.catolicismo.com.br)
Desfazendo
as manobras astuciosas de Moscou duzentos Padres Conciliares pedem nova
condenação do comunismo e do socialismo
A imprensa internacional, e naturalmente também a da
Itália e a do Brasil, noticiaram com todo o relevo o fato de que, em data de 3
de dezembro p.p., o Exmo. Revmo. Sr. D. Antonio de Castro Mayer, Bispo desta
Diocese, fez entrega, na Secretaria de Estado da Santa Sé, ao respectivo
titular, Sua Eminência o Cardeal Amicto Giovanni Cicognani,
de uma petição subscrita por 213 Padres Conciliares de 54 países, que rogam
faça o II Concílio Ecumênico Vaticano – em sua próxima sessão – uma nova
condenação do marxismo, do socialismo e do comunismo, em seus aspectos filosófico,
sociológico e econômico, expondo ao mesmo tempo, a doutrina social católica, e
profligando os erros e a mentalidade que preparam o espírito dos católicos para
a aceitação daqueles sistemas falsos.
Essa petição foi de iniciativa dos Exmos.
Revmos. Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud e D. Antonio de Castro Mayer.
"Catolicismo" tem a honra e a alegria de ser
a primeira folha no mundo a publicar a tradução em idioma corrente, do texto
integral dessa petição.
Fazendo-o, julga esta folha interessante preceder esse
texto de algumas informações previas, concernentes ao documento.
A primeira observação a ser feita se refere ao sentido
profundo da petição. Constitui ela uma tomada de posição em face do grande
processo igualitário e ímpio, de
descristianização do Ocidente – a Revolução – que, tendo tido seus primórdios
na Renascença e na Pseudo-Reforma, se afirmou na
esfera política com os erros da Revolução Francesa, e chegou ao extremo da
abominação com o comunismo.
Em face deste processo, apocalíptico por sua gravidade
e extensão, o documento nascido das fileiras dos Padres Conciliares (...)
representa uma tomada de posição providencialmente
oportuna, clara e enérgica.
A petição referente ao socialismo e ao comunismo, cujo
texto tem grande profundidade doutrinária, pois remonta em suas considerações
até o igualitarismo e a Revolução Francesa, aponta a necessidade de nova
condenação daqueles sistemas errôneos, nascida da política dúbia inaugurada
pela Rússia soviética em face dos católicos, e da confusão lançada nos arraias
do Catolicismo pelos assim chamados esquerdistas católicos.
Íntimo nexo com esse documento apresenta na ordem
lógica, o estudo publicado nesta folha por nosso colaborador Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira, sobre "A
liberdade da Igreja no Estado comunista". Este estudo
constitui com a petição como que um todo impressionante. Traduzido para o
espanhol, o francês, o italiano e o inglês, foi ele distribuído pelo correio a
todos os Padres Conciliares. Também foi entregue, por nosso enviado especial, a
450 jornalistas presentes na Comissão Central das Comunicações sobre o
Concílio.
O estudo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, provando
a insubsistência das esperanças de um "modus vivendi" legítimo e pacífico entre a Igreja e o Estado
comunista, deixa bem claro que o único caminho para a primeira é a luta e, se
necessário, o martírio, até ser obtida a conversão das nações comunistas.
* * *
É o seguinte, em tradução direta do latim, o texto da
petição da qual cada um dos 213 Padres conciliares assinou um exemplar:
Eminentíssimo e reverendíssimo Senhor
Movido pelo desejo de que do II Concilio do Vaticano
se obtenha o maior fruto para o bem das almas, e formulando minhas respeitosas
saudações a Vossa Eminência, entrego-Lhe esta petição,
rogando queira submetê-la à Comissão a que preside, para em seguida, se
aprouver, apresentá-la ao Santíssimo Padre.
FUNDAMENTO
Excelente ocasião nos oferece o Concílio Ecumênico, de
tratar das questões de maior importância para o bem da Igreja e salvação das
almas. Tais parecem ser as que dizem respeito à seita comunista, socialista ou
marxista. Pois se trata de coisa que interessa sobremaneira à salvação de
grande número de fiéis: em primeiro lugar, aqueles que, vivendo sob o jugo dos
comunistas, já estão privados da liberdade de, como o exige a consciência
católica, servir a Deus; depois, os que se acham em perigo de cair sob o mesmo
jugo. Como, porém, o desígnio comunista de dominar todas as nações se fortalece
dia a dia, pode-se dizer que a Igreja se encontra em numerosas regiões na
iminência de cruel servidão e de atroz perseguição.
Que o Concílio trate de questão tão grave parece-me
não só oportuno, senão mais ainda necessário. Exporei algumas razões mais
profundas dessa necessidade.
I. Serpeiam entre católicos numerosos erros e estados
de espírito que encontram sua origem na Revolução Francesa e são espalhados
pela propaganda bolchevista; eles tornam os espíritos propensos a aceitar as
doutrinas marxistas e a estrutura social e econômica do comunismo. Enredados
por tais idéias, muitos católicos consideram com simpatia o comunismo, admiram
as nações comunistas põem em dúvida os próprios fundamentos da ordem social
cristã, ou a concebem segundo o que agrada aos comunistas. Mais ainda, muitos
fiéis há que experimentam um certo sentimento de culpa porque ainda não
professam abertamente o comunismo ou o socialismo.
Os principais erros e desvios de espírito são os
seguintes:
1 – Dia a dia se torna mais comum a opinião de que é
injusta toda superioridade social ou econômica, de modo que só a onímoda igualdade de fortuna entre os homens é que seria
conforme ao Evangelho, erradicada, ademais, qualquer outra diversidade social.
