Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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21 de setembro de 1989 A "canonização" cívica de Allende A honrosa outorga do título de cidadão paulistano post mortem, conferida há dias pela Câmara Municipal de São Paulo à memória do falecido "camarada" Salvador Allende, o malogrado presidente da República chilena, não pode deixar de ter produzido na opinião pública de todo o País os efeitos mais desfavoráveis. A lamentável deliberação foi aprovada em votação secreta. Evidentemente, o descontentamento assim produzido em todo o País é muito menos manifestativo do que seria um descontentamento de igual intensidade surgido nas fileiras da esquerda. Não se iluda, porém, o leitor esquerdista com a autenticidade e amplitude do desagrado ocasionado pelo gesto de nossa Câmara Municipal. Os centristas e os direitistas são – cada um desses setores a seu modo – homens de ordem. E o próprio de quem ama a ordem consiste em não exprimir seu desagrado em termos de agitação e desordem. Essas últimas constituem a única linguagem dos prosélitos da anarquia, do caos e da violência. A indignação da ordem se exprime em termos de protesto digno, com uma força calma, segura de si, e disposta à luta. À luta de cavalheiro, que é diametralmente o oposto da fanfarronada agressiva e vulgar dos piquetes de greve, das "ocupações" lesivas ao patrimônio de outrem, e congêneres métodos de protesto. Razões possantes justificam o desagrado - a indignação – que essa "canonização" cívica de Allende causou. Com efeito, não há quem ignore em nosso País, como em todo o mundo livre, ter sido nos anos 70-73, o malogrado Chefe de Estado chileno uma das figuras mais marcantes da investida comunista do mundo ibero-americano. Sua administração foi assinalada por uma aplicação maciça – em ritmo atabalhoadamente crescente – dos princípios marxistas. E daí adveio para seu desditoso país uma série de catástrofes que, como fruto característico do capitalismo de Estado, precipitou ponderável número de ricos à pobreza, e a generalidade dos pobres à miséria. Não veja o leitor nessas afirmações, uma vácua e enfurecida manifestação de antipatia doutrinária de uma organização como a TFP, notoriamente anticomunista. A polêmica elevada, substanciosa e cortês sempre caracterizou esta entidade. E na considerável mole de publicações que ela tem dado a lume em livros, revistas e jornais, jamais se afastou das linhas normativas desse seu procedimento, como também jamais se omitiu de documentar cuidadosamente todas as suas assertivas. A aprovação dessa honraria significa aos olhos do público uma aprovação injustificável, no plano doutrinário como nos resultados concretos, de todos os prejuízos, privações e malogros sofridos pelo povo chileno durante o governo do fogoso líder da extrema-esquerda. E a simpatia dos que assim se solidarizam post mortem com a sua obra será interpretada, ademais, como uma adesão aos princípios fundamentalmente anticristãos em que esta obra se inspirou. Quero crer que a maioria dos membros de nossa Câmara Municipal que votaram em favor da concessão da cidadania paulistana post mortem ao malogrado Chefe do Executivo chileno não estão informados dos muitos malefícios que a administração deste – inspirada pelo socialo-comunismo – acarretou para o desditoso país entregue aos cuidados dele por uma funesta coligação entre a democracia cristã e as esquerdas. Passo a dar um elenco (que, se completo, tomaria muito mais espaço) dos fatos que evidenciaram o caráter persecutório e ruinoso de sua desastrada gestão. Faço notar que os poucos fatos não documentados neste elenco são de absoluta notoriedade pública no Chile. Assim o leitor ajuizará do desacerto da "canonização" laica e cívica do finado Presidente. 1. Reforma Agrária – Com a aplicação da Reforma Agrária, a produção agropecuária no ano agrícola 71-72 diminuiu 3,6%; no ano 72-73 a queda foi de 13,7% (cfr. Carlos Patrício del Campo, "A propriedade privada e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista", Ed. Vera Cruz, SP, 1985, p. 141). 