Se, pois, alguns homens, quer concidadãos do mesmo
país, quer estranhos, sofrem os efeitos de certa pobreza, entendem esses
católicos que todos os outros homens, que gozam de bens além da medida do
estritamente necessário para viver, devem renunciar não só aos bens supérfluos,
mas até aos que lhes são absolutamente necessários para poderem conservar o
modo de vida segundo a posição social, que lhes é próprio. Por isso, para tais
católicos, toda opulência familiar ou nacional deve ser sempre tida por roubo e
injusta retenção de bens que pertenceriam às classes mais modestas. Daí deduzem
gravíssima conseqüência, que assim se pode enunciar: as classes mais modestas
têm estrito direito aos bens que devem ser considerados necessários, embora não
estritamente para viver, todavia para o modo de vida segundo a posição social
próprio a outrem. E, posto que elas têm direito, podem tomá-los
pela força. O que, quando aplicado ao convívio dos povos, resulta em que as
nações de menor riqueza têm direito de exigir das nações mais cultas e ricas
participação nos bens que estas possuem, quer de cultura, quer de fortuna. É-lhes pois lícito, se for o caso, tomar violentamente as
riquezas das mais afortunadas. Tal conseqüência, senão na prática, pelo menos
em teoria, aqueles católicos não a rejeitam.
2 – Esses católicos entendem que a Santa Sé deve
distribuir para ajudar os pobres e os necessitados, os Tesouros do Vaticano e
das Basílicas romanas, assim como as obras de arte que possui. Os bispos, os
mosteiros e os presbitérios deveriam renunciar a todas as riquezas, conservando
tão somente aquelas que fossem necessária para manter estritamente a vida.
3 – Tais erros são difundidos por muitos mestres
pertencentes às fileiras do Clero. Propagando-se sob aparências de justiça e de
caridade, induzem numerosos fiéis a admitirem falsas doutrinas e princípios,
criam um espírito infenso à ordem social católica e tendente ao igualitarismo
social.
II. Passo a tratar de outro aspecto da situação atual
do Catolicismo.
A sagacidade dos comunistas vem aplicando nos últimos
anos um novo método estratégico. Proclama o governo russo a necessidade da
coexistência pacífica, e ostenta uma liberalidade fictícia. Esta momentânea
diminuição do rigor do sistema político cria a ilusão de uma certa evolução das
nações comunistas, que, insensivelmente caminhariam para um tipo de sociedade
que poderia ser tolerado e até desejado pelos católicos. Nessa nova sociedade
marxista o Estado permitiria uma certa liberdade de falar e de pensar,
atenuaria o rigor policial, toleraria a religião, mas não admitiria o direito
de propriedade, nem consentiria no uso da propriedade privada.
Muitos católicos hodiernos consideram tolerável esse
regime, e entendem que a Igreja nada de essencial teria a opor a tal Estado
socialista. Favorecem eles a opinião dos que dizem que a propriedade privada
não traz vantagens à Igreja, mas tão só aos proprietários, e portanto, segundo
o modo de ver deles, a Igreja não teria nenhuma razão para lutar a favor do
direito de propriedade. Seria, pois, lícito ao católico dar sua adesão e
emprestar seu apoio a um regime social em que não se admitisse ou gravemente se
coarctasse esse direito de propriedade.
Apoiados em tais opiniões, muitos católicos reputam
que a chamada sociedade ocidental, por causa de abusos do regime capitalista
sob o qual vivem, é pior que a sociedade comunista. Consideram, realmente,
insanáveis os abusos do capitalismo, e por isso dizem que em nada interessa à
causa católica que vivamos sob um regime ocidental livre, ou sob a servidão
comunista. Mais ainda, não se pejam de afirmar que ao regime das nações
capitalistas, como dizem, preferem o regime marxista.
III. De tal modo se põem as coisas, que essa geral
infestação de idéias e de mentalidade marxista exige absolutamente do Concílio
uma palavra que possa tranqüilizar a consciência cristã. Essa palavra, segundo
me parece, não pode ser omitida sem gravíssimo dano das almas. Realmente, o
marxismo e o comunismo devem ser considerados como as maiores e mais perigosas
heresias deste século; os fiéis, portanto, ficariam perplexos se o Concílio não
tocasse em questão tão momentosa.
PETIÇÃO
Posto que já se vê que uma constituição doutrinária e
pastoral a respeito do marxismo, socialismo e comunismo não criará o mínimo
obstáculo à ação da Santa Sé em prol da existência pacífica de todos os homens
e de todas nações, rogo, fundamentado nas gravíssimas razões que expus,
digne-se a Comissão para Assuntos Extraordinários do II Concílio do Vaticano
apresentar ao Sumo Pontífice o desejo de muitos Bispos, e de numerosos fiéis,
no sentido de que o Santíssimo Padre determine a elaboração e o estudo de um
esquema de constituição conciliar no qual:
1 – se exponha com grande clareza a doutrina social
católica, e se denunciem os erros do marxismo, do socialismo e do comunismo,
sob o aspecto filosófico, sociológico e econômico;
2 – sejam profligados aqueles erros e aquela
mentalidade que preparam o espírito dos católicos para a aceitação do
socialismo e do comunismo, e que os tornam propensos aos mesmos.
CONCLUSÃO
Sei com certeza, Eminentíssimo e Reverendíssimo
Senhor, da opinião dos numerosos Padres Conciliares que, movidos pela mesma
solicitude e angustia, desejam tratar destas coisas em Concílio. Alimento a
esperança de que, atendendo a tão intensos desejos, Vossa Eminência apresentará
esta petição aos egrégios membros da Comissão a que preside, e depois levará ao
conhecimento do Soberano Pontífice o desejo e a petição de tantos Padres
Conciliares.