2. Queda na produção de trigo – A produção de trigo baixou para quase a metade: de 1.367.974 toneladas, no ano agrícola 70-71, para 749.684 toneladas no período 72-73 (cfr. "Ercilla", Santiago, 10-8-77). No final do governo Allende não havia trigo suficiente para a população. O pão era feito com "farinha preta", isto é, com a fibra que normalmente não é aproveitada na fabricação de farinha, por ser indigerível pelo homem e bastante perigosa para a saúde (cfr. Prof. Fernando Monckeberg Barros, especialista em nutrição de fama internacional, in "Fiducia", Santiago, maio de 1974). 3. Racionamento geral – Em abril de 1972, Allende criou as JAPs (Juntas de Abastecimento e Preços), que distribuíam um cartão de racionamento às pessoas que nela se inscreviam. Só com esse cartão se podia comprar gêneros alimentícios fora do mercado negro: um quilo de açúcar a cada 15 dias, meio quilo de carne a cada dois meses. 4. Fome – Para resolver o problema da fome, Bosco Parra, Secretário-Geral da agremiação "Esquerda Cristã", propôs ao ministro da Agricultura de Allende, Jacques Chonchol, um "consumo igualitário básico para toda a população" ("El Mercurio", 21-8-72). 5. Os mitos allendistas – Os "Cristãos para o Socialismo" da cidade de Antofagasta fizeram a apologia da fome: "O cristão não teme o jejum, está familiarizado com ele", afirmavam ("Folha de S. Paulo", 10-9-72). E a Federação Feminina do Partido Socialista chegou a recomendar que as mulheres socialistas se abstivessem de comer carne bovina durante um ano (cfr. "O Jornal", RJ, 30-9-72). 6. Greves e invasões no campo – Com o início da agitação agrária, já antes de Allende, de 1960 a 1966 houve greves em 827 fazendas e 36 invasões de propriedades. Em 1970, no fim do governo Frei e começo de Allende, as greves foram 1127 e as invasões 48. Em 1971, 1758 greves e 1278 invasões (cfr. Carlos Patrício del Campo, op. cit., p. 142). 7. Desapropriações – No final do governo Allende, em 1973, somavam 5.809 as fazendas desapropriadas, num total de 10 milhões de hectares que representavam 47% das terras produtivas e 60% das terras irrigadas. 8. Servos da gleba – O governo não concedeu um só título de propriedade individual aos camponeses "beneficiados" com a Reforma Agrária (cfr. "Ercilla", 10-8-77). Aos camponeses que, iludidos, esperavam que o governo lhes daria um pedaço de terra, foi o próprio Ministro da Agricultura de Allende, Jacques Chonchol, que se encarregou de advertir: "Quero que entendam bem que não haverá distribuição de propriedade individual da terra" ("El Mercurio", 31-1-71). 9. Impopularidade – A impopularidade da Reforma Agrária entre os camponeses foi reconhecida pela própria Comissão Central do Partido Comunista, que comentando a derrota sofrida pela esquerda nas zonas agrícolas, numa eleição extraordinária de 1972, declarou: "Um dos retrocessos que mais nos deve preocupar é o que sofremos no campo (...). Desapropriamos como nenhum governo e retrocedemos no campo" ("El Mercurio", 3-2-72). 10. Queda do trabalho – O Ministro da Agricultura reconhecia em 1972: "Não temos recursos para fazer produzir a terra desapropriada" ("El Mercurio", 26-8-72). E admitia que em alguns assentamentos se trabalhava apenas cinco horas diárias (cfr. "Portada", Santiago, n. 25, nov./71). O secretário geral do Partido Comunista, senador Luis Corvalán, se queixava, em informe ao Partido, que a desordem nos assentamentos tinha trazido, entre outras consequências, o recrudescimento do alcoolismo (cfr. "El Siglo", jornal do PC, 14-8-72). No ano agrícola 71-72, os assentamentos cultivaram apenas 19% da área aproveitável de suas terras (cfr. Carlos Patrício del Campo, op. cit., p. 142). 11. Inflação no quadro de funcionários – Só o Ministério da Agricultura chegou a ter 24 mil funcionários, o que equivalia a quatro funcionários por fazenda desapropriada e um para cada três famílias de camponeses "assentados" (cfr. "Ercilla", 10-8-77). 12. Perseguição aos proprietários – A perseguição aos proprietários se fez declarada. Assim, o sucessor de Chonchol no Ministério da Agricultura, Ronaldo Calderón, declarava: "Temos ódio de classe e essa classe (dos proprietários rurais) desaparecerá" ("El Mercurio", 9-2-73). 13. Reforma Empresarial – No governo Frei, 51% das ações das principais minas de cobre já haviam passado para as mãos do Estado. Allende estatizou os 49% restantes. Durante o governo deste, 40% das empresas industriais e cerca de 80% do sistema bancário passaram para as mãos do Estado. 14. Inflação – Para incrementar a demanda interna, o governo aumentou a oferta de dinheiro, chegando o crescimento em 1973, a 390% (cfr. Alvaro Bardón e outros, "Uma Década de Cambios Economicos"). O déficit fiscal aumentou de 10,4% em 1970 (com relação ao gasto fiscal) para 34,3% em 1971, 41,8% em 1972 e 55% em 1973 (cfr. Carlos Patrício del Campo, "Chile 1987: Olvidos y confusiones amenazan la propriedad privada y la libre iniciativa", p. 16). Nos anos de 71, 72, 73, o saldo da balança de pagamentos apresentou valores negativos de 299,8 milhões de dólares, 280,8 milhões e 112,1 milhões, respectivamente. As reservas diminuíram de 394 milhões de dólares em 1970, para 76 milhões em 1972 (cfr. idem, p. 17). A inflação chegou a mais de 500% (cfr. idem p. 45). 15. Queda nos salários – Depois de um ilusório aumento do salário médio, de 87,8 dólares para 102,1 em 1971, este caiu para 82,1 dólares em 1972, e para 44,1 em 1973 (cfr. "O Estado de S. Paulo", 18-1-87). 16. Delinquência – A primeira medida de Allende no poder foi libertar os terroristas do MIR, presos por delitos comuns de assalto e assassinato, além de uma ampla anistia para detentos em geral. Ex-detentos foram admitidos na Polícia Civil, enquanto a unidade móvel de Carabineiros, especializada na manutenção da ordem, foi desativada. 17. Censura – O jornal "El Mercurio" e sua influente cadeia de imprensa foi pressionada com perseguição aos proprietários em seus bens pessoais e investigações na contabilidade do jornal. A Editora Zig-Zag sofreu intervenção do Estado após conflitos trabalhistas. O mesmo aconteceu com incontáveis emissoras de rádio chegando o governo a controlar mais de 90 delas em todo o país (mais da metade das existentes na época). A lei de imprensa foi abusivamente usada por Allende contra seus adversários, movendo contínuas ações judiciais, prendendo jornalistas anticomunistas, suspendendo temporariamente órgãos de difusão. Teve repercussão internacional a escandalosa batalha do governo por assenhorear-se da Companhia Manufatureira de Papéis e Cartões, única produtora de papel de imprensa no país. 18. O poder judiciário e o poder legislativo contra Allende – O governo Allende foi cometendo cada vez mais ilegalidades ao impor suas medidas socialistas. Entre elas os chamados "Decretos de Insistência", abusos da lei de imprensa, irregularidades na nomeação de ministros etc. Como resultado, a Corte Suprema de Justiça declarou em 25 de maio e um mês depois, em 25 de junho de 1973, que o Poder Executivo se havia afastado das leis e da Constituição. E a Câmara dos Deputados, em 22 de agosto de 1973, declarou "ilegal o governo Allende por violações conscientes e repetidas da Constituição". Análoga opinião emitiram a Controladoria Geral da República e o Colégio de Advogados do Chile. 19. A Rússia soviética suga o Chile – Allende entregou o abastecimento das companhias pesqueiras estatizadas a grandes barcos russos. Em 1973, em consequência desses acordos pesqueiros, os russos começaram a construir um porto na baía de Colcura, ao sul de Santiago, que na realidade não era senão uma base para abrigar navios de guerra. A embaixada russa em Santiago contava com seis ou sete edifícios e mais de 50 automóveis. Técnicos russos que trabalhavam na empresa construtora KPB eram oficiais soviéticos que estavam treinando guerrilheiros na localidade de El Belloto. 20. Fidel escora Allende – Em fins de 1971, Fidel Castro chega num avião russo a Santiago, percorrendo o país de ponta a ponta, como um triunfador. Durante 25 dias participou de manifestações políticas e deu conselhos públicos a Allende e a seus assessores em matérias de política interna. Incentivou de todos os modos a revolução. Proclamava o ditador cubano: "As revoluções chilena e cubana estão unidas" ("Folha de S. Paulo", 14-11-71). Homenageado um monumento a "Che" Guevara. Fotos mostram os carros que serviam de escolta a Allende e Castro com guerrilheiros guarda-costas apresentando suas armas ao ar em sinal de vitória, lembrando a entrada de Fidel em Havana. Ao encerrar sua visita, numa grande manifestação pública, em Santiago, Castro repreendeu duramente os membros do governo Allende por não saberem mobilizar o povo como ele em Cuba. De fato, o estádio onde se realizava a manifestação estava quase vazio! Simbólico foi o presente que Castro levou a Allende: uma metralhadora, com a qual, aliás, segundo consta, este se suicidou... |